Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

31 de janeiro de 2012

O Elo Perdido

Alguém  saberia dizer quando começou a exigência por autenticação em fotocópias?

Quando a palavra empenhada e a presença física deixaram de ser suficientemente autênticas para que fosse necessário autenticá-las através deste explícito descrédito desaforado?

A simples exigência de uma autenticação em fotocópia já evidencia o quanto as instituições depreciam a palavra dada, o quanto depauperam o gênero humano, fato piorado com a exigência complementar de ‘firma reconhecida’. Ficou a cargo de terceiros, desconhecidos, autenticarem como verdadeiro o que está sendo afirmado pelos primeiros em função do pedido de outros terceiros.

Vivemos cerceados por formalidades evocativas da desconfiança mútua, provocativas de procedimentos ‘formais’ com o fito de garantir e validar o cumprimento do que está sendo afirmado.

De nada mais vale uma conversa ‘olho no olho’, principalmente porque nos falta a sensibilidade para reconhecer as verdades enxergadas através do ‘olho no olho’. Há mais interesses em aplicar o ‘olho por olho’ do que no constatar semelhanças através do ‘olho no olho’.

Como, quando e onde perdemos o elo de união com o vizinho, o elo de união com quem se nos avizinha durante os trajetos que percorremos diariamente, pouco importa, pois isto não restituirá o que nos entrelaça a toda creatura viva.

Cingirmo-nos com o anelo da Unidade, da união com todos, livrando-nos dos temores pessoais escondidos debaixo da superfície da desconfiança mútua, o mais compenetrado recolhimento – beirando ao transe do êxtase meditativo – urge!

Ninguém, senão nós mesmos, podemos prestar socorro nesta situação emergencial em que estamos inseridos.

LibaN RaaCh

Meditação: o fim do conflito.

Eu penso, que um dos nossos maiores problemas na vida, deve ser certamente, saber que nossas mentes deterioram, declinam, assim que envelhecemos ou, deterioram mesmo quando somos bem jovens, sendo especialista em determinado campo, não estando totalmente conscientes de toda a nossa complexa área da vida. Deve se um grande problema descobrir se é realmente possível parar com essa deterioração. Para que a mente seja sempre fresca, jovem,  clara, decidida e, é realmente possível terminar com este declínio? Esta noite, se me permitem, eu gostaria de entrar nisso, porque para mim, meditação é libertar a mente do conhecido.

E a questão aqui surge: é realmente possível acabar com esse processo, dessa mente, desse cérebro, assim como da mente a entidade total, completa?  E também é possível manter a psique, o corpo, extraordinariamente vivos, alertas, com energia, etc.? Assim, isso me parece ser uma grande questão e, portanto, um grande desafio para descobrir. Agora, a investigação disto, não apenas verbalmente, mas não verbalmente, a investigação, o exame disto, é meditação. Esta palavra, a própria palavra é tão mal empregada. Existem tantos métodos de meditação, se entendemos um, entenderemos todos os sistemas e formas de meditação mas, a questão central, que iremos conversar juntos nesta noite é essa: se a mente pode reaver, rejuvenescer a si própria, se ele apode se tornar fresca, jovem e sem medo. O fato é que existem deterioração e se a pessoa olha para ela, e traduz essa deterioração, ou tenta transcendê-la, ou ir além dela, em termos de inclinação pessoal, temporal, etc., isso se torna um negócio muito ordinário. Mas, se você observa, como você observaria uma árvore, um por do sol, a luz na água, os contornos de uma colina azul, apenas observar isso, apenas observar o processo do que realmente está acontecendo em cada um de nós, então, nós iremos juntos. E, se você não pode fazer isso, haverá acúmulo e não seremos capazes de andar pela estrada juntos, porque estamos interessados na totalidade do processo do viver e esse processo total do viver, como se observa, está sempre criando uma imagem sobre nós mesmos e sobre os outros, imagem através da experiência, através do conflito e, estamos conscientes que existe uma imagem em cada um de nós? Sobre nós mesmos e essa imagem começa a se formar, mais e mais forte, mais e mais cristalizada então, é o fim de tudo. Assim, a pessoa está consciente disso? E se a pessoa está consciente disso, quem é a entidade que está consciente da imagem? Você entende a questão? A imagem é diferente do criador da imagem? Ou, o criar a imagem e a imagem são a mesma coisa? Porque, a menos que se entenda esse fator muito claramente, o que iremos investigar não estará claro. Eu percebo que eu tenho uma imagem sobre mim mesmo, que eu sou isso ou aquilo, que eu sou um grande homem ou um homem insignificante. Meu nome é conhecido, desconhecido, você sabe, toda a estrutura verbal e não verbal sobre si mesmo, consciente ou escondida. E, eu percebo que a imagem existe. Se realmente eu fico atento, vigilante, sei que existe essa imagem se formando o tempo todo, e o observador que está atento a essa imagem sente-se diferente da imagem, isso é o que está acontecendo. Espero que estejamos esclarecendo tudo isso! E, o observador então começa a dizer para si mesmo que esta imagem é o fator que produz deterioração, portanto, preciso destruir esta imagem afim de atingir o resultado maior, tornar a mente jovem e fresca e tudo mais. E ele luta, explica, justifica, ou acrescenta, esforça-se para mudá-la para uma imagem melhor. É muito importante entender que o esforço, a luta, em diferentes formas, tanto fisicamente, como psicologicamente, como competição, como lição, agressão, violência, ou um dos sentimentos acumulados, etc., é um dos fatores da deterioração. Assim, quando a pessoa percebe que o observador é o criador da imagem, então todo o nosso processo de pensar passa por uma tremenda mudança. E essa imagem é o conhecido. Assim, enquanto o cérebro, enquanto a mente toda, na qual estão reunidos os cérebro e o corpo, a mente toda, funciona dentro do campo da imagem, que é o conhecido no qual a pessoa pode estar consciente ou não, neste campo se encontra o fator de deterioração. Certo? Por favor, não aceite isso como uma idéia que você vai refletir quando você for para casa — você não irá refletir de qualquer jeito — mas aqui estamos fazendo isso, considerando a coisa juntos, portanto, você deve fazê-lo agora, não quando você vai para casa e diz: "Bem, eu tomei nota e entendi isso, eu refletirei sobre isso". Não tome nota porque isso não ajuda de forma alguma.

