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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

21 de maio de 2011

A tragédia é que parece que a gente não se importa

Pergunta: Nós nos deparamos vivendo com medo da guerra, com medo de perder o emprego, se temos um, com medo do terrorismo, da violência de nossos filhos, com medo de estarmos à mercê de políticos ineptos. Como encarar a vida como ela é hoje?

Krishnamurti: Como você encara a vida? É certo que o mundo está se tornando mais e mais violento - isto é óbvio. As ameaças de guerra também são bem claras, como também é óbvio o estranhíssimo fenômeno de nossos filhos estarem se tornando violentos. Lembro-me de uma mãe que veio me ver na Índia faz algum tempo. Na tradição indiana as mães são consideradas com grande respeito, e essa mãe estava horrorizada porque, segundo o que disse, seu filho tinha lhe batido - uma coisa muito incomum na Índia. Assim essa violência está se espalhando por todo mundo. E tem esse medo de perder o emprego, como foi colocado. Deparando-se com tudo isso, sabendo disso tudo, como encarar a vida como ela é hoje?

Não sei. Sei como encará-la por mim mesmo, mas não sei como você o fará. Em primeiro lugar, o que é a vida, o que é essa coisa chamada existência, cheia de sofrimento, super-população, políticos ineptos, toda a malandragem, a desonestidade, o suborno que está acontecendo no mundo? Como lidamos com isso tudo? Certamente precisamos primeiro perguntar o que significa viver. O que significa viver nesse mundo do jeito que ele está? Como vivemos nossa vida diária, realmente, não teoricamente, não de forma filosófica ou idealizada, mas como vivemos de fato a nossa vida de todo dia? Se nós a examinarmos, ou ficarmos conscientes dela seriamente, ela é uma batalha constante, uma luta constante, um esforço após o outro. Ter que levantar-se de manhã é um esforço. Que iremos fazer? Não há possibilidade de escapar disso. Conhecíamos várias pessoas que diziam que o mundo era impossível de se viver, e eles se retiraram totalmente para algumas montanhas nos Himalaias e desapareceram. Isso é meramente uma fuga, um escapar da realidade, assim como o é perder-se em uma comunidade, ou associar-se a algum guru com muitas posses e se perder nisso. Obviamente, essas pessoas não resolveram os problemas da vida diária nem investigaram a respeito da mudança, da revolução psicológica de uma sociedade. Elas escaparam de tudo isso. E nós, se não escapamos e estamos realmente vivendo nesse mundo como ele é, que devemos fazer? Podemos mudar a nossa vida? Não ter nenhum conflito em nossa vida, porque conflito é parte da violência - isso é possível? Essa luta constante para ser alguma coisa é a base da nossa vida, de um esforço a outro. Podemos, como seres humanos, vivendo nesse mundo, mudarmos a nós mesmos? Essa é realmente a questão - transformarmos a nós mesmos radicalmente, psicologicamente, não depois, não admitindo tempo. Para um homem sério, um homem verdadeiramente religioso, não existe amanhã. Isso é uma sentença bem dura - que não existe amanhã; existe apenas a rica adoração do hoje. Podemos viver essa vida inteiramente - e realmente, na vida de cada dia, transformar o nosso relacionamento uns com os outros? Essa é a questão real, não o que é o mundo, pois o mundo é o que somos. Por favor, veja isso: o mundo é você e você é o mundo. Isso é um fato óbvio e terrível, um desafio que precisa ser encarado completamente - ou seja, perceber que somos o mundo com toda a sua fealdade, que contribuímos para tudo isso, que somos responsáveis por tudo isso, tudo o que está acontecendo no Oriente Médio, na África e toda a loucura que está acontecendo nesse mundo, nós somos responsáveis por ela. Podemos não ser responsáveis pelas ações de nossos avós e bisavós - a escravidão, milhares de guerras, a brutalidade dos impérios - mas somos parte disso. Se não sentirmos nossa responsabilidade, o que significa sermos totalmente responsáveis por nós mesmos, pelo que fazemos, o que pensamos, pela forma com que nos comportamos, então isso se torna bem desesperador, sabendo o que o mundo é, sabendo que não podemos individualmente, separadamente, resolver esse problema do terrorismo. Esse é problema dos governos, cuidar para que seus cidadãos estejam seguros, protegidos, mas eles não parecem se importar com isso. Se cada governo realmente estivesse preocupado em proteger seu próprio povo, não haveria guerras. Mas, pelo visto, os governos também perderam a sanidade, eles só estão interessados nos seus partidos políticos, no seu próprio poder, posição, prestígio - vocês sabem de tudo isso, do jogo todo.

Assim podemos, sem deixar entrar o tempo, ou seja o amanhã, o futuro, viver de tal forma que hoje é tudo que importa? Isso significa que temos que nos tornar extraordinariamente alertas às nossas reações, à nossa confusão - trabalharmos com todo ímpeto em nós mesmos. Parece que essa é a única coisa que podemos fazer. E se não o fizermos, realmente não há futuro para o homem. Não sei se vocês seguiram algumas das manchetes dos jornais - toda essa preparação para a guerra. E se você está se preparando para algo, você vai tê-lo - é como preparar um bom prato de comida. Parece que as pessoas comuns no mundo não se importam. Aqueles que intelectualmente, cientificamente, estão envolvidos na produção de armamentos, eles não se importam. Só estão interessados em suas próprias carreiras, nos seus empregos, na suas pesquisas; e aqueles de nós que são pessoas bem comuns, a chamada classe-média, se não nos importarmos de fato, então realmente estamos entregando os pontos. A tragédia é que parece que a gente não se importa. Nós não nos reunimos, não pensamos juntos, não trabalhamos juntos. A nossa disposição é só para participar de instituições, de organizações, na esperança que elas terminem com a guerra, com toda a carnificina mútua que fazemos. Elas nunca terminaram. As instituições, as organizações nunca vão terminar com isso. É o coração humano, a mente humana que está envolvida nisso. Por favor, não estamos falando teoricamente; estamos nos deparando com algo realmente bem perigoso. Nós nos encontramos com algumas das pessoas proeminentes que estão envolvidas com essa coisa toda e elas não estão nem aí, elas não se importam. Mas se nós nos importamos com isso, e nossa vida diária é vivida corretamente, se cada um de nós está atento ao que fazemos diariamente, então penso que há alguma esperança no futuro.

Krishnamurti - extraído do Boletim da KFT, número 46, de 1984
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