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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

24 de dezembro de 2011

A Iluminação é só o começo



Quando as coisas ordinárias se tornam extraordinárias 
e as coisas extraordinárias se tornam ordinárias, 
então, vislumbrou-se a iluminação.
Lee Lozowick

"Depois de ter subido os cem metros de altura você tem que saltar. Esse é o próximo passo". Afirma Roshi Jakusho Kwong, na terminologia zen clássica. A iluminação, considerada pináculo de toda vida espiritual, bem poderia ser só seu começo. Obviamente que a iluminação, seja ou não a última expressão da vida espiritual, depende completamente de como a iluminação seja definida. Na antiguidade, haviam mestres cuja compreensão da iluminação era tão ampla que incluía uma madura expressão desta iluminação nos detalhes mais pequenos da vida e uma plena abertura para expandir e aprofundar constantemente sua iluminação; porém, quase que sem exceção, na época contemporânea, se considera que a iluminação ocorre quando se transcende a percepção dualista e se acessa uma percepção não-dual, a um estado sem-ego. 

Reggie Ray conta a história de alguém que perguntou a Trungpa Rinpoche:

— O que ocorre quando você se converte em um buda totalmente iluminado? 

— Isso é só o começo — contestou Trungpa Rinpoche.

— O começo de que? 

— O começo da viagem espiritual. 

"As pessoas possuem grandes egos — comenta Roshi Jakusho Kwong — inclusive, acreditam que vislumbrar a vacuidade ou sua primeira realização é o final do caminho. E as pessoas se penduram nessas coisas e acreditam que estão preparados para ensinar. Porém, apenas sabem que não é mais que o começo. Eles tem se convencido de que estão preparados e de que não há nada mais que precisam aprender."

Muitos mestres altamente respeitados, incluindo a Trungpa Rinpoche, Jakusho Kwong e Lee Lozowick, concordam em que o indivíduo nem sequer começa a fazer o trabalho espiritual até que tenha tido uma mudança profunda no contexto e uma realização profunda e permanente da perspectiva não dualista. Ainda que muitas escolas espirituais definam a iluminação como o rompimento da ilusão de dualidade, Lozowick diz que ele não diria que tais indivíduos são iluminados: "Eu diria que eles tocaram o início da iluminação. A menos que a iluminação seja madura, eu não a consideraria iluminação". 

A iluminação é comparada com o jardim da infância do verdadeiro trabalho espiritual. Gilles Farcet faz uma reflexão sobre este princípio revisando o processo de sua própria formação: 

"Quando terminei o secundário e fui aprovado no exame, foi todo um acontecimento! Porém passou rapidamente. Havia sido aprovado. Assim que fui para a universidade e lá estando, pensava: "Seria o máximo ter uma licenciatura". Olhava para os que estavam no terceiro ano e pensava: "Oh! Que emocionante!". Porém, logo obtive minha licenciatura e acabou como algo passado. Assim que decidi obter um mestrado e logo um doutorado, e enquanto estive me doutorando, este se tornou em algo já passado. Teria que seguir com minha carreira. Não podia estacionar os seguintes trinta anos de minha carreira dizendo: "Tenho o doutorado, tenho o doutorado! Sou Gilles, Doutor Gilles Farcet. Por favor, me chame de "doutor". Não, teria que seguir com minha carreira, encontrar um trabalho.

Você não pode permanecer toda vida dizendo: "Oh! Consegui esta mudança de contexto!", ou dizendo de maneira mais sofisticada: "Se o consegui, o eu desapareceu". Há que seguir vivendo e ensinando, e há que demonstrar que produziu-se uma transformação e as consequências na vida diária, na maneira de se relacionar consigo mesmo e com os demais.

Segundo Bernadette Roberts, as primeiras etapas da iluminação se caracterizam por uma grande compreensão e uma grande experiência extática, e proporcionam emoção e grandeza àqueles aspectos do ego  que permanecem se integrar, assim como aos entusiastas seguidores. Sem dúvida, o aprofundamento dessa inicial iluminação no que ela chama "estado unitivo", não pode se expressar dessa maneira sedutora e impressionante. Sugere que é importante distinguir entre a série de experiências e intuições que surgem com a experiência inicial de iluminação, ou "estágio de casulo", e as experiências que surgem como o aspecto da vida de uma mariposa madura. Disse também que se necessita escutar coisas sobre as experiências vitais da mariposa madura, sobre o que ocorre depois de sair do casulo.