Assim, surge a questão: é possível esvaziar a mente do conhecido?  Você entende? Estou sendo claro? A pessoa deve ter perguntado esta questão vagamente ou com um propósito, o que ela sofre, tem ansiedades, se é possível ir além; ou a pessoa tem várias indicação sobre isso, agora estamos perguntando isso, estamos perguntado isso como uma questão que precisa ser respondida, como um desafio que precisa ser respondido. E este desafio não é um desafio externo, mas um desafio interno, psicologicamente. E vamos descobrir se é possível esvaziar a mente do conhecido; este esvaziar da mente é meditação. E devemos entrar nesta questão da meditação, quero dizer, explicar isso um pouco. Todo povo asiático, está condicionado por esta palavra. As ditas pessoas religiosas sérias estão  condicionadas por esta palavra, porque através da meditação elas esperam encontrar algo além da mera existência diária. E, para encontra isso, eles tem vários sistemas, muito, muito sutis ou muito grosseiros como o "Zen" e também este chamado sistema meditativo, existe concentração, fixar a mente numa idéia, em um pensamento em si, etc., e também a várias formas de estimulação, forçar a si mesmo estimular o seu ego e isso é para expandir a consciência, mais e mais, através da vontade, do esforço, da concentração, através da determinação de forçar, forçar, forçar, e, ao estender dessa consciência espera-se chegar num estado diferente, ou a uma diluição diferente, ou atingir aquele ponto que a mente consciente não pode atingir. Ou a pessoa toma muitas, muitas drogas, incluindo a última, o LSD, etc., que dá — por um momento — uma tremenda estimulação a todo sistema e, neste estado, experimenta-se coisas extraordinárias, coisas extraordinárias através de estimulação, através de concentração, através de disciplina, através de passar fome, jejuar. Se a pessoa jejua por alguns dias ela tem obviamente coisas peculiares que lhe acontecem e a pessoa toma drogas e isso lhe dá num momento, torna o corpo extraordinariamente sensível, e você vê cores das mais extraordinárias que você nunca tinha visto antes. Você vê tudo tão claramente que não existe espaço entre você e essa coisa que você vê. Isso acontece em várias formas por todo o mundo. A repetição das palavras, como fazem os católicos, essas orações tolas que tornam a mente um pouco calma, quieta, obviamente é um truque. Se você fica repetindo, repetindo, repetindo, você se torna tão embotado que obviamente você vai dormir e você pensa que isso é uma mente muito quieta. Mas, isso não é meditação. Assim, a pessoa põe de lado tudo isso, mesmo que estejamos comprometidos com isso, podemos jogar pela janela tudo isso. E, enquanto você está escutando, espero que você vá jogar isso fora, porque vamos entrar em algo bem mais profundo que essa invenções. Podemos colocar isso tudo de lado, porque, quanto mais se pratica uma disciplina mais a mente se torna embotada, mecânica, e esse processo mecanizante, rotineiro, torna a mente de alguma forma quieta, mas não é a quietude de uma tremenda energia, entendimento. Então, podemos continuar a investigar se é realmente possível libertar a mente do conhecido, não apenas o conhecido de mil anos, mas também o de ontem, que é a memória, o que não significa que eu esqueço o caminho para casa onde moro, ou a tecnologia. Isso obviamente a pessoa de ter, isso é essencial, se não nós não podemos viver. Estamos falando de coisas a um nível mais profundo, o nível profundo onde a imagem está sempre ativa. A imagem, que é o conhecido está funcionando o tempo todo e se essa imagem e o criador da imagem — que é o observador — se é possível esvaziar a mente disso e, o esvaziar do conhecido é meditação. Eu só posso entender você quando eu não tenho nenhuma imagem sobre você. Mas, se a nossa é uma relação amigável, ou marido e mulher, e tudo mais, tem uma imagem, e a imagem que eu tenho e que você tem sobre mim, estas imagens tem relacionamento e todo nosso relacionamento é baseado nisso. A pessoa vê muito claramente que somente quando a imagem não interfere, — imagem como conhecimento, pensamento, emoção, etc. — não interfere, é que eu posso olhar, ouvir, entender. Isso aconteceu com todos nós, quando de repente, você discute, argumenta, mostra, etc., de repente, sua mente se torna quieta e você vê, você diz: "Por Deus! Eu entendi!" Este entendimento é uma ação, não é uma idéia, certo?

Assim, existe entendimento, ação, só que ação num sentido diferente da ação que nós conhecemos, que é a ação da imagem, do conhecido. Estamos falando de um entendimento que é uma ação quando a mente está quieta completamente. Nela, o entendimento, como ação, acontece. Assim, existe entendimento e ação, apenas quando a mente está completamente quieta — e essa mente nova, quieta não é induzida por qualquer disciplina, por qualquer esforço — e a meditação então é, a que a pessoa pode fazer quando está sentada num ônibus ou andando pela rua, lavando louça, ou sabe Deus o que mais. E meditação não tem nada a ver com respiração e tudo isso. Não há nada misterioso sobre isso; o mistério da Vida está além de tudo isso, além da imagem, além do esforço, além da atividade centralizada, egocêntrica, subjetiva, auto-centrada. Existe um vasto campo de algo que nunca pode ser encontrado através do conhecido. E o esvaziar da mente só pode acontecer, não verbalmente, só quando não existe observador como o observado. Tudo isso exige uma tremenda atenção, percepção, uma percepção que não é concentração, apenas observar sem escolher, quero dizer,escolha acontece apenas quando existe confusão, não quando existe claridade. Assim, a percepção acontece apenas quando não existe escolha ou quando você está consciente de todas as escolhas conflitantes, desejos conflitantes, as tensões, apenas observar todo esse movimento de contradições e sabendo que o observador é o observado e, portanto, nesse processo, não existe escolha nenhuma, mas apenas observar o que é. E isso é inteiramente diferente de concentração. E essa observação traz uma qualidade de atenção na qual não existe nem o observador e nem o observado e este esvaziar da mente, com todas as experiências, que ela teve, é meditação. E só pode ser esvaziado todas as experiências quando cada experiência, a pessoa se torna consciente dela, vê todo conteúdo dela, sem escolha e, portanto, ela passa, portanto não existe marca dessa experiência, como uma ferida, como algo a recordar, para reconhecer e guardar. Assim, a meditação é um processo muito árduo, não é apenas, uma coisa a ser feita por velhas senhoras ou homens que não tem nada para fazer. Isso exige uma tremenda atenção o tempo todo. Então, você descobrirá, por você mesmo, — não, não é uma questão de experiência, não existe o contar — então, quando a mente está completamente quieta, sem qualquer forma de sugestão, como o hipnotismo, ou seguir um método, quando a mente está completamente quieta, então existe uma qualidade, uma dimensão diferente, que o pensamento não tem possibilidade de imaginar ou experimentar. Então a pessoa está além de toda busca, porque não existe procura — uma mente mente que está cheia de luz não procura — é só a mente, a mente embotada, confusa, que está sempre procurando, esperando encontrar. O que ela encontra é o resultado de sua própria confusão.

