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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

24 de julho de 2011

PSICOLOGIA DO PÂNICO - Capítulo I


PSICOLOGIA DO PÂNICO
JOOST A. M. MERLOO

Título do original em Inglês
PATTERNS OF PANIC


P R Ó L O G O

..........Este livro foi escrito para todos aqueles que estão interessados no estado de pânico do nosso mundo moderno, mas especialmente dedicado a todos aqueles, assistentes sociais, soldados, pessoal da Cruz Vermelha e aqueles que são mobilizados em caso de catástrofes.
..........Está escrito a partir de um ponto de vista descritivo, tratando de omitir no possível, as implicações teóricas enquadradas neste problema. Espero dedicar outro trabalho às pautas especiais do medo e a angústia em relação à estrutura individual do homem.
..........Se formos capazes de diferenciar distintos estados de pânico, começaremos a compreender e tenderemos a possibilidade de curar. Muitos indivíduos ainda não se dão conta de que maneira afeta a sanidade de nossas decisões os temores ocultos.
..........Temos a esperança de que este livro permita um maior reconhecimento das ocultas pautas de pânico.
Dr. Joost A.M. Merloo


Capítulo I
O QUE É O PÂNICO?
A "terça-feira louca", 5 de setembro de 1944

..........Este é o modo como pode acontecer.
..........Quando os vitoriosos Aliados irromperam ao longo da costa Belga e liberaram Bruxelas e Amberes, umas poucas tropas avançadas cruzaram a fronteira e penetrara na Holanda. Por causa dos confusos informativos das rádios de Londres, circulavam todo tipo de descabelados rumores. Os vizinhos se falavam mutuamente sobre a liberação de Dordrecht e Rotterdam. Os aliados se acercavam. Despregavam-se as bandeiras nacionais, as crianças dançavam nas ruas; vestiam sua cor nacional (laranja) e novamente cantavam os hinos nacionais. (13)
..........Os ocupantes nazistas obstruíram todas as comunicações telefônicas -- haviam sido afetados pelos rumores -- e no mesmo dia, as tropas alemãs iniciaram em pânico a retirada em direção a fronteira alemã. Os negócios vendiam todo tipo de faixas alusivas à libertação. Durante um dia, na Holanda não houve inimigos. Seguiu-se uma aterrorizada fuga dos traidores e colaboradores, e se tomou contra eles todo tipo de represálias. Entretanto, pára-quedistas aliados se preparavam para uma aterrizagem, mas nosso comando não sabia que este era o momento auspicioso para efetuá-lo.
..........Mas, a retirada alemã foi violentamente detida por seu próprio exército na Alemanha. Depois de dois dias os foragidos voltaram. Não houve libertação. Os S.S. começaram a tomar medidas de retribuição contra todos os civis que haviam se declarado de forma demasiadamente aberta. Negócios que haviam vendido faixas de cor laranja foram incendiados com granadas de mão. Seguiram novas represálias contra o povo reprimido e novos assassinatos.
..........Porém, os traidores e colaboradores nunca se atreveram a regressar aos seus lugares; seu pânico perdurou durante anos.
..........Três semanas mais tarde, os pára-quedistas aliados saltaram próximo de Arnhem em meio de tropas inimigas informadas e em acesso, totalmente recuperadas de sua confusão.
..........Teve início uma das mais sangrentas batalhas da segunda guerra mundial.
..........A segunda guerra mundial tem proporcionado muitos exemplos novos da influência do medo e o terror sobre os acontecimentos sociais. Suscitando o temor, a guerra psicológica moderna fez uso das armas de pânico e terror. Podemos dizer que nessa estratégia se abusa do animal não cultivado que há em nós para destruir nossa confiança na civilização.
..........Hitler, especialmente, utilizou as suas quinta colunistas para provocar esta total confusão nos civis dos países inimigos que projetava conquistar.


