Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

30 de abril de 2011

Religião

Todas as religiões - não importa de que país elas vêm - o que elas ensinam é falso. Porque não é real. Isso é falsificação do você.
 
Uppaluri Gopala Krishnamurti
 
 

Desprendimento...

Abnegação é um grande grande mito. Qualquer coisa que você faça, qualquer movimento em qualquer direção, em qualquer nível é o fortalecimento do self.
 
Uppaluri Gopala Krishnamurti

Constatações

‎"Quando todos pensam igual é porque ninguém está pensando."

Walter Lippman

29 de abril de 2011

Os Saltimbancos

Uma vida saudável, psíquica e organicamente salutar, que ofereça condições favoráveis à sanidade, deve transcorrer sem sobressaltos. De forma espontânea e natural.

Quando ficamos emocionalmente sobressaltados por algum acontecimento, algo não está bem. Pois o fato de um acontecimento gerar abalo emocional demonstra quão identificados estamos com questões exteriores. Se eu acredito ser parte de um problema, se me deixo envolver, estou me identificando nele e isto pode me abalar. É isto que transfere todo o transtorno e distúrbio, localizados fora, para dentro. Abalado, alimento a discórdia e acrescento mais distúrbio ao transtorno.

Isto se deve ao meu grande ímpeto por dar um bom destino ao que eu considero excesso de energia em mim. É quando, então, me comporto feito um saltimbanco tentando levar um pouco de graça à desgraça.

Fazendo atualizações a cada instante, a cada segundo, do meu estado de ser, do meu estado de espírito, detecto a autossuficiência. Porém, isto me parece tão simples, tão fácil, tão imediato que chega a ser inacreditável. Tão inacreditável que ouso me envolver e me abalar com distúrbios que não são meus.


Liban Raach

Descubra seu próprio caminho, rejeitando todos os outros ....

 O caminho tem que ser seu. Eu não quero usar a expressão «caminho», porque tem mística [tons] .... "Meu" caminho, caminho de Ramakrishna, o caminho de Jesus, ou Buda - todos eles são inúteis. Ninguém pode vir a este a menos ou até que todos os outros caminhos são rejeitados. Em seguida, ele se torna seu próprio caminho. Assim, somente se você rejeitar todos os outros caminhos que você pode descobrir seu próprio caminho.
Uppaluri Gopala Krishnamurti

Necessidades Básicas...

Alimentos, roupas e abrigo - são as necessidades básicas. Além disso, se você quiser alguma coisa, é o início do auto-engano.
 
Uppaluri Gopala Krishnamurti

Os lampejos da verdade


O que mais tememos: os lampejos da verdade que afastam de vez as grossas nuvens negras de mentira que contamos a nós mesmos - depois aos outros - e com as quais, encobrimos nossa triste realidade, sempre mascarada de branca alegria.

Nelson Jonas

28 de abril de 2011

Sobre a informação que temos

Jornalismo
"A informação que temos não é a que desejamos. A informação que desejamos não é a que precisamos. A informação que precisamos não está disponível”
John Peers

“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

Tralala e o ato de profanar

"Hoje é preciso ter orgulho da marginalidade, porque é escandaloso viver bem"
Paulina Nólibos

Profanar é crime a muito tempo nas regiões de domínio religioso patriarcal, que é quase a totalidade do ocidente, onde impera a cristolatria .

Eu sou um profanador, minha atitude de vender um zine e divulgar a contracultura me dá essa liberdade, é um poder de restituição do indivíduo, não aceitando a subjugação das instituições em detrimento da liberdade individual. Vale muito mais um ato de loucura de um cidadão vociferando aos quatro ventos, do que toda a falsa participação coletiva.

Minha profanação é uma intervenção urbana, uma guerrilha poética, um relógio com náuseas, por isso o verbo vomitado, narrativa meio palhaço sem mascara, que desbloqueia através dos sorrisos, intervenção DVTniana que nada mais é do que uma ponte que grita nos dois lados de nossa percepção, dizendo que podemos sair da esfera do espetáculo e gerar recursos. “Meus pêsames, estamos em extinção”. Uma frase que profana toda a civilização ocidental, e chama a reflexão. Esse trabalho é feito em cima da experiência política e poética do zine Tralala, uma contínua profanação a essa estrutura patriarcal, das crenças e do estado mercantil empresarial que domina nossa humanidade a pelo menos 10.000 anos, que é o tempo de nossa queda.

O corpo em nossa civilização é mero coadjuvante do raciocínio. Platão fechou bem esse conceito. Este corpo que é profano por natureza, tem sua repressão datada de quando os algozes do poder suprimiram a sexualidade em favor da produção, fomentando a moral e nos enjaulando em uma couraça de angustia, de símbolos e depressão. Esse corpo que resgatamos quando não estamos na produção sistêmica, esses poucos momento que sobram não resgatam 1% de toda a atividade corporal através dos tempos, e que estão gravados nos instintos, e que são permanentemente sufocados pelas organizações estruturais econômicas. Jeito de pensar comum da cultura ocidental, adquirida pela privação, pelos ordeiros de plantão, sem falar da morte de um “deus”, que com essa mentira, depositaram o peso do seu corpo em nossas costas eternas.

Saindo da esfera do espetáculo e gerando recursos, coloco-me como um profanador, atitude que assumo no dia a dia, como uma pesquisa viva de criação. O DVT – discurso viabilizador do tralala – é isso e mais um pouco, é uma descoberta no território das ruas de que a consciência dilatada pela procura dos tempos, e também dos espaços, trazem uma certa independência com uma autentica peculiaridade. É como um resgate de um jogo que se perdeu na esfera da religião capitalista, que condicionou todos os nossos sentidos em obediência voluntária. Por isso quanto mais tempo tiver sua desilusão, mais experiência, resistência e criação terá suas atitudes.

O que a história oficial cria é uma esquizofrenia, um mostrar e reter, seduzir e negar, interromper. Isso movimenta a economia. Uma pessoa frustrada consome muito mais do que uma pessoa completa em si. De uma coisa estou certo, tememos muito mais do que acreditamos, e com o medo você não lhe pertence, e não lhe pertencendo trabalha pros outros. Isso é a grande invenção manipuladora civilizatória. A escassez que movimenta o sistema.

A invenção da religião talvez seja o fato mais condicionante até hoje. O alto grau de amplitude do seu poder vai transmigrando e hoje é na ciência que ela opera, reconvertendo a mentira divina em abstração organizada. Por isso toda a profanação é saudável em sua amplidão.

De uma coisa estou certo, o marginal contém um alto grau de criatividade, e a gambiarra é uma arma autentica das nossas necessidades.

Postado por Luca Leicam em 23 de dezembro de 2010

Planto - Rancore



Planto
Rancore
Vai ai ai ai
Mostra quem é.
Quem é você?
Seus atos dirão.
Purifica a alma
Pago o que quer, desenveneno a mente
A inocência de ontem morreu
E eu sigo em frente, vou pra ver no que dá
Lavo a minha alma, faço a mala
E me despeço daquilo que fui
Planto o que virá crescer
Então vai, desliza no ar pra me dizer:
"Nada voltará, nada voltará"
Sigo em frente, vou pra ver no que vai dá
Lavo a minha alma, faço a mala
E me despeço daquilo que fui
Planto o que virá crescer
Planto o que virá crescer!
Sigo em frente
Planto o que virá crescer
Mostra quem é, vence a batalha pra qual se desafiou

BIG BROTHER BRASIL

BIG BROTHER BRASIL

Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão ‘fuleiro’
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, ‘zé-ninguém’
Um escravo da ilusão.

Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme ‘armadilha’.

Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.

O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.

Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.

Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação..

Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dar muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.

Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério – não banal.

Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.

A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os “heróis” protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.

Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.

Talvez haja objetivo
“professor”, Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.

Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.

É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos “belos” na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.

Se a intenção da Globo
É de nos “emburrecer”
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.

A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.

E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.

E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.

E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.

A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.

Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.

Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?

Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal…
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal…


Autor: Antonio Barreto,
Cordelista natural de Santa Bárbara-BA,
residente em Salvador.
Salvador, 16 de janeiro de 2011.
Texto recebido por e-mail

Libertação

 Libertação significa a extinção total. Isso significa a extinção de 'você' como você conhece a si mesmo e como você se experiência. Por que alguém desejaria uma coisa dessas?
 
Uppaluri Gopala Krishnamurti

A mente trivial

Uma mente apaixonada que sonda, busca, que se abre, que jamais se afirma em si mesma, que não aceita tradição alguma, uma mente jovem, como pode surgir à existência? É indispensável que isso ocorra. (É óbvio que uma mente trivial não pode trabalhar nisso. Uma mente trivial que trata de tornar-se apaixonada, tão somente reduzirá tudo a sua própria trivialidade). Isso deve ocorrer, pois, e pode ocorrer somente quando a mente vê sua trivialidade e, sem dúvida, não tenta fazer nada a respeito. Me expresso com clareza? Provavelmente não. Porém, como disse antes, qualquer mente limitada, por veemente que seja, seguirá sendo trivial. Isso é evidente, por certo. Uma mente pequena, ainda que possa ir a Lua, ainda que possa adquirir uma técnica, ainda que possa argumentar e defender-se com habilidade, é uma mente pequena. Portanto, quando a mente pequena diz: “Devo ser apaixonada para fazer algo que valha a pena”, sua paixão será, sem dúvida, muito insignificante, não é assim? Como se encolerizar diante de uma pequena injustiça, ou pensar que todo mundo está mudando por obra de alguma trivialidade, de pequena reforma que, numa insignificante aldeia sem importância, tenha feito uma mente insignificante e sem importância. Se a mente pequena vê tudo isso, então a mesma percepção de que é pequena faz com que toda sua atividade experimente uma mudança.