Veja por favor, se você entende uma questão, você entendeu todas as questões. E assim, o que é importante nisso tudo, não perguntar questões, ou respostas, ou as explicações, é que as explicações não tem valor algum. O que tem valor é como você pergunta a questão e o que você está esperando desta questão. Se você está atento ao que você está perguntando, você verá está questão sem nenhuma dificuldade, portanto, não existe professor algum. Você mesmo é tudo — tanto o professor, o aluno — você sabe, tudo. Isso lhe dá uma liberdade tremenda para investigar.

Krishnamurti - Palestra nº 4 - da primeira série intitulada "Revolução Real", realizada em 1966,  palestras em que, pela primeira vez, Krishnamurti permitiu ser filmado.

Compreensão é a palavra

Para mim, não há como aceitar qualquer religião ou sistema de crença que incentive qualquer tipo de guerra ou resistência causadora de conflito, seja a algo interno ou externo, uma vez que a guerra ou resistência é a antítese do amor e compaixão, que em última análise me parece ser a essência da síntese da verdadeira experiência religiosa que à tudo e à todos abarca e congrega em perfeita comunhão. Em meu coração, "COMPREENSÃO" é a palavra que traz "a outra face" que nos liberta de qualquer forma de conflito.

(em resposta ao vídeo de John Piper, intitulado "Faça a Guerra", que me foi enviado por um amigo)

A salutar necessidade de solidão


Para o total desenvolvimento do ser humano, a solidão como meio de cultivar a sensibilidade se impõe. É preciso que se saiba o que significa estar só, o que significa meditar, o que significa morrer; e as implicações da solidão, da meditação, da morte só podem ser conhecidas se as procurarmos. Podemos indicá-las, mas a aprendizagem por meio de indicações não representa a experiência da solidão ou da meditação. Para vivenciar o que seja solidão e o que seja meditação, precisamos estar em sentido de busca; só a mente que está em estado de busca é capaz de aprender. Mas, quando a busca é suprimida pelo conhecimento antecipado, ou pela autoridade e experiência de outrem, então, a aprendizagem se torna uma simples imitação, e a imitação faz o ser humano repetir o que é aprendido, sem vivenciá-lo

Ensinar não é simplesmente comunicar informação; é, isto sim, o cultivo de uma mente inquisitiva. Tal mente penetrará a questão do que seja religião, e não se limitará a aceitar as religiões estabelecidas, com seus templos e rituais. A busca de Deus ou da verdade, ou o nome que tenha — e não a mera aceitação da crença e do dogma — é que é a verdadeira religião. 

Assim como o aluno escova os dentes todos os dias, toma banho todos os dias, aprende coisas novas todos os dias, assim também deve ocorrer a ação de sentar-se em silêncio com os outros ou sozinho. Esta solidão não pode ser produzida mediante instrução, nem pode ser pressionada pela autoridade externa da tradição, ou induzida pela influência daqueles que querem sentar-se e permanecer em silêncio, mas são incapazes de estar sós. A solidão ajuda a mente a ver com clareza, como num espelho, e a libertar-se do vão esforço da ambição, com todas as complexidades, medos e frustrações, que são o resultado da atividade centrada em si mesma. A solidão dá a mente uma estabilidade, uma constância que não deve ser medida em termos de tempo. Essa clareza mental constitui o caráter. A falta de caráter é o estado de autocontradição.

Krishnamurti

Constatações sobre concepção

Para muitos, a concepção de um filho é uma forma de droga socialmente aceita para anestesiar o sofrimento causado pela falta de compreensão de si mesmo e a consequente vida sem sentido. Para outros, um acidente de percurso ou o seguro da manutenção de conveniências egocêntricas. Para raros, um transbordamento de amor, fruto de um real encontro.

A compreensão do "eu" - parte 2

Sem a total compreensão do "eu", qualquer ação que busque por mudanças nas situações externas, só pode acarretar em mais conflito e confusão, uma vez que, mudança não é o mesmo que mutação. Na ação que busca por mudança — o que na realidade não é ação, mas sim, ré-ação — os resultados não podem ser muito diferentes dos conflituosos resultados já instalados, uma vez que as bases do "eu" é que sustentam, de forma abalada devido a constante presença do medo, os pilares da mudança. Só na compreensão do "eu" se opera uma mutação real e instantânea, uma vez que, na compreensão do "eu", toda manifestação de medo deixa de existir e, só quando a mente está livre do medo, se torna possível o vivenciar de um estado de ser cujas bases sejam o amor, a felicidade e a consequente liberdade. As mudanças podem trazer um alívio momentâneo, mas nunca a excelência do ser. Sem a profunda e instantânea compreensão do "eu", qualquer forma de mudança implicará numa espiral sem fim de mudanças sempre conflituosas. Mudança implica em reforma e, como a própria palavra indica, são ajustamentos à formas pré-estabelecidas, que falseiam o original. No contato com o estado original sem "eu" é que pode se manifestar a mutação que proporciona a verdadeira liberdade da mente humana de seu antigo sistema de pensamento e seus consequentes vícios comportamentais. Para o alcance desse estado de liberdade é imperativo a compreensão do "eu" com suas rotineiras exigências, necessidades, desejos, manias e motivações. De nada adianta o sincero desejo de suprimir um determinado desejo, uma vez que, a base desta supressão parte do próprio desejo, o que aponta para um processo de mudança de desejo e não para a compreensão do mecanismo do desejo, bem como da entidade desejante, o "eu". Sem a eliminação da entidade desejante — não pelo esforço, mas pela compreensão — torna-se impossível a manifestação de um estado livre de toda manifestação de ansiedade, medo, insatisfação e da busca por um novo objeto de desejo que traga alívio imediato para toda forma de conflito causado por tais dolorosos sentimentos. 