A concepção de pânico

..........A palavra "pânico" deriva do temor e terror contagiosos causados pelos Deus Pan. Gradualmente tem chegado a expressar diversos graus de temor, alarmes e a perplexidade. Nos idiomas europeus continentais (alemão, holandês, francês) tem um sentido mais forte que nos inglês. Na Europa, é usada principalmente para expressar fortes emoções coletivas de terror, perplexidade e horror. Na Inglaterra é usada com a mesma freqüência para expressar reações individuais entre o perigo, o pavor, o temor reverencial, o pesadelo, e ainda, ansiedades mais sutis, como o "blue funk", o sobressalto, e outras.
..........Por outro lado, se emprega a palavra para indicar temores sociais contagiosos e ansiedade coletiva, como o pânico financeiro durante uma depressão econômica e o "salve-se quem puder" de um exército; por outro lado indica ansiedade individual, perturbação, pavor e sentimento de inquietude.
..........Este livro dedica maior atenção as amplas implicações sociais da palavra, as pessoas presas do pânico e aos traficantes do pânico, aos estampidos que se produzem entre os seres humanos.
..........O conceito psicológico social de pânico se amplia também nestes dois sentidos diferentes. Significa não somente reações individuais de temor, senão também, explosões coletivas; não só medo e dúvida, mas também, fúria, tumulto e desenfreada agressão. Fala-se de pânico quando um acontecimento perigoso causa uma reação espontânea e desorganizadora no indivíduo ou na comunidade. Seja que isso ocorra no indivíduo nervoso ou no grupo inseguro, o resultado é que ambos "perdem a cabeça". O fator socialmente importante é a reação súbita, o efeito de descompostura, a desintegração da formação social ou da individualidade que se produz. Na terminologia cotidiana não se distingue claramente entre os estados mentais do indivíduo e os da coletividade, entre o pânico individual e o colapso coletivo.

Pânico e Terror

..........Quando o Deus Pan, filho de Zeus, se entregava ao seu descanso divino nos bosques e os pobres mortais se atreviam a perturbar seu sono, aquele explodia numa terrível fúria e espantava as ousadas criaturas com sua aparência horrorosa e com todos os elementos que estavam ao seu serviço. Nesse momento nascia o "Terror Pânico" no audaz indivíduo humano. Até os deuses compartilhavam do temor produzido por Pan; quando este soprava seu chifre podia espantar aos Titãs, e até sua mãe Calisto, ninfa dos bosques, sentia pânico diante de seu aspecto terrível e sua conduta brutal. Porém, para seus adoradores, Pan não era somente um motivo de temor, lhes oferecia também excitação sexual e algo da elevação do temor.
..........Para dar uma descrição mais moderna do pânico, temos que revelar o súbito estalido dos temores e impulsos oníricos no homem e na coletividade. Devemos revelar a tempestade de instintos e impulsos elementares que acodem ao primeiro plano, especialmente em circunstâncias ameaçadoras. O pânico é o despertar do irracional animal de manada que existe em nós. Num instante, toda civilidade desaparece e o animal desnudo toma seu lugar.
..........A manada aterrorizada é governada somente por suas emoções; a motivação inteligente se perde. O homem e o animal se lançam numa fuga desenfreada, arrastando tudo o que encontram pela frente.
..........O homem está despido e desvalido.
O homem é especialmente sensível ao pânico porque carece dos meios naturais de defesa que possuem os outros animais. É um animal infantil e indefeso. O pânico individual é sua repentina consciência do desvalidar biológico diante do perigo, de ser um animal sem garras nem presas.
..........Esse temor pode ser um resíduo instintivo da reação diante do perigo dos dias pré-históricos. A retirada, o retrocesso frente ao perigo, a fuga para salvar a vida, foram às melhores armas do homem contra os animais selvagens. O homem primitivo vivia um pânico crônico, numa crônica vigilância, numa crônica mobilização para a fuga. Esta reação diante do perigo, originalmente útil, do home pré-histórico, se converteu depois num reflexo automático do homem civilizado, que conduz freqüentemente a sua destruição. Um animal está adaptado ao seu ambiente. O homem não está e só pode viver graças aos seus hábitos civilizados. O homem não se liberou do temor, tanto que sua inteligência o induziu a armar-se. Aprendeu a fabricar armas e instrumentos. Mas eles suscitaram um novo temor, o temor das próprias armas. Porém, essa é outra história.
..........Quando o homem civilizado forma parte de uma massa, se contagia facilmente com sentimentos de pânico, do mesmo modo, o indivíduo isolado por ser levado a ações insensatas pela influência do temor. Porém, a massa, que reage muito mais emotivamente, se entrega ao pânico com maior facilidade. Até uma massa de ouvintes de rádio, ligados pela mágica união de ondas de rádio, pode ser presa do pânico como ocorreu após a audição de Oscar Wells, em 1938, quando este anunciou um ataque de monstruosos habitantes de Marte contra a Terra (10). Mediante essa fantástica sugestão se desperta parte de nosso arcaico instinto de temor, como se os monstros de nosso passado pré-histórico tivessem regressado a Terra.
..........Um pânico radial semelhante se produziu em Quito, Equador, quando se dramatizou novamente a invasão de marcianos segundo o argumento de Wells de 1938. O resultado foi a destruição do edifício do principal Jornal do Equador pela multidão. Também neste caso lançaram pânico ao público com informações realistas sobre a invasão de monstruosos guerreiros marcianos que, com armas misteriosas, teriam chego próximo de Cotocallao.
..........“Os habitantes, muitos deles só com roupas de baixo, se lançaram às ruas numa louca dispersão de terror, e quando souberam que se tratava de um trote, a ira os enfureceu na mesma medida” (The New York Times – 14-02-1949). As arcaicas reações diante do perigo não puderam ser detidas imediatamente; havia uma inquietude incipiente devido às crônicas dificuldades políticas. O programa de rádio afetou uma população já em estado de latente temor.
..........Depois de um pânico como esse observamos durante algum tempo os efeitos psicossomáticos da reação coletiva do medo. Todo organismo foi agudamente mobilizado; repentinamente se descarrega no sangue, em serviço da defesa corporal, demasiada carga de adrenalina. Em algumas pessoas podemos ver a palidez e a tensão vários dias depois.