OCK - Vol. XI

Autor: Krishnamurti - O Livro da Vida

27 de abril de 2011

Arte, Beleza e Criação

Poder Criativo
Quase todos nós estamos sempre procurando fugir de nós mesmos e, como a arte oferece um meio fácil e respeitável  de  o  fazermos, tem  ela  papel  importante na vida de muitas pessoas. No desejo de auto-esquecimento, alguns se voltam para a arte, outros dão para beber, e outros mais se põem a seguir misteriosas e fantásticas doutrinas religiosas.

Quando, consciente ou inconscientemente, utilizamos alguma coisa para fugirmos de nós  mesmos, tomamo-nos de paixão por ela. Dependermos de uma pessoa, de uma poesia ou do que quer que seja, como meio de alívio das nossas preocupações e ansiedades, embora possa momentaneamente enriquecer-nos,  só cria mais conflito e mais contradição em nossas vidas.

Não pode haver estado criador onde há conflito, e a educação correta deve, por conseguinte, ajudar o indivíduo a enfrentar seus problemas e a não glorificar os meios de fuga; deve ajudá-lo a compreender e a eliminar o conflito, porque só então pode manifestar-se o estado de criação.

Divorciada da vida, a arte não tem muito sentido. Quando a arte está separada do nosso viver de cada dia, quando existe um vazio entre nossa vida instintiva e nossas produções na tela, no mármore, ou em palavras, a arte se torna simples expressão do desejo superficial de fugir à realidade do que é. É dificílimo eliminar esse vazio, sobretudo para os que são talentosos e tecnicamente proficientes, mas só depois de eliminado nossa vida se torna integrada e a arte uma expressão integral de nós mesmos.

A mente tem o poder de criar  ilusões; procurar inspiração, sem  compreender suas  tendências é provocar ilusões. Vem-nos a inspiração quando a ela estamos abertos, e não quando a buscamos. Tentar conseguir a inspiração mediante qualquer espécie de estímulo, leva a ilusões de todo gênero.

A menos que estejamos perfeitamente cônscios do significado da existência, a capacidade e o talento dão realce e importância ao "eu" e às ânsias. Tendem a tornar o indivíduo egocêntrico e propenso à separação; a faze-lo sentir-se uma entidade distinta, um ente superior, o que gera muitos males e causa lutas e sofrimentos intermináveis. O "eu" é um feixe de muitas entidades, cada uma delas oposta a todas as outras. É um campo de batalha de desejos encontrados, um centro de luta constante entre o "meu" e o "não meu"; e, enquanto dermos importância ao "eu", a "mim", ao "meu", haverá crescente conflito dentro de nós e no mundo.

O verdadeiro artista está acima da vaidade e das ambições do "eu". Quando o indivíduo possui brilhante capacidade de expressão, e ao mesmo tempo está enredado nos interesses mundanos, isso tende a tornar-lhe a vida cheia de contradições e de lutas. O louvor e a adulação, quando lhes atribui muita importância, enchem de vento o "ego" e destroem a receptividade; e o culto do bom êxito, em qualquer terreno, é evidentemente prejudicial à inteligência.

Toda tendência ou talento que concorra para o isolamento, toda espécie de auto-identificação, por mais estimulante que seja, desfigura a expressão da sensibilidade e produz o embotamento. Embota-se a sensibilidade quando o talento se torna "pessoal", quando se atribui importância ao "eu" e ao "meu"  -  EU pinto, EU escrevo, EU invento. Só quando estamos cônscios de cada movimento de nossos pensamentos e sentimentos em nossas relações com pessoas, com coisas e com a natureza, só então a mente está aberta e flexível, não vinculada a desejos e interesses de auto-proteção, só então há sensibilidade para o feio e para o belo, não perturbada pelo "eu".

A sensibilidade ao belo e ao feio não é efeito de apego; surge com o amor, quando não há mais conflitos gerados pelo "eu". Quando somos interiormente pobres, deleitamo-nos com todas as formas de ostentação exterior, com a riqueza, com o poder, com os bens materiais. Quando estão vazios nossos corações, colecionamos coisas. Se temos recursos, rodeamo-nos de objetos que consideramos belos, e porque a eles ligamos desmedida importância, somos responsáveis por  muitos sofrimentos e destruições.
O espírito de aquisição não significa amor ao belo; resulta do desejo de segurança, e estar em segurança é ser insensível. O desejo de estar em segurança gera temor, põe em funcionamento um processo de isolamento que constrói muralhas de resistência em torno de nós, muralhas que impedem toda sensibilidade. Por mais belo que seja, um objeto depressa perde a sua atração sobre nós; acostumamos a ele, e o que era um deleite se torna uma coisa vazia e monótona. A beleza continua a existir nele, mas já não estamos abertos para ela, que foi absorvida na monotonia da nossa existência cotidiana.

Visto que nossos corações estão mirrados e já nos esquecemos de como ser bondosos, como contemplar as estrelas, as árvores, os reflexos na água, necessitamos do estímulo dos quadros e das jóias, dos livros e dos divertimentos constantes. Estamos sempre em busca de novas excitações, novas sensações; ansiamos por uma variedade cada vez maior de sensações; ansiamos por uma variedade cada vez maior de sensações. É essa ânsia e sua satisfação que tornam a mente e o coração cansados e insensíveis. Enquanto estamos em busca de sensação, as coisas que chamamos belas e feias só tem sentido muito superficial. Só há alegria perene quando somos capazes de apreciar todas as coisas sempre de maneira nova - o que não é possível enquanto estivermos agrilhoados pelos nossos desejos. A ânsia de sensação e satisfação impede que se experimente aquilo que é sempre novo. Podem comprar sensações, mas  não pode comprar o amor e a beleza.

Quando estivermos cônscios do vazio das nossas mentes e corações e não fugirmos desse vazio para qualquer gênero de estímulo ou sensação, quando estivermos completamente abertos, e muito sensíveis, só então haverá criação, só então encontraremos a alegria criadora. O cultivo do exterior, sem compreensão do interior, tem de formar, inevitavelmente, aqueles valores que levam os homens à destruição a ao sofrimento.

Aprender uma técnica poderá proporcionar-nos um emprego, mas não nos faz criadores, ao passo que, se há alegria, se há o fogo criador, isso encontrará uma forma de expressar-se e não temos necessidade de estudar nenhum método de expressão. Quando deveras desejamos escrever um poema, escrevemos, e se possuímos a respectiva técnica, tanto melhor; mas, por que dar importância aquilo que é apenas um meio de comunicação, se nada temos para dizer? Quando existe amor em nossos corações, não procuramos uma forma de alinhar palavras.

Os grandes artistas e os grandes escritores podem ser criadores, mas nós não somos; somos meros espectadores. Lemos enormes quantidades de livros, ouvimos música excelente, contemplamos obras de arte, mas nunca experimentamos diretamente o sublime; nossa experiência depende sempre de um poema, de um quadro de personalidade de um santo. Para podermos cantar, devemos ter uma canção em nossos corações; mas, como perdemos a canção, seguimos o cantor. Sem um intermediário, sentimo-nos perdidos; mas devemos estar perdidos para poder descobrir alguma coisa. Descobrir é começar a criar, e sem ação criadora, não importa o que façamos, nunca haverá paz e nem felicidade para  o homem.

Supomos que poderemos viver felizes, criadoramente, aprendendo um método, uma técnica, um estilo; mas a felicidade criadora só pode vir quando há riqueza interior, nunca pode ser alcançada por meio de sistema algum. O aperfeiçoamento pessoal, que é outra maneira de garantir a segurança do "eu" e do "meu", não é atividade criadora e nem significa amor à beleza. Só existe criação quando há vigilância constante das tendências da mente e dos obstáculos que ela criou para si própria.

A liberdade de criar surge com o auto-conhecimento, mas o auto-conhecimento não é um dom. Pode-se ser criador sem possuir nenhum talento especial. A criação é um "estado de ser" do qual estão ausentes os conflitos e as aflições do "eu", estado em que a mente não está toda ocupada com as exigência e lutas do desejo.

Ser criador não significa apenas produzir poemas, ou estátuas, ou filhos; é achar-se naquele estado em que a verdade pode manifestar-se. Surge a verdade quando o pensamento se imobilizou de todo e o pensamento só pode cessar quando o "eu" está ausente, quando a mente cessou de criar, isto é, quando já não está empenhada na perseguição dos seus próprios alvos. Quando a mente está de todo tranquila - sem ter sido forçada ou exercitada para a tranquilidade - quando está em silencio porque o "eu" se tornou inativo, então, há criação.