Constatações sobre a compreensão do "eu"

"Operários", Tarsila do Amaral (1933)

Parece que a maior dificuldade enfrentada por aqueles que buscam pela compreensão do "eu", seja a indiferença parental/social com relação a necessidade de auto-conhecimento amplo e profundo. A maior parte da população está apenas interessada na superficial adaptação à algum conhecimento específico — cujos pilares são a imitação e a entendiante rotina — que lhes assegure a falsa respeitabilidade social, o senso de participação grupal para fins de divertimento, prestigioso e invejado posicionamento numa sociedade corrupta em acelerado estado de decadência. Para a compreensão do "eu" e suas diversas manifestações de medo, um dos primeiros medos a ser compreendido e, — pela compreensão transcendido — é o medo do ostracismo, cujo clamor aponta sempre para o ajustamento, a estagnante domesticação servil e uma vida de superficialidades.

Aprendizagem e conhecimento

Basta um olhar rápido em volta e deparamos com grande sofrimento mental que repercute negativamente sobre o corpo físico. A sociedade está mergulhada nos mais diferentes interesses que na maioria das vezes, fere a biofilia e a homeostase da vida. Estamos numa sociedade de "consumo" em que tudo passou a ser motivo de propaganda, visando a maiores lucros, cuja finalidade se perde na própria ignorância de si mesmo. O sofrimento é enorme e doenças tais como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) se propaga como uma praga, levando a preocupações e retirando a alegria genuína da procriação sadia. Transtornos afetivos do humor, onde o ser humano fica a mercê de crises bipolares de depressões e hiperatividade predomina na maior parte da população, acarretando péssimas qualidades de vida. Noitadas e orgias funcionam como válvulas de escape e fugas psicológicas, onde a "droga" comanda o espetáculo. A Mente humana ficou viciada à vida de confortos e fáceis prazeres. Perdemos a sensibilidade que poderia nos trazer a "alegria de viver". Todos nós somos responsáveis perante a vida, apesar de não podermos controlar o próprio andamento cármico da mesma. Acredito, que em nossas mãos, pode está o equilíbrio e mesmo a sobrevivência do nosso planeta terra: MÃOS A OBRA.

Autor: Hagfer

30 de janeiro de 2012

Previsão do tempo para hoje

Céu encoberto por nuvens esparsas impermeáveis à luz solar através da densa atmosfera. Altos índices de poluentes, também, contribuem para tornarem o ar menos respirável.

Interesse na obtenção exclusiva de benefícios próprios densificam a atmosfera ao nosso redor, assim como a afetação causada pelo bombardeio sociocultural determinam o nível de toxidez e poluentes em nosso sangue.

Sejamos a frestinha com vista para o Céu, permeando e aquecendo e embelezando em suave existir.

Frestinha... nada mais... nada menos do que uma frestinha!


Liban RaaCh

A descoberta da vocação

Você é psicologicamente dependente?


Para se ter energia física, você deve naturalmente tomar alimentos adequados, ter a justa proporção de repouso, etc. Mas, há também a energia psicológica, a qual se dissipa de várias maneiras. Para ter essa energia psicológica, a mente busca por estímulos. Frequentar a igreja, assistir partidas de futebol, entregar-se à literatura, ouvir música, assistir reuniões do mesmo gênero desta aqui — todas essas coisas lhe estimulam; e se o que você deseja é ser estimulado, isso significa que, psicologicamente, você é dependente. A busca de estímulo, em qualquer forma que seja, implica dependência de alguma coisa — de uma bebida, uma droga, um orador, ou de entrar numa igreja; e, certamente, a dependência de estímulo não apenas embota a mente, mas também ocasiona dissipação de energia. Assim, para conservarmos nossa energia, deve desaparecer toda espécie de dependência ou estímulo; e, para ocorrer o desaparecimento da dependência, precisamos nos tornar conscientes dela. Se, para ter estímulo, uma pessoa depende de sua mulher ou de seu marido, de um livro, de seu cargo no escritório, de ir aos cinemas — qualquer que seja o gênero de estímulo — deve, em primeiro lugar, estar consciente disso. O aceitar simplesmente os estímulos e com eles viver, dissipa a energia e deteriora a mente. Mas, se a pessoa se torna consciente dos estímulos e descobre o significado que tem em sua vida, dessa maneira poderá ficar livre deles. Pelo autopercebimento — que não é autocondenação, etc., porém, estar simplesmente consciente, sem escolha, de si próprio pode um homem conhecer todas as formas de influência, todas as formas de dependência, todas as formas de estímulo; e esse próprio movimento da ação de aprender lhe dá a energia necessária para se libertar de todas as dependências e de todos os estímulos. 

Krishnamurti — 26 de julho de 1964

A compreensão do "eu"

Para a compreensão do "eu", se faz necessário a presença de tremenda energia, energia que só pode ser manifesta através da aplicação de toda atenção, sem que ocorra nenhuma forma de distração, nenhuma forma de desatenção. O "eu", com sua complexa estrutura, só pode ser compreendido quando há atenção completa. Quando ocorre a dispersão, quando ocorre a desatenção, a visão se torna fragmentada e, portanto, incapaz de compreensão que gera a mutação imediata. A compreensão só pode ocorrer quando cessa todo o movimento da mente. 

Para a compreensão do "eu", se faz necessário, de início, perceber a verdade relativa de cada movimento do pensamento e sentimento, assim como sua consequente manifestação de desconforto corporal. Isso só é possível quando em silêncio, em quietude e quando não há a identificação com o constante e imperioso impulso para a fuga do que está ocorrendo, através de algum fator externo.  A compreensão do "eu" só pode ocorrer quando a mente já não está se movendo na ponte do tempo — passado/futuro —, em nenhuma direção determinada, uma vez que, pelo estado de atenção, todas as sugestões de direção são compreendidas e, por serem compreendidas, não se dá o processo de identificação com seus resultantes conflitos que dão continuidade a novas camadas do "eu". Isso só ocorre quando se dá uma escuta atenta, minuciosa e destemida, isenta de qualquer tipo de resistência, escolha ou julgamento ao que se apresenta, momento a momento. Isso precisa ficar bem claro uma vez que a resistência gera a dispersão da energia necessária para o estado de profunda atenção. Qualquer forma de resistência, inevitavelmente produz conflito, dispersão de energia, dispersão esta que distorce e deteriora a percepção dos fatos e, sem a percepção dos fatos, da-se a continuidade ao passado — com seu imenso arquivo de imagens, conceitos, crenças e idéias — as quais retroalimentam as múltiplas camadas do "eu". 