O acesso do pânico

..........Presenciei em certa ocasião um acesso de pânico que foi detido no momento preciso, mas que teve suas conseqüências. Foi num grande teatro, e as pessoas começaram a sentir que algo pegava fogo. No cenário apareceu um pouco de fumaça. A encenação continuou, porém, as pessoas ficaram inquietas. Uma pessoa se deteve, e de repente, todos se deteram. Nesse momento, o primeiro ator se aproximou das luzes e explicou serenamente que um pouco de fumaça proveniente de um pequeno incêndio numa rua próxima havia penetrado pelas portas traseiras do teatro. Solicitou permissão para encerrar a encenação. Houve um grande aplauso e as pessoas se sentaram. Nem todos o fizeram, sem dúvida. Muitos se retiraram; alguns vomitaram e tiveram que ir embora. Quando se acenderam as luzes do intervalo pudemos nos ver. A maior parte do público estava pálida, e depois do intervalo, só a metade se sentou. Os efeitos físicos do pânico e do medo haviam sido demasiadamente fortes para eles.

Pânico condicionado

..........Em seu estudo sobre os animais, Pavlov demonstrou como se pode suscitar artificialmente o temor e o pânico. Condicionando-os para certos estímulos esperados, se precipitava os animais a um estado de ansiedade.
..........Esta súbita frustração da expectativa também desperta temor e ansiedade nos homens e nas multidões, e com tanta força que talvez se prefira os perigos ao invés da expectativa frustrada.
..........E no mês de novembro de 1939, se alertou ao exército holandês por haver-se recebido informações de que os alemães estavam por começar seu ataque. Eu me encontrava num destacamento fronteiriço e, como em duas oportunidades anteriores, se esperou a invasão de um estado de ânimo de preparada equanimidade.
..........Doze horas depois se cancelou a ordem de alerta. Devido às condições climáticas desfavoráveis, Hitler havia postergado seu ataque até maio de 1940.
..........Nessa mesma tarde se produziram todo tipo de reações de pânico. Pessoas que poderiam ter enfrentado o ataque muito calmamente, se mostraram irritadas e desassossegadas devido ao repentino vazio. Entre os oficiais e os soldados se viu reações histéricas como resultado do temor reprimido, que agora podia vir à luz sem nenhuma restrição.