O amor à beleza pode expressar-se numa canção, num sorriso, ou  no silêncio, mas, em geral, não temos inclinação para o silêncio. Não temos tempo para observar os pássaros, as nuvens que passam, porque andamos muito ocupados com a perseguição dos nossos objetivo e com nossos prazeres. Se não existe beleza em nossos corações, como podemos ajudar os jovens a serem vigilantes e sensíveis? Procuramos ser sensíveis à beleza e evitar o feio; mas evitar o feio, produz insensibilidade. Se desejamos desenvolver a sensibilidade dos jovens, devemos nós mesmos ser sensíveis ao belo e ao feio, e aproveitar todas as oportunidades de despertar neles a alegria que e encontra no ver não apenas a beleza criada pelo homem, mas também a beleza da natureza.

Krishnamurti - A educação e o significado da vida

Esconde-esconde




Com exceção dos sensitivos, é impossível adivinhar o que o outro está pensando. Portanto, o que passa em nossos pensamentos fica às escondidas.

Passei anos temendo ser recriminado pelos meus pensamentos, sem que contivessem algo de anti-natural ou de pecaminoso neles.Temendo olhares fixos por acreditar que pudessem ler meus pensamentos. Refém desta crença e deste medo, os melhores anos de minha vida se passaram – os da minha juventude – sem que houvesse uma participação mais integral do meu Ser nas minhas deliberações.

Daí, nenhuma deliberação vingava. Nenhuma obtinha resultados satisfatórios. Os resultados sempre ficavam aquém das expectativas. Pois tanto as expectativas quanto as deliberações estavam ‘viciadas’. Permitam-me explicar: estavam inseridas em um contexto vicioso, quais sejam o medo e as crenças escravas.

Entretanto, aos poucos percebia que a mente funcionava como mero veículo. Quanto mais eu me acreditava dono do conteúdo da minha mente, menos propriedade eu tinha sobre a dinâmica das emoções despertadas. Aquilo que muito ouvimos, lemos, vemos e assistimos acaba por transformar o que somos; ou melhor, transforma-nos no que não somos e acaba com o que somos.

A mente é uma antena ultra-sensível de rádio-TV embutida, por onde captamos toda espécie de ondas cerebrais emitidas, mesmo pelo mais longínquo dos habitantes da face terrestre, mesmo no mais profundo esconderijo. Por isso, fica difícil determinar o proprietário de uma ideia. Este tipo de onda é emitido por cada um dos habitantes da Terra incessantemente. Pode-se imaginar quão turbulenta é a dimensão onde transitam estas ondas, pois, de acordo com as últimas estatísticas, somos quase sete bilhões de habitantes neste Globo. Ainda que exista uma espécie de sintonizador inerente, inato, a cada um, servindo como proteção natural contra pensamentos mórbidos, ocorre, em nossos dias, um sobrepeso no grau de morbidez dos pensamentos, causado pelos fartos meios contemporâneos de multiplicação do teor mórbido em nome do avassalamento das vontades pessoais, em nome da continuidade do ‘establishment’, do ‘status quo’ !

Como podemos nos imunizar contra a interferência ruidosa – às vezes, ensurdecedora – destas ondas mentais?

Quanto mais afastados dos centros de alta densidade demográfica e quanto mais cercados por paisagens da natureza, melhores condições ambientais reunimos em favor desta imunidade.

Mas se somos obrigados a habitar em centros de alta densidade demográfica, qual alternativa nos resta? É necessário que cada um tenha a convicção de ser capaz de criar condições ‘in loco’ para ser uma ilha saudável isolada das tentativas de ser influenciado. Afastada deste jogo malsão de esconde-esconde. Porque há isolamentos que podem trazer malefícios. E há os isolamentos que trazem a companhia de outras ilhas, formando um vultoso e prolífero arquipélago.

Liban Raach

Divagações num vagão do Metrô

Metrô
Metrô, por NJRO

16h12m de um dia nublado de outono. Bate o vazio e com ele uma vontade de fazer sem o saber o que. É uma ânsia pelo desconhecido, uma vez que, o que me é conhecido, causa-me fastio. É uma sensação de falta, de incompletude. É uma forte vontade de liberdade de mim mesmo.

Peguei um dos novos trens do Metrô. A temperatura do ar condicionado gela as orelhas e a cabeça raspada. Deixo a caneta solta sobre o pequeno bloco de apontamentos, feito com papel reciclado, a espera dos sentimentos a serem materializados em palavras.

Observo as pessoas desconhecidas, absortas em seus pensamentos. Tento imaginar como serão suas vidas, no que pensam e o que agora sentem. A quentura no peito, com aquela benfazeja sensação de Presença parece querer chegar de mansinho... Aviso falso.

Na porta esquerda, parado, um soldado da Polícia Militar; seu olhar se faz tenso, carregado, diante do meu observar. Nisso, um grupo de adolescentes, com suas vozes altas rompem o solitário silêncio do vagão. Seus assuntos são bem infantis. Duas delas, com sacos de pipocas doces, as engolem em bocados apressados, sem o tempo necessário para o saborear. Não devem ter mais que dezesseis anos e parecem disputar suas certezas. Duas também são as que já apresentam os cabelos descoloridos num loiro desigual. Todas fazem uso de muita gíria e soa bastante estranho vê-las se comunicando com frases iniciadas por “e aí mano”... “então cara”...

Agora faltam duas estações para chegar ao meu destino. Em meio ao meu solitário Vergueiro, desço no Paraíso, ansioso por um momento de Augusta Consolação.

Nelson Jonas

Filme - Surplus


Surplus
(Surplus: Terrorized Into Being Consumers, 2003)
Direção: Erik Gandini
Roteiro: Erik Gandini
Gênero: Documentário
Origem: Suécia
Duração: 54 minutos
Tipo: Média-metragem



O filme Surplus criado por Erik Gandini faz uma crítica ao consumismo e ao grande problema social e econômico produzido pela sociedade capitalista, faz uma comparação a países pobres e países ricos, mostrando o isolamento do rapaz Sueco com a sociedade consumista, um milionário que gasta seu dinheiro de forma leviana, e também mostra uma garota cubana que tem um desejo insaciável por este consumismo, como ficou encantada com um big mac e ao mesmo tempo com a diversidade que a mídia nos oferece, dizia o quanto achou maravilhoso o fato de poder comer e ao mesmo tempo trocar os canais da televisão, assim formando um conjunto de idéias e crenças do consumidor, fazendo-os acreditar que a felicidade está no consumismo.

A televisão, ou seja, a mídia é também algo persistente no filme a forma com que o capitalismo controla e manipula os cidadãos contemporâneos, enfatiza a indução para o consumismo, algo que fique na mente do telespectador “compre mais, gaste mais, compre no McDonald’s, tome coca-cola, assista a Mtv”, a mídia é um sistema problemático com a cultura, é um meio que transmite excessos de informações o tempo todo, em surplus fica claro a idéia da robotização da sociedade que é afetada diretamente pela mídia.

Uma cena interessante ressaltar também é a produção de bonecos de silicone, para satisfação e prazer, também fica de forma bem explicita que o humano é substituível por um produto criado por ele próprio.
Surplus nos colocam a pensar sobre o processo de globalização com suas imposições ao mundo atual, ao assistir o filme, nos sentimos desconfortáveis com todas aquelas cenas e brincadeiras feitas como uma mixagem das falas, movimentos e expressões, fazendo com que a idéia fixe em nossas mentes.

O filme Surplus une um conjunto de idéias similar ao da escola teórica de Frankfurt, que tem como conceito o ser humano unidimensional, acreditando que a indústria cultural padroniza os produtos para vender, fazendo com que os consumidores também sejam padronizados. A indústria produz enormes quantidades de um único produto, logo várias pessoas compram deste mesmo produto. A mesma coisa com a mídia, em apenas trinta segundos numa propaganda que induz o individuo a comprar, gastar, consumir etc, várias pessoas estão tendo acesso àquela mesma informação, o que direciona a manipulação da consciência das massas, e conseqüentemente atinge a cultura padronizando e moldando- as para fazer parte dos padrões da sociedade consumidora.

No filme retrata bem esse processo de massificação, na criação dos produtos, na forma usada para induzir o consumidor a gastar sempre mais, apontam produtos dos quais não existem motivos de ser consumido, mas através de propagandas, o consumidor sente a necessidade de tê-lo para suprir um desejo que foi criado através da própria mídia. E é exatamente isso que Marx ressalta como o ser humano pode ser moldado, e transformado em máquinas.

Esse consumismo está crescendo cada vez mais, mas porque a sociedade se submete a trabalhar mais e ser manipulada, pois quando se submetem a trabalhar mais tempo as vezes ganham um pouco mais, logo o consumismo está sempre aumentando.

Tudo isto funciona como um grande circulo, que o ser humano sem perceber se coloca apto, o indivíduo trabalha, recebe seu salário, se deixa levar pela mídia, consome, e se dispõem a trabalhar mais para alimentar este vício que é o consumismo.