Para a compreensão dessas múltiplas camadas, é preciso dar a devida escuta ao acelerado e reativo fluxo mental, sem a ocorrência da identificação geradora de conflitos, uma vez que o conflito é o alimento do "eu". Em poucas palavras: observação sem a deterioradora identificação. Observar o fluxo mental, os conflitos, as aflições, as frustrações, as compulsões, as somatizações, o desespero; observar completamente os diversos movimentos do "eu" sem que ocorra a identificação com as constantes sugestões de fuga que resultam em perda de energia que, por sua vez, enfraquece e distorce o poder da observação e escuta. Sem que deixe de ocorrer o processo de dispersão de energia, não há como se dar o desembotamento da mente, de todos os condicionamentos a que foi submetida durante o longo processo de estruturação do "eu". Isso implica num estado de ser que, a primeira vista, pode soar como algo fora da realidade: um estado de observação do fluxo mental — que é pensamento — sem que ocorra a interferência do pensamento nesse estado de observação. Isso implica numa mente atenta sem qualquer tipo de reação; atenção a toda ação egocêntrica geradora de conflito, a qual impede a percepção dos fatos, do real. Sem essa percepção, não há como a mente ser livre da intrincada e deformadora rede psicológica do condicionamento social, a qual tem seus alicerces na inveja, na busca de poder, na avidez e no desejo de reconhecimento social. Sem isso, não há como ocorrer a completa compreensão do "eu" e, sem esta compreensão, não há a mínima possibilidade do homem saber, por experiência direta, o real significado para onde apontam as palavras felicidade e liberdade.

A dificuldade de comunhão


Uma das coisas mais difíceis — quando um homem está falando e outro escutando — é o estabelecimento de uma relação correta entre aquele que escuta e aquele que fala.  Sem o estabelecimento dessa relação correta não há a mínima possibilidade de se estabelecer a comunhão, comunhão esta que surge somente quando da compreensão direta dos fatos. Quando não há relação correta, quando não há a escuta atenta que leva a compreensão dos fatos, ao invés da comunhão, o que se apresenta é a dispersão criada pela ideação intelectual formadora de imagens e, consequentemente, conflito. 

O Império do Consumo

A explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco, aquele que bebe a conta, fica bêbado em dobro. A gandaia aturde e anuvia o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo faz muito barulho, assim como o tambor, porque está vazia; e na hora da verdade, quando o estrondo cessa e acaba a festa, o bêbado acorda, sozinho, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos quebrados que deve pagar. A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, como estão, os preços das matérias primas e da força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura começa e termina na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos.

O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.

Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales.

Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar.

Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem metade dos calmantes, ansiolíticos e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial.

«Gente infeliz, essa que vive se comparando», lamenta uma mulher no bairro de Buceo, em Montevidéu. A dor de já não ser, que outrora cantava o tango, deu lugar à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem.

«Quando não tens nada, pensas que não vales nada», diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, em Buenos Aires.

E outro confirma, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: «Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas, e vivem suando feito loucos para pagar as prestações».

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade, e a uniformidade é que manda.

A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar. O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde quantidade com qualidade, confunde gordura com boa alimentação.

Segundo a revista científica The Lancet, na última década a «obesidade mórbida» aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou 40% nos últimos dezesseis anos, segundo pesquisa recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free, tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar desce do carro só para trabalhar e para assistir televisão. Sentado na frente da telinha, passa quatro horas por dia devorando comida plástica. Vence o lixo fantasiado de comida: essa indústria está conquistando os paladares do mundo e está demolindo as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêm de longe, contam, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade e constituem um patrimônio coletivo que, de algum modo, está nos fogões de todos e não apenas na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão sendo esmagadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida em escala mundial, obra do McDonald´s, do Burger King e de outras fábricas, viola com sucesso o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas. A Copa do Mundo de futebol de 1998 confirmou para nós, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola proporciona eterna juventude e que o cardápio do McDonald´s não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército do McDonald´s dispara hambúrgueres nas bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O duplo arco dessa M serviu como estandarte, durante a recente conquista dos países do Leste Europeu. As filas na frente do McDonald´s de Moscou, inaugurado em 1990 com bandas e fanfarras, simbolizaram a vitória do Ocidente com tanta eloqüência quanto a queda do Muro de Berlim. Um sinal dos tempos: essa empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. O McDonald´s viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama de Macfamília, tentaram sindicalizar-se em um restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas, em 98, outros empregados do McDonald´s, em uma pequena cidade próxima a Vancouver, conseguiram essa conquista, digna do Guinness. As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite.

No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório.

Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.

Os buracos no peito são preenchidos enchendo-os de coisas, ou sonhando com fazer isso. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas escolhem você e salvam você do anonimato das multidões.

A publicidade não informa sobre o produto que vende, ou faz isso muito raramente. Isso é o que menos importa. Sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias. Comprando este creme de barbear, você quer se transformar em quem? O criminologista Anthony Platt observou que os delitos das ruas não são fruto somente da extrema pobreza.