..........Todas as semanas Hitler fazia uso em sua estratégia de temor condicionado para manter aos países ocupados sob um terror contínuo. As pessoas podiam esperar novas medidas de terror, porém, sempre algo distinto e inesperado. Não era possível se acostumar nunca a determinados temores e perigos; toda população permanecia num estado de constante insegurança.

O estado de espanto

..........O pânico, tanto individual como coletivo, representa uma reação arcaica diante o temor e o terror. Ainda que haja algumas diferenças, há muito pontos semelhantes entre o frenesi individual de movimentos e uma fúria coletiva. Pode-se ver esse arrebatar não coordenado de movimentos na reação de espanto de um bebê.
..........Segundo Darwin o estado de espanto é uma espécie de aguda movimentação dos sentidos na previsão de uma eventual reação diante do perigo, é uma forma de atenção incrementada. “O temor é muitas vezes, precedido pelo assombro, e está tão aparentado com o que ambos induzem uma excitação instantânea dos sentidos da visão e da audição”. Landis e Hunt distinguem entre a pauta de espanto infantil (caracterizado por extensão e logo flexão), que se estabelece entre o terceiro e o sexto mês de vida, a fase adulta (flexão, logo extensão).
..........A reação de surpresa precede a reação de perigo (fuga ou ataque); é um exagero de atenção e uma preparação muscular para a defesa. É esta movimentação geral da atividade investigada por Cannon, e a que Rosset (citado por Bull) explica como uma “conversão de todo o organismo numa sólida base rígida através da qual se pode exercer em qualquer direção um medido impulso. Este é o estado de rigidez tônica geral a qual se precipita o organismo no momento em que se vê exposto à ação de um estímulo cuja natureza, nesse instante é indeterminada”. Depois do reconhecimento do perigo começa a operar a outra reação diante do perigo (reação de temor).
..........Podemos comparar o pânico latente nos homens com esta fase de mobilização geral prévia ao temor. O sobressalto como tal pode dar-se sem medo, se bem que depende de outras formas de ansiedade anterior. Sem dúvida, quanto mais incerteza existe a respeito dos estímulos previstos, mais se convertem as reações de sobressalto em reação a temor. Um soldado que conhece os perigos do campo de batalha pode dominar seus temores, porém, o recém chegado está em fase de incerta antecipação, sobre coagido.
..........Para muitas pessoas esta incerta antecipação e contínua mobilização da atenção se mostram mais difíceis de suportar que o verdadeiro perigo. Entregam-se ao medo para se livrar de sua incerteza (entrega passiva ao temor). Isto pode conduzir a todo tipo de implicações perigosas na esfera social, como será descrito na última parte deste livro.
..........No lugar de deixar flutuar tranquilamente, a pessoa que se afoga, afunda devido o excesso de movimentos, uma defesa motriz demasiadamente grade. Depois de um adestramento transforma suas reações, porém, em muitas outras relações o homem segue sendo um ser indefeso, que se bate contra o destino e atua de uma maneira desorganizada nas horas de perigo. Especialmente em situações de massa, quando as reações individuais são mais facilmente influenciadas pela sugestão, se produzem essas perigosas explosões. É mais fácil escapar da solidão e da sensação de desamparo em meio à massa, porém nela, o homem se converte novamente no animal primitivo junto a horda. Se a massa é presa do temor — especialmente quando não tenha havido um enfrentamento e uma preparação psicológica — se iniciam súbitas reações de fuga sem nenhuma motivação racional. Nada é mais contagioso do que a reação de fuga. É um comportamento inconsciente e automático que atua profundamente, combinado com muitas reações psicossomáticas. È como se fossem reativados arcaicos sistemas de defesa do organismo.