Somos todos ateus com os deuses dos outros

"Somos todos ateus com os deuses dos outros"

O preconceito só existe enquanto se vê o outro como inferior. Apontar as semelhanças que temos, portanto, é um meio eficaz de destruir essa lógica. A peça mostra de maneira clara que ateus e monoteístas compartilham da mesma descrença com relação à imensa parte dos deuses, e divergem somente a respeito de um deles. Quando um teísta percebe que também enxerga quase todas as divindades como mitos, ele pode com mais facilidade se colocar no lugar de um ateu, e vê-lo como igual. Ao mesmo tempo, o contexto do anúncio coloca todos os deuses em pé de igualdade, sugerindo que todos eles são criações humanas.
"Religião não define caráter"

Os grupos que são vítimas de preconceito sempre sofreram com a afirmação de que são imorais: é o caso de mulheres, negros, homossexuais, e particularmente forte no caso de ateus. A palavra "ímpio", por exemplo, significa tanto "ateu" como "cruel" ou "que ofende os pais, a moral, a justiça" - assim como, no vocabulário do racista, "de preto" é sinônimo de ruim. Reza o preconceito que religiosidade significa bondade e ateísmo significa maldade. O anúncio pretende apontar como ambos os estereótipos são falsos.

"A fé não dá respostas. Só impede perguntas."

Essa mensagem contém mais do que parece à primeira vista. É a única em que a crítica ao pensamento religioso parece estar em primeiro plano, o que é reforçado pela imagem sugerindo que a fé é uma prisão. Mas a frase se opõe ao preconceito que emana da fé. Ele é reforçado diariamente nas igrejas com as declarações de padres e pastores, cardeais e papas. A nova versão internacional da bíblia contém 298 versículos citando a palavra ímpio, mostrando que é um assunto recorrente. Ali os ateus são descritos como a epítome da maldade e naturalmente todos são instados a se afastarem deles. É por fé que os religiosos sustentam a veracidade desses textos, e é por fé que reproduzem esses comportamentos. Portanto, a crítica à fé é condição necessária para desmontar o preconceito que ela alimenta. É a fé que impede perguntas fundamentais como "meu livro sagrado descreve os ateus como maus; isso será mesmo verdade?"

"Se deus existe, tudo é permitido"

A frase é uma contraposição à ideia muito popular de que a moralidade é impossível, inexistente ou sem sentido em um mundo sem divindades. Conjugada à imagem, ela aponta que a existência de divindades não cria automaticamente uma moral absoluta porque, assim como existe uma infinidade de deuses, vários deles "únicos", cada um deles vem com seu próprio sistema moral absoluto - e são todos diferentes entre si. Mesmo entre os que concordam com a existência de um mesmo deus, existe enorme multiplicidade de interpretações sobre o que é moral ou não.
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As mensagens acima, fazem parte de um pacote publicitário, implementado pela ATEA (Associação Brasileira de Ateus Agnósticos) - foi lançada na segunda semana de dezembro/2010, seguindo exemplo de alguns países de Europa, como Inglaterra, Itália e Espanha.

O objetivo, era atingir pessoas de segmentos populares, para tanto, o veículo de divulgação escolhido, foram os onibus das capitais: Salvador, São Paulo e Porto Alegre, durante 30 dias, porém, como vivemos num "país laico" - ou seja, uma país, onde o Estado é completamente desvinculado de religiões, os contratos firmados com as respectivas empresas de onibus, foram rompidos, primeiro em São Paulo, depois em Salvador e por último em Porto Alegre.

As empresas publicitárias recuaram, sob alegação de que "as referidas mensagens poderiam vilolar dispositivos das leis de publicidade", portanto, acabariam sofrendo punições.

Daniel Sottomaior, presidente da entidade que reúne os ateus brasileiros, ATEA, declarou que o recuo das empresas em publicar os anúncios, já demonstra o preconceito. Ele afirmou ainda que as peças publicitárias não vai na linha de ofensa a nenhuma religião. O intuito da campanha era tão somente no sentido de chamar a atenção da sociedade e tirar os ateus da invisibilidade.

Continua Sotomaior: "Somos cerca de 2% dos brasileiros ou 4 milhões de ateus. Mas muitos têm medo de se exporem devido ao preconceito de amigos, chefes e familiares. Isso tem que acabar!"

Para saber mais, visite o site: http://www.atea.org.br/

Publicada por Paulo Cavalcanti em Terça-feira, Fevereiro 15, 2011 em seu Blog:
http://bogdopaulinho.blogspot.com/

Desobediência: Virtude Original do Homem

veddenta

Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes - e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela e agora começam a percebê-lo. Quanto ao descontentamento, qualquer homem que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e o baixo nível de vida que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem. O progresso é uma conseqüência da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem econômicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar ou fazer greve - o que para muitos é uma forma de roubo.

Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas é melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente, rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira personalidade e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele representará uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos, devemos ter pena deles mas jamais admirá-los. Eles entraram num acordo particular com o inimigo e venderam os seus direitos por um preço muito baixo. Devem ser também extraordinariamente estúpidos. Posso entender um homem que aceita as leis que protegem a propriedade privada e admita que ela seja acumulada enquanto for capaz de realizar alguma forma de atividade intelectual sob tais condições. Mas não consigo entender como alguém que tem uma vida medonha graças a essas leis possa ainda concordar com a sua continuidade.

Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência do seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas. O que os patrões dizem sobre os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoas intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade totalmente satisfeito com a situação em que vivem e semeiam o descontentamento nele. É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da escravatura na América não foi uma conseqüência da ação direta dos escravos nem uma expressão do seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças a conduta totalmente ilegal de agitadores vindos de Boston e de outros lugares, que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação direta com o problema. Foram eles, sem dúvida, que começaram tudo. É curioso lembrar que dos próprios escravos eles recebiam pouquíssima ajuda material e quase nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos descobriram que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome livremente, muitos lamentaram amargamente a nova situação. Para o pensador, o fato mais trágico da revolução francesa não foi o de que Maria Antonieta tenha sido morta por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendée tivessem concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.

Por Oscar Wilde
Extraído da Obra "A Alma do Homem Sob o Socialismo", de 1891

Há música dentro de nós?

Deus lhe pague

Eu tinha visto coisas demais suspeitas para estar feliz. Eu sabia demais e não sabia o suficiente. O que é pior é que a gente fica pensando como que no dia seguinte vai encontrar força suficiente para continuar a fazer o que fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que encontraremos força para essas providências imbecis, esses mil projetos que não levam a nada, essas tentativas de sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para que a gente se convença uma vez mais que o destino é invencível, que é preciso cair bem embaixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre mais precário, mais sórdido. É a idade também que está chegando talvez, a traidora, e nos ameaça com o pior. Já não temos música dentro de nós para fazer a vida dançar, é isso. Toda a juventude já foi morrer no fim do mundo no silêncio de verdade. E aonde ir lá fora, pergunto a vocês, quando não temos mais em nós a soma suficiente de delírio? A verdade é uma agonia que não acaba. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher, morrer ou mentir.

Louis-Ferdinand Céline

Louis-Ferdinand Céline, pseudônimo de Louis-Ferdinand Destouches, também conhecido simplesmente como Céline (Coubervoie, 27 de maio de 1894 - 1 de julho de 1961), foi escritor e médico francês.

O bom consumidor





Você é um indivíduo. Mas você também é membro de uma comunidade global. Mais importante de tudo: você é um consumidor. Como membro dessa comunidade, é seu dever consumir. Por quê? Porque o sistema iria cair se você parasse de gastar e as consequencias seriam horríveis. O sistema que dirige seu país depende de que você seja um bom consumidor. Este filme mostrará como.

O bom consumidor

O bom consumidor está sempre comprando novos produtos. Quando ele não está comprando, ele está trabalhando duro, ganhando dinheiro para que ele possa financiar consumo futuro. Lembre-se, a regra de ouro do consumo é se concentrar em comprar as coisas que você quer ao invés das coisas que você realmente precisa. E há muita organização trabalhando duro para garantir que sua lista de compras esteja cheia. 

Moda

O bom consumidor segue a moda. A moda está sempre mudando e o consumidor deve mudar com ela. A moda é importante porque lhe diz quando substituir produtos ultrapassados por novos. Mais comumente, essas mudanças ocorrem na virada de cada estação. Leia revistas e jornais regularmente, elas lhe manterão informado das novas tendências e lhe ajudarão a escolher quais novos produtos são melhores.  As celebridades estão estabelecendo a moda de amanhã, preste atenção no que elas dizem. 

Homem, é aceitável para você seguir a moda também. Não fique envergonhado de seguir as mesmas rotinas que sua parceira. Você sabe quando você falha em seguir a moda porque você começa a se sentir deslocado, você começa a se sentir como se não mais se encaixasse. As consequencias disso podem ser devastadoras. Não só para a economia, mas para o seu próprio bem. O bom consumidor evita sair da moda a todo custo.

LEMBRE-SE 
SIGA A MODA

As marcas são suas amigas. Elas são fábricas trabalhando o dia inteiro para garantir que as lojas fiquem cheias de coisas para você comprar. As marcas são tão eficientes que as escolhas são sem fim. Escolha é bom, mas se você achar a escolha confusa, você pode confiar nas suas marcas favoritas para fazerem a escolha por você... Elas sabem o que é melhor. Você pode retribuir com suas marcas anunciando seus logos no seu peito.