Também são fruto da ética individualista. A obsessão social pelo sucesso, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Eu sempre ouvi dizer que o dinheiro não trás felicidade; mas qualquer pobre que assista televisão tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro trás algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX marcou o fim de sete mil anos de vida humana centrada na agricultura, desde que apareceram os primeiros cultivos, no final do paleolítico. A população mundial torna-se urbana, os camponeses tornam-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo, e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em todas partes, mas por experiência própria sabem que atende nos grandes centros urbanos. As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os esperadores olham a vida passar, e morrem bocejando; nas cidades, a vida acontece e chama. Amontoados em cortiços, a primeira coisa que os recém chegados descobrem é que o trabalho falta e os braços sobram, que nada é de graça e que os artigos de luxo mais caros são o ar e o silêncio. Enquanto o século XIV nascia, o padre Giordano da Rivalto pronunciou, em Florença, um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam «porque as pessoas sentem gosto em juntar-se». Juntar-se, encontrar-se. Mas, quem encontra com quem? A esperança encontra-se com a realidade? O desejo, encontra-se com o mundo? E as pessoas, encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente encontra-se com as coisas? O mundo inteiro tende a transformar-se em uma grande tela de televisão, na qual as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. Os terminais de ônibus e as estações de trens, que até pouco tempo atrás eram espaços de encontro entre pessoas, estão se transformando, agora, em espaços de exibição comercial. O shopping center, o centro comercial, vitrine de todas as vitrines, impõe sua presença esmagadora. As multidões concorrem, em peregrinação, a esse templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora é submetida ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e desce pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago; e para ver e ouvir não é preciso pagar passagem. Os turistas vindos das cidades do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas benesses da felicidade moderna, posam para a foto, aos pés das marcas internacionais mais famosas, tal e como antes posavam aos pés da estátua do prócer na praça. Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam até o centro. O tradicional passeio do fim-de-semana até o centro da cidade tende a ser substituído pela excursão até esses centros urbanos. De banho tomado, arrumados e penteados, vestidos com suas melhores galas, os visitantes vêm para uma festa à qual não foram convidados, mas podem olhar tudo. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas. A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada à serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje, quando o único que permanece é a segurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa na velocidade da luz: ontem estava lá, hoje está aqui, amanhã quem sabe onde, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shoppings centers, reinos da fugacidade, oferecem a mais bem-sucedida ilusão de segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, além das turbulências da perigosa realidade do mundo. Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado.

Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos. Aqueles que comandam o jogo fazem de conta que não sabem disso, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial.

Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta. Tradução: Verso Tradutores

Autor: Eduardo Galeano
Você é o mundo, psicologicamente, e o mundo é você; e, quando você compreende a si mesmo, está compreendendo toda a estrutura e toda a natureza humana. Isso não é mera investigação egoísta, pois, quando você entende a si mesmo, você ultrapassa a si mesmo, e uma dimensão diferente passa a existir. O que nos fará mudar? Mais choques? Mais catástrofes? Outras formas de governo? Outras imagens? Outros ideais? Vocês têm tido variedades dessas coisas, e, não obstante, vocês não mudaram. Quanto mais sofisticada a nossa educação, quanto mais civilizados nos tornamos – civilizados no sentido de mais afastados da natureza – mais desumanos nos tornamos. Então, o que faremos? Como nenhuma dessas coisas fora de mim vão ajudar, incluindo todos os deuses, então fica óbvio que eu tenho de me compreender sozinho. Tenho de ver o que sou e mudar a mim mesmo radicalmente.

Krishnamurti

A verdadeira função do homem

Você e eu temos de nos livrar das causas que estão produzindo conflito em nós mesmos. E o centro do conflito é o “eu”, o ego. Entretanto, a maioria de nós não deseja ficar livre desse ego. Essa é a dificuldade. A maioria de nós gosta dos prazeres e das dores que o “eu” nos traz; e, enquanto formos controlados pelos prazeres e dores do “eu”, haverá conflito entre o “eu” e a sociedade, entre o “eu” e o coletivo; e o coletivo dominará o “eu” e o destruirá se puder. Contudo, o “eu” é muito mais forte do que o coletivo; então ele sempre dribla o coletivo, e tenta obter nele uma posição, expandir-se, realizar-se. Certamente, o libertar-se do ego, e, portanto, a busca da realidade, a descoberta da realidade e sua manifestação, é a verdadeira função do homem.

Krishnamurti

29 de janeiro de 2012

A poderosa corrente do silêncio

Krishnamurti medita com Nandini: 

“Krishnamurti deixou a Índia em meados de Março de 61, mas alguns dias antes da sua partida Nandini encontrou-se com ele na privacidade do seu quarto, em Bombaim.

Krishnamurti permanecia sobre a cama numa postura de pernas cruzadas, e ela sentou-se numa esteira estendida no pavimento, próximo dele. De súbito, a meio da conversa, ele deteve-se, costas muito eretas, imóvel, de olhos fechados, e ela sentiu como que uma maré de súbita corrente de silêncio que se derramava sobre aquela dependência, a banhar-lhe o corpo enquanto lhe penetrava os poros da pele, e a saturava. Acabou por ficar completamente imóvel e inativa. Desconhece quanto tempo durou esse estado mas, a certa altura escutou, a voz de Krishnamurti e retomou consciência do meio. Tinha conseguido a força suficiente para sustentar essa estrondosa corrente de silêncio, como posteriormente comentou.” 
(...)

‎"Os centros (de energia) que eclodiram em Ooty (Ootacamund) estão de novo a operar sem a menor qualquer suspeita, mas além disso ocorrem várias coisas inexplicáveis. É de tal modo extraordinário que as palavras soam completamente fúteis. Os dias parecem demasiado curtos e é como se estivesse a viver mil anos num dia. Mantém-te viva e consciente e não deixes que coisa nenhuma suprima essa chama. Não permitas que nem um só pensamento se evada sem observar a sua proveniência, os seus motivos e significado. Mantém-te desperta".
(...)

"À medida que a mente tende a tornar-se mecanizada muito importa que destruamos os padrões habituais de comportamento e sentimento, de modo a sermos capazes de obter consciência de todo o movimento do pensar, observando-o sem cessar, e sem jamais permitirmos que os humores saiam fortalecidos nem que o organismo atrofie a clareza da mente. Não deixes a chama esbater- se nem permitas que a fumaça dos acontecimentos diários a obscureça. De um modo deveras surpreendente aquelas ocorrências de Ooty estão a surgir de novo, sem que ninguém tenha sequer a mais pequena suspeita. É algo bastante forte. As 'minhas energias' * estão a operar com toda a sua potência. Estou bastante surpreendido com o fato".
(...)

‎"Não te deixes afetar pela mediocridade nem pelos acontecimentos de caráter irrisório. Procura ter intensidade de percepção e não permitas que essa chama esmoreça. Por aqui tudo vai bem. Os 'centros' estão a operar com fulgor e intensidade, mas também de uma forma dolorosa".
(...)

‎"Estive com Radhica, que me pareceu encontrar-se de saúde, e mantive com ela uma longa conversa. A vida é tão curta e há tanto por descobrir – interior e não exteriormente! Existem vastas regiões ainda por explorar, por isso não deixes que se passe um dia sem descobrires algo. Deixa-te conduzir a esse estado de júbilo interior e aí as coisas exteriores tomarão conta de si mesmas".
(...)