Contágio do pânico

..........O pânico é um reflexo de fuga contagioso. Qualquer pessoa, por mais controlada que seja, pode sucumbir ao contágio do pânico. Mesmo quando voltam a se estabelecer imediatamente atitudes mentais reacionais, seguem operando as reações físicas de defesa contra o temor. Em tais circunstancias ninguém escapa das reações psicossomáticas do temor.
..........Freqüentemente comprovamos as mesmas reações contagiosas do pânico nos animais e nos homens. Um estampido produz arcaicas reações de pânico no homem, e muitos cavalos bem adestrados são arrastados se uma manada começa a correr. Os cavalos que se lançam à fuga contagiam os outros. Também os macacos são afetados pelas reações de fuga em pânico do homem.
..........O medo causado pelo pânico é contagioso até quando não há uma razão objetiva para ele, quando não existe nenhum perigo. A expressão de pânico de um indivíduo é interpretada pela massa como um sinal de um perigo ameaçador. Como disse no início deste livro, a pessoa que é presa do pânico causa mais temor que o perigo mesmo.
..........Ao longo de toda história encontramos descrições dessas contagiosas reações de pânico, quando as massas foram presas de emoções especiais, alguma vezes ante o iminente perigo da morte, outras pela desenfreada explosão de paixões rebeldes. Culminaram numa demoníaca descarga de paixões, uma epidemia de ações reprimidas, quase que incríveis para a mente civilizada. Tais foram os afogamentos em massa — “noyades” — da revolução francesa, os “assassinatos na câmera de gás” pela fúria alemã, os linchamentos norte-americanos. E mesmo o caso da guerra é como um enorme pânico das nações; não a linha reta da inteligência, senão o temor e a ameaça são utilizados para resolver os problemas. Os mais pacíficos seres humanos são repetidamente transformados nos patriotas mais agressivos pelos sentimentos de pânico ocasionados pela guerra. São contagiados pelo estado de ânimo geral; os temores e perigos reprimidos começam a atuar novamente neles. Só em massa e debaixo do contágio do pânico pode o homem moderno entusiasmar-se realmente com a guerra. Hitler reiteradamente sugeriu aos seus compatriotas que a Alemanha estava sendo ameaçada, porém, o povo alemão iniciou a guerra de 1939 sem entusiasmo; o medo havia se difundido em demasia. Em 1914 os alemães se conduziram de modo distinto; a guerra, então, parecia com uma ocasião festiva, e os soldados levavam flores em seus rifles.
..........O pânico é uma enfermidade contagiosa. Pode-se injetar o pânico numa massa, e efeitos de massa nas multidões. Por exemplo, tanto o medo como a coragem são contagiosos. Todo líder pode inspirar valores aos temerosos e fazer deles heróis momentâneos. Pode estimular a moral de uma formação social, converter em ousados ou covardes. Mediante uma intenção sugestão se pode eletrizar a uma massa momentaneamente, induzindo-a a atos que superam sua capacidade normal. Mas, também se pode paralisá-la e convertê-la numa massa que foge em pânico. Só é necessário uma palavra, poucos líderes, para iniciar o contágio mental.
..........Quanto mais jovem e romanticamente inclinada é uma formação social, tanto mais vulnerável é a desintegração e o pânico. É bem sabido que as mulheres e as crianças, devido a sua mais intensa comunicação mutua, são mais suscetíveis ao pânico. Provam isto muitos exemplos de catástrofes em teatros infantis.