Se enquanto saímos nos colocamos a escrever sobre as experiências que nos tem transformado, as publicamos e fazemos circular as boas notícias, a única coisa que fazemos é gerar uma expectativa prematura baseada na novidade do estado... No lugar disso, escutemos a quem tem vivido vinte ou cincoenta anos nesse estado e quem sabe, ouçamos uma história distinta; haverá de dizer algo a respeito do que ocorreu depois. Necessitamos escutar coisas a respeito da vida ordinária de uma mariposa madura.

Pouco depois, escreve: "Até que — e a menos que — a mariposa viva este estado no mundo ordinário, o único que pode nos dizer é como se converteu em mariposa, não pode nos contar a vida de uma mariposa. De fato, até que morra, todos os dados de uma vida de uma mariposa estão incompletos". Alguns caminhos terminam com o emergir da mariposa da mariposa, enquanto que outros caminhos insistem em que este final é só um sinal que marca o começo do caminho.

SEM FINAL

"Este trabalho é constante, de larga duração, interminável — disse Sensei Danan Henry —. Se diz que o Buda se está só no meio do caminho. O Buda está ali em cima no céu tashida, praticando". Não só a iluminação é o começo, senão que não há fim, nunca, em nenhuma parte, para a evolução, o crescimento, a iluminação. Isso oferece uma sóbria contemplação, que pode chegar a ser desencorajadora, para o buscador espiritual médio.

"Oh!, porém, depois da iluminação cada vez é melhor, a medida em que você se expanda até o infinito", disse o aspirante ingenuo e esperançoso. Talvez seja assim, porém, quem tem viajado mais além de onde a maioria tem chego, dizem que o trabalho é cada vez mais exigente, mais desafiante, mais duro. Se bem que é certo que o indivíduo se acha mais preparado para manejar esses grandes desafios, o trabalho aumenta na proporção de sua capacidade de manejá-los.

Sem dúvida alguma, há uma mudança de contexto ou uma "iluminação" inicial, que transforma de maneira irrevogável a perspectiva do indivíduo. O erro está em confundir essa mudança com o final do próprio caminho. Dogen dizia: "Não há começo para a prática nem final na iluminação; não há começo da iluminação, nem final na prática". É impossível encontrar um final da iluminação, pois a purificação segue eterna e simplesmente, assim são as coisas.

Roshi Kwong explica o processo da iluminação  como um círculo que se acha em constante ampliação, porém, sempre voltando a si mesmo.

A iluminação é como um círculo: iluminação, logo desengano, logo de novo iluminação e outra vez desengano. Nos iluminamos mediante o desengano e logo nos desenganamos de nossa iluminação. Então, de novo nos iluminamos por nosso desengano. Não há princípio nem fim. Assim, pois, o adepto, o verdadeiro buscador, sempre continua.


O mestre sufi  Bhai Sahib, falando de Brahma-vidya, o conhecimento de Brahma, dizia: "Milhares e milhares de anos não são suficientes, pois se trata de um processo contínuo... Isto é algo que gosto da vida espiritual: sempre se está começando. Nunca se pode dizer: "Cheguei" e se sentar. Em lugar disso, você vê como o horizonte se expande cada vez mais, como a consciência se expande cada vez mais".


Para alguns, o caráter interminável do caminho é demasiadamente apavorante, demasiadamente difícil. Sem dúvida, para outros, é uma boa notícia, como sugere Robert Ennis. Se bem que "sem final" significa que não há descanso para o viajante fatigado, também quer dizer que não há limitações, nunca, nem se quer a limitação da iluminação.

Como disse Roshi Kwong: "Enquanto tenhamos uma mente e um corpo, a iluminação contínua. Não há lugar para o descanso". A vida segue, e o mesmo acontece com o trabalho do iluminado. Não há final da iluminação, pois o potencial de aprofundamento e de entrega a Deus ou a Realidade é verdadeiramente infinito.

Mariana Caplan - A Metade do Caminho - A Falácia da Iluminação Prematura - Editora Kairós
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