‎"Deves estar recordada daquela estranha energia que se fez presente no quarto, e de que fizeste nota, dois dias antes de viajar. temos de ser tremendamente 'fortes' para conseguirmos suportar essa energia. Tu mesma empregaste justamente esse termo. Estavas certa. Isso voltou a acontecer; os 'centros' estão de novo em atividade. Não te deixes enredar pelos acontecimentos; Procura ter uma consciência profunda dos pensamentos e dos sentimentos, sê direta e recorre à clareza da simplicidade".
(...)

‎" O medo destrói e corrompe toda a percepção e a dignidade e entorpece a mente. Procura perceber isso e mantém um espírito aberto; não arranjes desculpas para o não fazer. Avança de modo inelutável; procura obter consciência de todo o temor e põe-lhe termo. Não deixes que permaneça contigo nem por um só minuto. Onde existir medo, inveja e apego não poderá haver inocência. Toma consciência disso com ardor. Os chakras de Ooty têm estado a operar".
(...)

‎"similares aos de Ootacamund e no entanto diferentes pela ausência de dor intensa. No entanto os estados de benção e o pressentimento de uma presença a seu lado voltariam a surgir nos passeios que dava, quando permanecia em casa, durante o estado de vigília, ou ainda ao despertar, após uma noite bem dormida". Ela pressentia uma presença do 'sagrado' a apossar-se dele e a circundá-lo e fez referência a certas alterações que o rosto assumia e a uma percepção ou sensação simultânea de vazio e plenitude. Durante todo esse tempo ele continuava a dispensar conferências em Saanen. Parece que toda a separação entre esses estados e a sua vida diária se tinha desvanecido. (Vanda Scaravelli descreveu esses estados de consciência alterada experimentados na altura em que ele se hospedava em Chalet Tanegg)
(...)

‎"Decorrida apenas meia hora de voo, após termos largado de Bombaim, o céu apresenta-se de um azul tão profundo,intenso e claro, com uma suavidade que até nos dá vontade de chorar; a certa altura o azul, de tão intenso, apresentava-se quase negro. Voávamos tão alto e o avião avançava tão rápido,que aquele vastidão do horizonte, com o mar lá em baixo, levava-nos a sentir uma inexplicável sensação de paz. E lá estava a abóbada do céu, de um azul intenso e sem ponta de nuvens. Lá longe, no horizonte, esse azul dava lugar a uma tonalidade de um verde suave. Era uma visão verdadeiramente encantadora. No habitáculo estava fresco, um pouco frio até, mas isso só ajudava a reavivar-nos após todo o calor que sentíramos anteriormente. Levou-me algum tempo a recobrar a consciência, razão porque lamento se fui causa de algum incomodo no final. Quando chegamos, fazia um dia claro e aprazível, que logo acabou por se tornar frio e chuvoso".
(...)

‎"Esta moleza que sinto deve ter sido ocasionada por demasiado descanso e ter ficado sem fazer nada, razão porque agora o corpo se encontra fatigado. Espero que te encontres de saúde. Não faças exercícios sob tensão, porque nesse caso não poderão ser executados adequadamente. Presta atenção que as coisas encaminhar-se-ão por si mesmas. Não te acomodes mas procura manter a chama acesa. Tem decorrido tudo de um modo completamente estranho, mas a despeito disso não te deixes perder com trivialidades nem deixes que isso te exaure as energias mas procura manter-te desperta e vigilante."

Krishnamurti y Pupul Jayakar - 1º encontro

De dentro pra fora


Quando o Ego é Anulado, Deus se Manifesta

"Ó Deus, que está no fundo da minha alma!
Que eu ouça com precisão a sua Voz.
Que Sua vontade se manifeste em minha
mente. Que meu ego seja anulado. Que
meus atos sejam Seus atos."

Esta é a minha oração. Quando eu anulo meu ego, Deus Se manifesta aqui. (...)
Quando me liberto da mente do ego, manifestam-se somente a perfeição e a harmonia.
É melhor não empenhar muito esforço próprio.

Do livro Preceitos de Luz - Masaharu Taniguchi, p. 207

28 de janeiro de 2012

Diálogos entre Krishnamurti e Opundit J. Upadhayaya

(J. Upadhyaya, Professor Emérito da Universidade de Benares, um erudito em Budismo e sânscrito, já realizou importantes debates com Krishnamurti. Suas observações foram feitas através de um tradutor cujas palavras foram revistas para maior facilidade de leitura. Interjeições ocasionais que não seguem o fluxo do diálogo principal foram retiradas. "K" indica Krishnamurti, "JU", o Professor Upadhyaya, e há outros interrogantes.)