O pânico em crianças

..........As crianças que estão passando por sua própria luta pessoal contra a agressão interior e exterior, reagem com enorme ansiedade num mundo tão distinto de seus pacíficos modelos originais. O perigo exterior toma para eles a forma de figuras paternas hostis e punitivas. Algumas crianças assimilam as reações de temor de seus pais. O pânico latente dos adultos fortalece o próprio sentimento de culpa. Por isso é que o “choque” e o pânico nas crianças depende em alto grau do comportamento mais ou menos adequado dos adultos. Durante a guerra, a separação de seus pais foi para a maioria das crianças um trauma maior que as reais experiências bélicas destrutivas. O estado frenético dos pais, a conduta ilógica dos adultos, os afetaram mais que as explosões e os combates em si mesmos. A maioria das crianças, em circunstancias catastróficas, regressa a estados mais infantis; o mutismo, a incontinência urinária, o chupar o dedo reaparecem.
..........Entre as crianças em que se manifestaram as reações de pânico, estas surgiram principalmente, não como reação diante do perigo externo, senão devido a um acréscimo da irritabilidade. Não lhes assustavam as bombas, mas sim, a destruição de um brinquedo ou a perca de uma boneca. Esta emoção pessoal se transmitia rapidamente para outras crianças. Perigos simbólicos os afetavam muito mais do que os perigos reais. De modo que o pânico se apresentava em momentos inesperados. Nos acampamentos infantis nos víamos obrigados a lutar constantemente contra estas pautas de pânico e agressão.
..........Um acampamento na Inglaterra, onde se hospedava as crianças do continente para melhorar seus estado físicos, foi certa vezo cenário de uma agressiva rebelião desse tipo. Ainda que teoricamente houvesse sido possível que caíssem bombas, e eram audíveis as detonações da artilharia anti-aérea, não houve uma manifestação de terror. As crianças estavam habituadas a isto. Porém, numa tarde chegaram alguns funcionários — ministros do gabinete — para inspecionar o acampamento, em grandes automóveis oficiais. Em poucos momentos as crianças de mais idade haviam cercado os carros e atiravam suas forças destrutivas sobre os pneus e as carrocerias. A multidão infantil aumentou e circulou o rumor de que haviam chegado alguns homens de Hitler (os “cucos”), que sempre viajavam nesses enormes automóveis. A rebelião se acalmou prontamente, porém as reações de temor prosseguiram durante longo tempo. Os pneus acabaram irremediavelmente destruídos.
..........Todavia, me persegue um aterrorizante sonho infantil da época da primeira guerra mundial, a imagem de tiros e explosões, de estar perdido num terrível vazio, de viver num mundo sem amor e cheio de angústia. Desde então, o mundo se voltou a envenenar os sonhos infantis.

O medo, a invasão da própria agressão

..........Em algumas reações individuais de pânico podemos observar como a pessoa teme e deseja ao mesmo tempo que se manifestem seus escondidos impulsos. Observei este tipo de medo e repentino arrebatamento de pânico individual, especialmente em soldados em adestramento. Vários dos homens tiveram um temor inicial de usar o rifle. Tremeram, não se atreveram a atirar e manifestaram reações infantis e ansiedade. No dia em que lhes deram balas carregadas, vários soldados se suicidaram. Por detrás de seu temor se ocultava o inconsciente desejo de disparar contra todos os que lhes rodeavam e matá-los. Usar um rifle era para eles um ricos, o risco de deixar solta a sua agressão. Seu medo e sua depressão foram causados pela luta moral interior diante a raiz de seu próprio desejo de matar. Estes soldados já não podia se entender; alguns se negaram aprestar o serviço militar. Minha experiência com opositores de consciência me demonstrou que muitos deles se recusavam a exercer o serviço militar devido a este temor de suas próprias destrutividades reprimidas. É o mesmo terror pânico à agressão que encontramos em tantas neuroses; por exemplo, o medo ao ver uma faca. A faca se transforma num símbolo da luta interior devida a hostilidade. “Quero ser agressivo; podia ser muito agressivo com esta faca; meu sentimento de culpa me proíbe de ser agressivo e olhar a faca”.