LEMBRE-SE
CONFIE NAS
MARCAS

Hábitos do bom consumidor

O bom consumidor não espera para substituir suas posses quando elas se desgastam. Ele melhora na primeira oportunidade que lhe for dada. Nunca tenta reparar coisas quando elas quebram... Compre novas versões ao invés disso. 

O bom consumidor nunca partilha suas posses com os outros. É melhor que nós todos compremos as mesmas coisas para nós mesmos. O consumo é bom para o ambiente. Quanto mais você consome, mais você pode reciclar.

O bom consumidor trabalha duro para ganhar o dinheiro que ele gasta. Mas podemos não ter o suficiente para nos manter... Pegue emprestado se começar a ficar para trás

Trate-se: se dê as coisas que você merece. Trate suas crianças: ensine-as a gostar de suas marcas. Lembre-se, elas serão os consumidores de amanhã.  

LEMBRE-SE 
VOCÊ VALE 
DINHEIRO

Confiança do consumidor

Estamos todos sob a pressão de ser os melhores consumidores que podemos ser e é normal que esta pressão cause ansiedade. Isto é porque você não está consumindo o suficiente. Não deixe sua atitude negativa infectar os outros: a força do sistema depende da confiança dos consumidores. 


Ao primeiro sinal de depressão, o bom consumidor visita a terapia das compras.



LEMBRE-SE 
CONSUMA PARA 
SER FELIZ

  

Seu papel na sociedade é consumir, sem consumismo, nosso belo modo de vida iria rapidamente cair. 

CONSUMA, 
CONSUMA ALGO AGORA

Veja também:
http://confrariadosdespertos.blogspot.com/2011/04/filme-surplus.html

Sociedade Morta

Separando o joio do trigo, material interessante num filme anti-civilização baseado numa entrevista com John Zerzan. Download: http://www.archive.org/details/DeadSociety









A Insana Identificação com o Sistema

Derrick Jensen numa entrevista para o documentário What a way to go: life at the end of the empire, fala sobre o condicionamento da identificação com o sistema.

Escravidão moderna: Reflexões a partir da lei...

Escravidão moderna:
Reflexões a partir da lei, do comportamento das pessoas e das organizações.

Por
Luciene Lima Alves e Dilcélia Almeida Sampaio:

http://www.webartigos.com/anexos/ssdw45a.pdf

Escravatura global

Em Foco
Abril de 2003

Escravatura global
Por: MANUEL GIRALDES

Há 145 anos, uma lei anunciava a abolição da escravatura em todo o Império português. Em 1948, a Carta Internacional dos Direitos do Homem consagrava a escravidão como um atentado à dignidade da pessoa humana. Em 2003, calcula-se que, um pouco por todo o mundo, 27 milhões de escravos contribuem com a sua desgraça para a opulência da economia global. Infelizmente, às vezes parece que o tempo anda para trás.

É comum pensar-se, com um arrepio de indignação e alívio, que a escravatura é um bárbaro crime contra a humanidade arrumado algures nos poeirentos arquivos do passado. Navios cheios de negros acorrentados? Ah, até vi num filme histórico do Spielberg. Homens, mulheres e crianças a trabalharem nos campos, de sol a sol, sob a mira das armas? Ufa! É certamente coisa de romance antigo, tipo «A Cabana do Pai Tomás». Infelizmente, não é assim. Mudaram os transportes, as grilhetas, os tipos de coação, mas a escravatura é um fenômeno dos nossos dias. Que não só tende a aumentar como a adquirir formas – se é possível cometer o anacronismo de comparar épocas e estilos de vida tão díspares – cada vez mais graves.

Calcula-se que, neste preciso momento, um pouco por todo o mundo, 27 milhões de pessoas se encontrem acorrentadas a tão desumana sorte. As correntes que os prendem não são de ferro, mas podem ser até mais fortes e mais penosas. Porque, antes, o escravo era um «bem» caro e raro, e por isso mesmo merecedor de certos cuidados. Mas, nos tempos que correm, a própria lei da oferta e da procura se encarregou de embaratecer e desvalorizar o «produto»: com a explosão demográfica, o aumento da pobreza e da exclusão social geradas pelo sempre crescente alargamento do fosso que separa ricos e pobres, o torrencial fluxo de imigrantes que se sujeitam a tudo para tentarem encontrar na metade abastada do mundo um modo qualquer de subsistência, «matéria-prima» não falta. E se o escravo moderno enfraquece ou adoece, deita-se fora e arranja-se outro. Que as prateleiras dos armazéns globais estão cheias de gente desesperada.

Nos escaparates, como sempre, pode escolher-se entre homens, mulheres e crianças. Estas são particularmente apreciadas, porque são mais dóceis, comem e protestam menos, dormem em qualquer recanto e, como é necessário menos força para obrigá-las a trabalhar, dão menos dores de cabeça a capatazes e vigilantes. Meninos escravos propriamente ditos haverá no mundo cerca de 8 milhões. Não muito longe desta condição encontram-se os 111 milhões de menores de 15 anos que executam tarefas impróprias, perigosas ou demasiado árduas para a idade.

A moral do lucro

Mas não. Não se confunda. Quando se diz: «O miúdo trabalha que nem um escravo», não quer dizer que o seja. Para sê-lo, realmente, é preciso que exista – na definição do especialista Kevin Bales – «o controlo total de uma pessoa por outra com fins de exploração econômica». Dantes, tal controlo passava pela compra ou pela posse. Hoje, não só não é preciso, como até é «antieconomico».

Explica Bales, um professor da Universidade inglesa do Surrey, que correu mundo a estudar a escravatura moderna: «Hoje, quando as pessoas compram escravos, não pedem um recibo nem títulos de propriedade, mas adquirem o controle – e usam a violência para manter esse controle. Os escravocratas têm todos os benefícios da propriedade sem as responsabilidades legais. Na verdade, para os escravocratas, não ter a posse legal é uma melhoria, porque obtêm o controle total sem qualquer responsabilidade por aquilo que possuem (...). A escravidão é uma obscenidade. Não se trata apenas de roubar o trabalho de alguém; trata-se do roubo de toda uma vida. Está mais estreitamente relacionada com o campo de concentração do que com questões de más condições de trabalho».

Em «Gente Descartável. A Nova Escravatura na Economia Mundial» (de Kevin Bales - Editorial Caminho; Nosso Mundo; Lisboa, 2001), o especialista estabelece bem a diferença entre as trágicas imagens que nos foram legadas pelo passado e a talvez ainda mais trágica realidade atual: «Na nova escravidão, a raça tem pouco significado. No passado, as diferenças étnicas e raciais eram usadas para explicar e desculpar a escravatura. Essas diferenças permitiam aos escravocratas inventar razões que tornavam a escravatura aceitável, ou até uma boa coisa para os escravos. A diferença dos escravos tornava mais fácil usar a violência e a crueldade necessárias para o controle total. Essa diferença podia ser definida quase de um modo qualquer – diferente religião, tribo, cor de pele, língua, costumes ou classe econômica (...). Hoje, a moralidade do dinheiro supera todas as outras considerações. A maioria dos escravocratas não sente a necessidade de explicar ou defender o método de recrutamento ou de gestão do trabalho que escolheram. A escravatura é um negócio muito lucrativo, e um bom lucro é justificação bastante.»

Gente barata

Os cálculos da Anti-Slavery International falam por si: por volta de 1850, nas plantações do Sul dos atuais EUA, um escravo custava em média o equivalente a 40 mil euros; hoje, em contrapartida, a sua cotação no mercado mundial ronda os 90 euros. O embaratecimento tem um efeito perverso: «Os escravos já não são um grande investimento, que valha a pena cuidar e manter. Se adoecem, deixam de ser úteis, ficam estropiados ou dão demasiado trabalho ao escravocrata, este limita-se a descartar-se deles ou a matá-los.»
Explica esta organização de defesa de direitos humanos (a mais antiga do mundo, precisamente porque foi criada para pugnar pela abolição da antiga escravatura): «Em 1850, os escravos do Alabama rendiam aos seus senhores cerca de 5 por cento ao ano, enquanto nos dias de hoje as margens de lucro do trabalho escravo chegam a atingir os 800 por cento (...). Quando a menina tailandesa forçada a prostituir-se contrai HIV, é abandonada à sua sorte; o brasileiro acorrentado à produção de carvão em fornos gigantescos e em condições desumanas é recambiado mal a floresta que os alimenta é arrasada; o menino indiano que passa os seus dias a enrolar cigarros é devolvido à família se deixa de poder cumprir a sua “missão”, e depressa outro vem ocupar o seu lugar; em Londres, um trabalhador doméstico escravizado foi abandonado na rua porque a família para quem trabalhava se mudou para outro país (...). Os escravos modernos são descartáveis como canetas ou copos de plástico: usa-se e deita-se fora.»