Pânico latente

..........Muitos cientistas pensam que só a mentalidade primitiva é suscetível ao contágio psíquico. Sem dúvida, na emocionalmente instável Idade Média, encontramos muitos exemplos de explosões de massa. Pense-se nas Cruzadas cristãs e em epidemias de massa tais como a Grande Coréia, a festa de São Vito e outras formas de histeria coletiva. A vida psíquica da Idade Média está repleta desses delírios coletivos e pânicos contagiosos.
..........Sem dúvida, a civilização moderna não protege o homem contra o contágio psíquico e as reações de pânico. Pelo contrário, muitas técnicas modernas de comunicação aumentam a sensibilidade para eles (cinema, televisão, rádio)
..........Quando o homem reprime momentaneamente as valorizações morais tradicionais, perde seu freio e se torna ao mesmo tempo mais suscetível as sugestões exteriores. O pânico latente resultante é comparável a uma hipertrofia e exaltação emotiva que já não pode limitar-se. Perseguições, motins, linchamentos, todas essas coisas podem ser expressões de temor na multidão que já não tem consciência dos valores morais inibidores. Essa expressão sádica e destruidora da regressão coletiva só é possível, em geral, quando existe um temor latente, um pânico latente.
..........Muitas vezes um pânico latente é criado pela ameaça de um regime de terror e tirania. Primeiro o homem está indefeso, e tolera em silencio o terror e a injustiça. Está paralisado. Em seu desespero só tem a esperança de que o perigo e a dor maiores não o alcançariam, de que outros — estranhos e vizinhos — serão golpeados em seu lugar. Reprime-se a compaixão humana, reprime-se todo sentimento social para a vitima e o perseguido. Os mais temerosos se convertem em covardes oportunistas. Isto aconteceu, por exemplo, durante os primeiros meses da ocupação alemã: um pânico silencioso e uma paralisia mental cobriram a Europa.
..........Nesse pânico latente as pessoas não confessam que estão cheias de temor; querem a ilusão de estar interiormente livre. Elabora-se todo tipo de justificativas e explicações para ocultar o temor e a auto-censura de covardia. As auto-censuras são intoleráveis. Porém, gradualmente chega o momento em que as defesas mentais são suficientemente fortes para enfrentar o perigo com adequada resistência. Gradualmente, também se levanta a resistência exterior contra o inimigo e começam a organizar-se exércitos clandestinos de libertação.

Pânico antecipatório

..........A tensão causada por um perigo misterioso é, todavia mais insuportável que o perigo mesmo. As pessoas odeiam o vazio de uma situação desconhecida. Querem segurança. Até preferem a guerra de que a expectativa insegura de uma guerra, com sua ameaça de ataque surpresa. Esta vaga expectativa temerosa atua na fantasia. Antecipa-se todo tipo de misteriosos perigos; se começa a provocá-los. É a evocação do temor e o perigo para escapar da tensão da insegurança. Freqüentemente a observamos em participantes da Resistência antinazista durante a ocupação. Tornavam-se cada vez mais temerosos em suas estratégias, como se desejando ser capturados. Era como um auto-castigo.
..........Freqüentemente as pessoas preferem uma realidade terrível a uma fantasia de mesma ordem. Não podem suportar a estratégia oculta de um inimigo obscuro. As ousadas façanhas dos resistentes não se deviam sempre a coragem, senão ao desejo perigoso de terminar numa tensão insegura.
..........Comprovamos o mesmo estado de ânimo depois de uma catástrofe, durante a fase de readaptação. Depois do primeiro “choque” há um período de confusão e o desejo de prevenir toda catástrofe subseqüente. Uma despersonalização traumática (confusão e perplexidade com perdas de sentimento de identidade) se estabelece junto com perigosos desejos de iniciar uma luta real contra o destino, não para vencer senão só para desafogar o temor acumulado.
..........Em épocas de tensão, devemos nos acautelar do primeiro disparo!
..........A este pânico antecipatório correspondem toda sorte de hábitos humanos a serviço de uma mobilização precoce das defesas mentais. Há um aumento geral de todo tipo de tabus. Regressa-se a ações mágicas há muito esquecidas, se utiliza animais de estimação, ou se retrocede atrás de estranhas crenças místicas. Durante a continua antecipação do perigo se manifestam toda classe de perturbações psicossomáticas. Surge a busca de mais e mais segurança, por exemplo, tratados e mais tratados de segurança. Aumentam os artigos e discursos sobre a condenação do mundo. No decorrer deste livro espero oferecer vários exemplos do perigo desta contínua mobilização mental.
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