Segundo a organização, o tráfico de pessoas não conhece fronteiras e ultrapassa a barreira dos continentes, de tal modo que se tornou uma das atividades preferidas dos cartéis internacionais do crime organizado: «O lucro do comércio da desgraça humana só é ultrapassado pelo do tráfico de drogas e de armas. Segundo a Administração norte-americana, todos os anos são “contrabandeadas” para os EUA 50 mil pessoas. O seu destino: prostituição não remunerada, serviço doméstico ou atividades que exploram o estatuto precário dos imigrantes clandestinos.»

Portugal não escapa ao fenômeno. Ainda há dias, um especialista da Polícia Judiciária considerava o tráfico de pessoas o crime da década em que vivemos. Também entre nós há os imigrantes que caem nas malhas das máfias, e sobretudo mulheres, africanas, brasileiras, macaenses ou dos países de Leste, forçadas a prostituírem-se. Segundo Inês Fontinha, diretora de O Ninho – a associação católica que há anos luta por restituir a dignidade às prostitutas –, só por Lisboa passarão milhares de potenciais «escravas sexuais». São tantas, que o «preço de compra» pode descer até aos 50 contos.

Os lucros dos «donos» e dos «comerciantes» são incalculáveis. De acordo com a Interpol, uma destas mulheres forçadas a prostituírem-se tem entre 15 a 30 clientes por dia e, da receita diária, deverá entregar ao proxeneta entre 457 e 914 euros, isto se não quiser ser maltratada. O «mercado» português não é o único alvo: o País tornou-se uma plataforma no acesso ao «mercado comunitário».

Um bom investimento

Há escravos em Lisboa, Londres, Paris ou Nova Iorque. Ou seja, um pouco por todo o mundo. Mas esta forma extrema de exploração é particularmente aguda, generalizada e gritante no Sueste da Ásia, no subcontinente indiano, em África e nos países árabes. As razões são mais ou menos evidentes: para além da explosão demográfica e da persistência de formas tradicionais de escravatura, a rápida mudança social e econômica registada nos países em desenvolvimento.

Argumenta Kevin Bales: «As sociedades tradicionais, embora sendo por vezes opressivas, assentavam geralmente em laços de responsabilidade e de afinidade que podiam ajudar as pessoas a enfrentar uma crise como a morte do ganha-pão, uma doença grave ou uma má colheita. A modernização e a globalização da economia mundial quebrou essas famílias tradicionais e a pequena agricultura de subsistência que as mantinha. A mudança forçada da agricultura de subsistência para a agricultura comercial, a perda das terras comunitárias e as políticas governamentais que suprimem as receitas agrícolas a favor da comida barata para as cidades, tudo ajudou a arruinar milhões de camponeses e expulsá-los das suas terras – por vezes para a escravidão.»

Por obra e graça da globalização, mesmo os que pensam que não têm nada a ver com este comércio abjeto acabam por, indirectamente, colher-lhe os frutos. E não só através dos preços baixíssimos dos produtos que nos chegam das regiões em que se recorre à mão-de-obra escrava.

Bales cita um exemplo aparentemente a anos-luz do pequeno aforrador que investe as poupanças num fundo que, no seu banco, lhe asseguram ser particularmente seguro: «Um grande projeto é o gasoduto para gás natural que a Birmânia está a construir de parceria com a companhia petrolífera americana Unocal, a francesa Total e a empresa tailandesa PTT Exploração e Produção. Estas três companhias estão muitas vezes associadas em fundos de investimento mútuos internacionais e globais. A companhia tailandesa, que em parte é propriedade do Governo tailandês, é recomendada por um fundo mútuo como um investimento familiar. No projeto do gasoduto, milhares de trabalhadores escravizados, incluindo homens velhos, mulheres grávidas e crianças, são obrigados pela força das armas a limpar o terreno e construir uma via-férrea nas proximidades.»

Remata o autor: «O ponto importante é que os escravos constituem uma vasta força de trabalho que suporta a economia global de que todos dependemos.»

Uma nova epidemia

A escravatura é uma realidade difusa, escondida, difícil de captar. Mas, mesmo assim, Kevin Bales consegue estimar o lucro total anual gerado pelos 27 milhões de escravos – um número que o próprio considera ser uma aproximação, mas «modesta» – existentes à escala mundial: cerca de 13 mil milhões de euros, a verba que a Holanda gasta em turismo ou «substancialmente menos que a fortuna pessoal do fundador da Microsoft, Bill Gates».

Parece uma verba pequena, mas trata-se apenas do valor direto, porque o valor indireto do trabalho escravo na economia mundial é muito maior: «Por exemplo, o carvão produzido pelo trabalho escravo é fundamental para produzir aço no Brasil. Muito desse aço é depois transformado em automóveis, peças de automóveis, e outros artigos de metal que constituem um quarto das exportações do Brasil. Só a Grã-Bretanha importa anualmente 1,6 mil milhões de dólares em artigos do Brasil; os Estados Unidos significativamente mais. A escravidão faz baixar os custos de produção da fábrica; essas poupanças podem ser transmitidas em sentido ascendente na corrente econômica, atingindo finalmente as lojas da Europa e da América do Norte como preços mais baixos ou lucros mais altos para os retalhistas (...). Temos de encarar os factos: ao procurar sempre o melhor negócio, podemos estar a escolher bens produzidos por escravos sem saber o que estamos a comprar. Os trabalhadores que produzem peças de computadores ou de televisores na Índia podem ser pagos com salários baixos em parte porque os alimentos produzidos por trabalho escravo são tão baratos. Isto faz baixar o custo dos artigos que eles produzem, e as fábricas que não conseguem competir com os seus preços encerram as portas na América do Norte e na Europa. O trabalho escravo em qualquer parte ameaça o emprego real em toda a parte.»

À laia de conclusão, o especialista alerta: «A nova escravatura é como uma nova doença para a qual não existe vacina. E esta doença está a espalhar-se.»


Da posse ao «contrato»

A escravatura assume várias formas. A escravatura de posse, aquela em que uma pessoa é capturada, nasce ou é vendida em servidão permanente, é a que se aproxima mais da antiga escravatura. É mais frequente na África ocidental e do Norte e em alguns países árabes. Na Mauritânia, é uma tradição que remonta aos tempos do tráfico de africanos para o Império Romano e, inclusivamente, aos tempos bíblicos; legalmente banida, mantém-se sob formas dissimuladas: é o «segredo sujo de um Estado policial». Apesar de tudo, representa uma muito pequena proporção dos escravos no mundo moderno.
A forma mais comum é a servidão por dívida: «A pessoa dá-se a si própria como penhor de um empréstimo, mas a duração e a natureza do serviço não são definidos e o trabalho não reduz a dívida original. A dívida pode ser passada para gerações posteriores, assim escravizando a descendência.» É mais comum na Índia e no Paquistão.

Na escravidão por contrato as modernas relações de trabalho são já usadas para ocultar esta nova forma de escravatura. O papel é usado como engodo e defesa perante a lei, mas pouco significa: o «contratado» não é remunerado e trabalha sob a ameaça de violência. É a segunda forma mais comum, e encontra-se mais frequentemente no Sueste da Ásia, no Brasil, em alguns Estados árabes e nalgumas partes do subcontinente indiano.


A dor de Siri

«No momento em que acorda, ela sabe exactamente quem e o quê passou a ser. Como me explicou, a dor nos genitais fá-la recordar os 15 homens com quem teve sexo na noite anterior. Siri tem quinze anos. Vendida pelo pai um ano antes, a sua resistência e o seu desejo de fugir estão a fraquejar, substituídos pela aceitação e a resignação (...). O primeiro cliente magoou-a, e ela na primeira oportunidade fugiu. Na rua, sem dinheiro, foi rapidamente apanhada, arrastada, espancada e violada. Nessa noite foi forçada a receber uma cadeia de clientes até de madrugada. Os espancamentos e o trabalho continuaram noite após noite até que ela quebrou (...). A prostituição é ilegal na Tailândia, mas raparigas como Siri são vendidas para a escravatura sexual aos milhares. Os bordéis que têm estas raparigas são apenas uma pequena parte de uma indústria do sexo muito mais vasta.»

A crueldade do relato de Kevin Bales é acentuada pelo tom de testemunho. Mas a realidade, embora mais abstracta, consegue ser incomensuravelmente mais cruel. Uma prática com raízes tradicionais, a escravatura sexual na Tailândia sobreviveu ao desenvolvimento económico do país e à crescente vigilância de organizações humanitárias. A solução foi, como em qualquer negócio dos tempos que correm, a internacionalização.

Nota Bale: «O preço das raparigas tailandesas está já a subir em espiral. O único recurso é olhar noutra direcção, para regiões onde a pobreza e a ignorância ainda dominam (...). Da Birmânia, a ocidente, e do Laos, a leste, vêm milhares de refugiados económicos e políticos em busca de trabalho; estão indefesos, num país em que são estrangeiros ilegais. As técnicas que funcionaram tão bem para trazer raparigas tailandesas para os bordéis voltam a ser aplicadas, mas agora através das fronteiras (...). As mulheres e raparigas circulam em ambas as direcções pela fronteira tailandesa. A exportação de prostitutas escravizadas é um negócio forte, abastecendo bordéis no Japão, na Europa e na América. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Tailândia calculou em 1994 que pelo menos 50 mil mulheres tailandesas viviam ilegalmente no Japão, trabalhando na prostituição.»

A tentação é multiplicar por muitas vezes mil a dor de Siri. Só que, como os economistas neoliberais tão bem (des)conhecem, a dor humana não é quantificável nem encontra lugar nas estatísticas.


O aguadeiro de Maomé

Na Mauritânia, os escravos, teoricamente «libertados» pelo Governo mas na prática nas mãos da elite de mouros brancos que domina o país, continuam a servir os seus «ex»-amos sob as mais diversas formas. O exemplo do aguadeiro Bilal, um nome bastante comum entre os «libertos» por ser o do escravo do profeta Maomé, é eloquente: «O negócio mauritano da água é muito simples. É o refinamento do trabalho escravo: nem pensões, nem subsídio de doença, nem salários, nem bónus – só o bastante para manter vivos um escravo e um burro (...). Qualquer coisa como 300 mil pessoas na capital não têm água corrente. Segundo os números do Governo, elas usam cerca de 25 litros de água por pessoa diariamente, num total de 7,5 milhões de litros por dia. As pessoas mais pobres, que transportam a sua própria água dos poços públicos, representam cerca de 40 por cento do consumo. Isso deixa de fora cerca de 4 milhões de litros que têm de ser comprados a Bilal e aos seus colegas escravos todos os dias, depois de terem transportado a água para a família do amo e suas explorações. Para fornecer toda essa água, uns 5000 escravos saem para as ruas com burros e carroças todos os dias, e todos os anos geram cerca de 6 mil milhões de dólares de lucros (...). Aqueles que distribuem água são apenas uma fracção dos escravos da capital, que podem ser uns 100 mil.»


Uma luta de séculos

Há 145 anos – através de um decreto datado de 29 de Abril de 1858 – marcou-se finalmente um prazo para a real abolição da escravatura em todo o Império português. Porém, em 1869, todos os escravos acabariam por ser declarados libertos. Com alguns «ses» e «mas» e muitos abusos e desrespeito pelo meio, é certo, mas a luta contra o tráfico humano sempre foi feita de avanços e recuos.

As primeiras medidas restritivas datam do séc. XV e, em meados do século XVIII, Pombal proíbe o comércio de índios, mantendo-o porém, muito convenientemente, para os negros. A primeira «abolição» aplicável a todos os nossos domínios data de 1836 e honra o nome do marquês de Sá da Bandeira, mas a medida causa violentas reacções de Angola e Moçambique e é amplamente desrespeitada: nas costas da África ocidental e oriental, a nossa marinha de guerra não tem meios para controlar os numerosos navios portugueses, brasileiros, ingleses, americanos, franceses, holandeses e árabes que continuam a dedicar-se ao desumano negócio.

Na prática, um decreto de 1854 liberta os escravos submetidos ao Estado e os importados por terra. Depois, em 1856, é a vez dos que são pertença das câmaras e das misericórdias, dos filhos da mulher escrava e dos escravos das igrejas. Os negreiros tentaram tudo: os traficantes angolanos refugiaram-se no Ambriz, que seria ocupada pela Marinha portuguesa em 1855: a abolição é imposta à força no porto; depois, chega ao Malembo, Cabinda e Macau, já em 1856 (em 1923, os ingleses ainda permitiam a existência em Hong Kong de 10 mil raparigas escravizadas, as mui-tsai).

A primeira Convenção Internacional Antiescravista da Sociedade das Nações data de 1926; assinada por 44 países, continua em vigor, a partir de 1953 através das Nações Unidas. Na Carta Internacional dos Direitos do Homem, de 1948, a escravidão e a escravatura são consideradas como contrárias aos seus princípios

Escravidão Contemporânea: Mal Que Subsiste À Abolição

Prisioneiro social

Escravidão Contemporânea:
Mal Que Subsiste À Abolição



Antes de instaurar o debate principal deste trabalho, queremos, desde logo, esclarecer que, a escravidão aqui tratada, é um gênero de muitas espécies, não estando, por isto, limitada sob uma determinada forma, ou, atrelada a uma única idéia. Nossa intenção é abrir um painel expositivo, demonstrando que a “escravidão” permanece intacta até nossos dias, e mais, que dentro da conjectura societária atual, esboça novas formas e modelos.

Preliminarmente, é importante ressaltar que, a escravidão se mostra tão antiga quanto a sociedade humana, pois, utilizando-se das mais variadas formas de dominação, o homem sempre que pode, subjugou seu semelhante; como se toda sua glória e poder ensejasse para sua notoriedade, uma platéia considerável de seres servis.

Conceitualmente, mas, em sentido estrito, a escravidão pode ser definida como uma prática social, onde um ser humano detém “direito de propriedade”1 sobre outrem. Certamente, esta é sua forma clássica. Embora, se mostre sucinta e objetiva demais, para descrever um dos piores fenômenos humanos.

Pois bem, numa visão muito mais ampla, a escravidão, hoje, se aproxima da idéia que embasa o conceito de “Castas”, na Índia. Onde, há sim uma distinção social entre os indivíduos, mas não, necessariamente, adstrita à questão da raça, como ocorreu na época da colonização do Brasil, em que os negros foram escravizados, bem como os índios o foram durante certo tempo, estes últimos, libertos tão-somente, por força da alta taxa de mortandade, o que encarecia o processo como um todo e, conseqüentemente, reduzia substancialmente o lucro. 

A escravidão do homem remonta o tempo, ocorre desde os primórdios das comunidades humanas; advinda como triunfo desde as primeiras lutas, teve sua origem no direito da força. Os “Guerreiros valentes” incorporavam o patrimônio dos vencidos, bem como os próprios vencidos tornavam-se patrimônio. Talvez, nasça com ela, concomitantemente, a maior das dúvidas jurídicas, quando e onde, fomos ou deixamos de ser, sujeitos ou objetos de direito. Certamente, de forma bastante simplista, tal dúvida foi assinalada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam de dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte”.

Assim como no sistema das “Castas”, a escravidão, hoje, se volta à distinção obtida através do “status” social. O que difere, em verdade, é que no sistema indiano há uma pseudológica religiosa, e se perfaz em justificativa. Posto que, quatro são as principais castas, e esta divisão, ou melhor, estes grupos, se dispõem de acordo com a estrutura física do Deus Brahma: A cabeça (Brahmim) representa os religiosos; os braços (Veishya) são os guerreiros e militares; os joelhos (Kshathriya) representam os nobres e os ricos; os pés (Shudra) são os fazendeiros e comerciantes. E, aqueles que não se enquadram em nenhuma destas ramificações sociais, são considerados a poeira que se submete aos pés do Brahma, e, por isto, não pertence às castas. São estes nomeados como: Parias, e compõem a escória da sociedade indiana. E, se reportamo-nos à atual cultura ocidental em que vivemos, os sujeitos que ocupam este cenário são aqueles que se encontram abaixo da linha da pobreza, desprovidos de qualquer oportunidade de participação na vida social.

Aqui cabe um parêntese para questionar esta forma diferenciada de escravidão, distante da velha idéia de aprisionamento ou confinamento. A escravidão que começamos a descrever é um critério impeditivo de expansão social, que tolhe oportunidades, que fada o indivíduo à detenção sem grades ou grilhões. E, talvez, esta obscuridade, torne esta escravidão ainda mais agressiva ou violenta, porque não aspira abolição.

A questão escravismo não se altera pela existência ou não, de um direito positivo ou positivado, tanto que, muito embora, legislação brasileira estabeleça que o empresário é o responsável legal por todas as relações trabalhistas havidas ou advindas das atividades de seu negócio. Temos também, as disposições contidas no artigo 149 do Código Penal, delito em que se descreve a conduta daquele submete alguém as condições análogas a de escravo, existente em nosso direito positivo desde o início do século passado. A extensão da legislação trabalhista no meio rural também não é recente, tendo mais de 30 anos, conforme se verifica na Lei n.º 5.889 de 08/06/1973. Ademais, foram ratificadas pelo Brasil, as convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea, ou seja, as convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por fim, há ainda a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, datada de 1998.

E segundo o sociólogo norte-americano Kevin Bales, considerado um dos maiores especialistas no tema da escravatura contemporânea, que traça em seu livro "Disposable People: New Slavery in the Global Economy" (Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial), a escravidão hoje, não só existe, como também, torna-se muito mais vantajosa ao empresário do que foi outrora ao senhor de escravos.

“Hoje, os escravos são extremamente baratos e abundantes, e assim descartáveis. Historicamente, o investimento de comprar um escravo incentivava ao “senhor” lhe fornecer um padrão do mínimo de cuidados, assegurando assim, um escravo saudável o suficiente para trabalhar e gerar lucro. Hoje o interesse não está em “possuir” escravos, somente em controla-los, sendo interessante explora-los pelo período em que eles próprios se mantiverem rentáveis. (tradução nossa).

Essa “Gente Descartável” descrita por Bales, vive e participa de uma nova escravatura que se processa como forma de adaptação à globalização. A nova escravatura coloca pessoas ao subjugo de forças econômicas e sociais que a sustentam, desde a corrupção dos governos locais até à cumplicidade das grandes organizações nacionais ou multinacionais.

E tal apontamento, não difere daquilo que nos é dito por Manuel Giraldes em seu artigo: Escravatura Global:

“Porque, antes, o escravo era um ‘bem’ caro e raro, e por isso mesmo merecedor de certos cuidados. Mas, nos tempos que correm, a própria lei da oferta e da procura se encarregou de baratear e de desvalorizar o “produto”. Com a explosão demográfica, o aumento da pobreza e da exclusão social geradas pelo sempre crescente alargamento do fosso que separa ricos e pobres, o torrencial fluxo de imigrantes que se sujeitam a tudo para tentarem encontrar na metade abastada do mundo um modo qualquer de subsistência, “matéria-prima” não falta. E se o escravo moderno enfraquece ou adoece, arranja-se outro. Que as prateleiras dos armazéns globais estão cheias de gente desesperada”.
E, ratificando esta colocação, temos Gerhard Grube , quando nos diz:
“Justiça social e escravidão são antônimos. São inversamente proporcionais. Por um pode-se medir o outro. Ausência de escravidão só com igualdade social plena. Escravos só deixarão de existir quando deixarem de existir aqueles que promovem injustiça social. Direta e indiretamente. [...] Alguém, tirado à força de seu meio, obrigado a trabalhar sem remuneração e impedido em sua liberdade é, sem dúvida nenhuma, um escravo. [...] Mas nem sempre isto é tão evidente. É difícil definir escravidão. A característica mais importante deve ser a coação, explícita ou velada. Mesmo quando não existe impedimento de ir e vir ou de fazer o que quiser.2

Todavia, este modelo social não é uma expressão de vanguarda, pois, já se fazia evidente durante o período medieval, conforme a descrição de papeis e afazeres da sociedade feudal feita por J. Isaac, onde nos diz que: “A sociedade feudal é fundada na desigualdade. E nela há três tipos de homens: Os nobres combatem, os camponeses trabalham e o clero que reza”.

De tal modo, percebemos que escravidão, sob qualquer foco, não é uma problemática atual, tampouco, inteiramente social; há sempre um estreitamento entre as questões sociais e as políticas, e a convergência de ambas à cidadania. 

Indaga-se, pois, no que consiste a escravidão vivida em nossos dias? Se tomarmos a palavra, afastada de todo e qualquer neologismo, encontramos uma semântica que aponta para: subjugo, servidão, sujeição e tirania. E, a partir daí, insurge-se uma nova perquirição: Somos todos inimputáveis à esta patologia sócio-cultural? De pronto, surge uma resposta, e, embora, imediata, nada leviana: Não! 

Ora, se a realidade do mundo globalizado nos impõe uma universalidade de oportunidades, ao mesmo passo, impõe também, o ranço e o mofo da escravidão. Seria duvidoso pensar que, o “dumping” (colocar no mercado exterior produtos com preço abaixo daquele praticado dentro do país de origem) ou o “underselling”(venda no mercado externo ou interno de produtos abaixo de seu valor de custo, até angariar o domínio da praça de atuação), ou ainda, o preço predatório (configuração extremada de concorrência desleal, que promove a venda de produtos por um preço impraticável).

E, embora, estas sejam práticas desleais, totalmente, repreensíveis sob o ponto de vista do comércio exterior, são também, inegavelmente, muito empreendidas pelo bloco dos “Tigres Asiáticos” (Japão, China, Formosa/Taiwan, Cingapura, Hong kong e Coréia do Sul), especialmente, a China, entusiastas deste acesso à aldeia global, abarcam o mundo com seus produtos manufaturados, a preços módicos e famélicos, e porque não dizer: vis. Torna-se propício, novamente, indagar: Como se consegue tamanha proeza, sem que para isto, haja falta ou inobservância dos padrões trabalhistas internacionalmente reconhecidos; sem que haja exploração do trabalho infantil ou utilização do trabalho escravo4 ; onde a jornada habitual de trabalho ultrapassa o limite de 12 horas diárias, incluindo os finais de semana. E, a realidade que agora pontuamos, retrata um país, que de acordo com relatório elaborado pelo governo chinês e publicado pelo jornal oficial China Daily, vislumbra o percentual de 13% dos assalariados que recebem menos do que o salário mínimo estabelecido pelo governo, e 8% de trabalhadores que jamais recebem seus salários ou que os recebem fora do prazo previsto5 , sim, previsto, mas, não contratado. Porque sabidamente, num país que possuí um contingente demográfico de 1 bilhão e 313 milhões de habitantes (estimativa para Julho de 2006), totalizando 22% da população mundial, a mão-de-obra subcontratada e clandestina encontra-se em crescimento, fator que contribui para a discriminação no campo da remuneração e todas as demais condições de trabalho.

Quem demarcou esta questão, precisamente em 2005, foi Marcos S. Jank:

“Pouca gente sabe que não há livre mobilidade de pessoas do campo para as cidades na China, já que o governo coíbe a migração ao não garantir direitos sociais àqueles que não têm permissão de trabalho”.6

A colocação de Jank nos abre uma fresta para a lamentável visão, de que existem sentimentos nacionais de rejeição à livre circulação de trabalhadores. Ou seja, não só um bloqueio de liberdade de ir e vir, nem só um cerceamento de possibilidades empregatícias; estamos tratando de uma violação aos direitos humanos, quando, sabidamente, a liberdade de trabalho ultrapassa as fronteiras do positivismo legal para aportar os ditames e regras de um direito jusnaturalista. Sim, é o um homem cidadão do mundo, mas o caso em tela, nos impulsiona a dizer que, na pior das hipóteses, deveria ao menos, possuir uma plena cidadania em seu país de origem.

Hoje, nossa experiência de vida se funda nos escombros e se estabelece no rescaldo de todas as revoluções históricas, passando, inclusive, pela balela do homem visionado pelo liberalismo, sendo um ser ilusório, por vezes, um ilusionista, desnorteado entre o “ser” e o “dever ser”. Não somos senhorio de direitos, tal e qual pregava o iluminismo, tampouco, participante vivazes da sociedade que nos sitia, mais que tudo, não alcançamos a igualização; e, desproporcionalmente, há sempre alguns mais iguais que outros. O mundo, agora, se divide em Blocos, Comunidades, e diante dessas gigantescas “tribos”, o cidadão universal se esvai. Percebemos que não se trata de um, ou mais um engodo havido entre os homens. Nossa experiência atual aponta uma simbologia e uma realidade divergente e díspar do imaginário humano. É a falácia do bem comum?

Estamos falando de tempos modernos, embora, nos pareça tão atual a explanação de Aristóteles enquanto definia a distinção existente entres os homens na Grécia antiga, em que fazia uma diferenciação na composição das esferas sociais, calcado em uma lógica expositiva de uma realidade fragmentada, diante das diversas esferas sociais, grupos ou as estirpes. Embora, os anseios vividos por Aristóteles, viriam, posteriormente, nos definir a democracia como: “governo dos homens livres”. Sim, tão livres, a ponto de experimentarem uma soberania popular oposta e antagônica àquilo que em outros períodos históricos teria sido Império ou Reino.

Concluímos convictos de que, a escravidão permanece intacta, e assim estará, enquanto o número de propriedades expressarem a representarem valores humanos; estará vigente, sempre e quando, o homem for impedido de ascender socialmente; enquanto for marcado como gado pelo estigma que o fada ser àquilo que foram seus antepassados; estará à vista e à mostra no poderio econômico-financeiro que suplanta talentos; far-se-á evidente na essência ainda faminta do homem que trabalha tão-somente pela troca injusta do alimento; mas, acima de tudo, lançará ao rol dos culpados aquele que, diante de melhor “sorte”, encilha seres de sua própria espécie, para um galope alucinante, pelos campos verdes: do poder, das posses e privilégios.


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Notas de rodapé convertidas

1. “Direito de propriedade é a faculdade de adquirir e usar as coisas como próprias, segundo Deus e segundo as leis”. (Afonso X, o Sábio).

2. GRUBE, Gerhard. “Escravidão”, in Centro de Mídia Independente – CMI/Brasil, 08/01/2005.

3. ISAAC, Jules ; ALBA, André. Curso de História - Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1967. p. 7.

4. Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre as perspectivas das relações comerciais entre a União Européia e a China (2005/2015), de 13 de Outubro de 2005 – Bruxelas – Artigo 49, parte final: Requer ainda à China que adapte medidas para combater eficazmente quaisquer formas modernas de escravatura, de trabalho infantil e de exploração, sobretudo de exploração das mulheres no trabalho, por forma a que sejam respeitados os direitos fundamentais dos trabalhadores e eliminada a possibilidade de "dumping" social.

5. Fonte de dados estatísticos: Revista Fórum - De Publisher Brasil.

6. In China – Os segredos de seu crescimento – “O Estado de São Paulo” – 04.01.2005, p. A2.

Perfil do Autor


Funcionária Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional - ESDC/SP e, em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP., pós-graduada em Semiótica Psicanalítica - Clínica da Cultura, também pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP.

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