K - Senhor, ontem estivemos falando sobre um homem comum, bem educado, felizmente não muito educado, sem profissão especial. Ele começa a olhar o mundo como um grande rio que corre. Ao entrar no mar, esse rio está agitado, pois acumulou um grande volume de água nos últimos milhares de anos. A agitação, o conflito, a correnteza do delta, a totalidade do vasto rio entrando no mar, isso é o mundo. E ele sobe o rio. Ele não é, de modo algum, uma pessoa religiosa; apenas um homem comum a subir esse rio. E, subindo o rio, cada vez mais, subindo a montanha, ele chega ao ponto em que o rio nasce. Ele aprendeu várias técnicas, várias disciplinas, ciência, conceitos; esse rio é a totalidade da existência humana e ele chega à nascente desse rio numa alta montanha. Lá, o rio é muito pequeno e lá está ele após milhões de anos. Ele está sozinho lá em cima, cheio de si, e compreende que aquele rio todo é ele próprio, não num sentido teológico, teórico ou hipotético. O rio é como um funil, enorme no começo e muito pequeno no fim. Ele subiu esse vasto rio, foi subindo cada vez mais até onde brota e lá descobre que ele é o próprio rio. Ele é o mundo e o mundo é egoísta; todo esse movimento é egocêntrico. Esse é o fim do funil, pequeno e estreito.
Ali ele começa a investigar e lentamente descobre a vastidão do outro lado do funil, algo muito mais vasto do que o rio e ele não sabe como sair dali. Ele leu e as pessoas disseram que há uma coisa imensa além desse egoísmo. Ele nada sabe disso. Sendo um homem bastante cético, que duvida muito, ele vive cheio de dúvidas e questiona as suas próprias experiências, o seu próprio pensar, o seu próprio modo de viver. Ele nunca se disciplinou e isso é importante para ele. Nunca se disciplinou porque tem apenas seguido o rio desde o começo; partindo da foz, subiu o rio até a nascente, mas não fez disso uma disciplina. Ele atingiu a nascente, que é o egoísmo, e não sabe como ir além. Ficou parado ali.
Muitos instrutores, autoridades, cientistas já lhe disseram o que fazer, que ele se compõe de átomos, células, como o homem começou e evoluiu até o estado atual do cérebro, nesse tempo infindável. Ele aceita tudo isso porque é obviamente natural. Porém ele chegou a um ponto em que descobriu não existir autoridade espiritual alguma. Ele deixou tudo isso e subiu até a origem do rio e lá não existe guia, ninguém para ajudar. Ele descobre não haver ninguém que possa ajudá-lo espiritualmente, interiormente. Enquanto ele subia, tinha esperança de que alguém pudesse ajudá-lo, porém descobriu que não existe, para isso, uma única pessoa, nenhum guru, no céu ou em qualquer livro ou em qualquer filosofia. E lá está ele desarvorado, consciente de sua solidão, sem poder permanecer lá. Sente anseio de subir mais, porém não há mais para onde subir. Foi a esse ponto que ele chegou. Será que me expressei com clareza?
JU - O senhor descreveu tudo muito claramente, mas eu gostaria de perguntar se todo indivíduo que está nesse rio, nessa corrente, tem que permanecer assim, desamparado, ou será que ele pode evitar ser arrastado pela corrente e criar alguma coisa, uma ilha, na qual esteja seguro? Será que ele pode ficar livre da corrente?
Interrogante - Será que ele pode encontrar uma energia interior para permanecer nessa ilha sem ser arrastado pela corrente?
K - Senhor, conforme eu disse, o que está sujeito a revisão, ele está sempre em movimento, subindo o rio; não existe ilha alguma porque, movimentando-se, o próprio movimento lhe dá força. Ele esteve cercado pelo tumulto, pelo sofrimento, porém agora ele se movimenta para fora, subindo. Como dissemos ontem, não acredito nesse movimento de subir o rio. Subi o rio, observei todo o movimento em torno de mim e percebo que eu sou parte dele. Ontem dissemos que não sou diferente desse movimento. Eu sou esse movimento. Eu sou a humanidade. Não digo que é a humanidade e eu, porém, que eu sou a humanidade. Perambulei por toda parte e descobri isso. Enquanto subo o rio, o movimento cria a sua própria disciplina. O homem estático necessita de disciplina; mas, para o homem que está em constante movimento, subindo sempre o rio, não existe ilha alguma, exatamente porque está em movimento. Ele não deixa que se formem ilhas; talvez que invente ilhas e rochedos a que se agarrar, mas o rio o impede de fazer isso uma vez que ele percebe as conseqüências de proceder assim.
JU - No interior do homem existe o anseio de transcender essas tristezas e aflições sórdidas, de sair desse turbilhão de sofrimentos, porém ele nunca está fora disso. O homem não tenta sair dessa corrente porque é parte dela.
K - Senhor, foi assim que ele passou a sua juventude, na embocadura do rio, no sexo, no poder e tudo mais que ele vê como um hábito, um condicionamento, e sente-se saturado de tudo isso. Não lhe atribua qualquer espécie de motivo espiritual. Ele está exausto e entediado com toda essa brincadeira. Diante do tédio, da indolência, ele diz: "Por Júpiter, preciso sair disso." Não é que algo interior o esteja impelindo. Ele parte daí.
Interrogante - O senhor quer dizer que o tédio o impele para o alto?
K - Não, não estou dizendo isso. Ele apenas se movimenta para fora disso. Ele começa aí. Ele é tudo isso; ele quer sexo, poder e diz a si próprio: "Meu Deus, basta." Por que imputar-lhe uma coisa que ele vai rejeitar? Ele começa a se afastar daí. Ele quer saber onde o rio começa. Se ele quiser ficar lá, ele fica lá; mas ele está curioso para descobrir a origem do rio. Eis tudo. A grande maioria gosta de ficar na foz do rio. Gosta de drogas, sexo, poder, posição, conhecimento - não é assim?
Interrogante - Acho que ninguém nega isso. O que dizemos é que há alguma espécie de energia que o faz seguir o rio.
K - Curiosidade. Ele quer descobrir. Por que não sermos simples? Ele está curioso; ele quer saber. Ele já está farto de toda essa amolação e diz: "Meu Deus, estou saturado de tudo isso." O senhor não fica enfastiado de sexo depois de muito sexo? Desculpe.
JU - Senhor, qual é a origem do desejo sexual?
K - Biologicamente, é a procriação. Biologicamente, todas as glândulas estão preparadas para isso.
JU - Não concordo. Há um êxtase no qual ocorre o auto-esquecimento; isso é alegria.
K - Isso é sexo.
JU - Isso é sexo, mas, não, biológico e, sim, como fator psicológico; é um impulso que arranca o homem do movimento de...
K - Qual? Sexo?
JU - A ânsia pelo êxtase, pelo auto-esquecimento.
K - Um momento, senhor. Eu posso tomar uma droga e esquecer-me de mim próprio. Posso ir a um concerto e ouvir a Nona Sinfonia e esquecer-me completamente de mim próprio. Posso ir a um templo e praticar puja a fim de me esquecer de mim mesmo.
JU - Eu sou a humanidade. Tenho uma porção de coisas em comum com o homem, porém sou também um indivíduo.
K - Eu duvido disso.
JU - Eu sou a humanidade, mas com uma forma particular.
K - Já dissemos tudo isso ontem. Dissemos: "Eu sou a humanidade; eu sou a totalidade da humanidade." Não é isso? O homem passou por tudo - tristeza, prazer, dor, sexo, drogas. Ele passou por tudo isso e está saturado de tudo. Não lhe atribua qualquer estranho impulso interior. Ele está farto de tudo. Para ele isso não tem significado. Ele passou por isso. Esteve envolvido nisso. Ele praguejou, obedeceu e desobedeceu. Como está cheio de tédio - e estou usando a palavra tédio de propósito - ele começa a indagar: "Será a minha vida apenas este amaldiçoado tédio, este tédio sem sentido?" E ele começa a subir a corrente. Isso é muito importante. Ele está em movimento. Esse tédio é estático. Será que estou falando com clareza?
JU - É estático porque é apenas uma repetição?
K - Repetitivo, mecânico, habitual e tudo o mais. No momento em que ele se põe em movimento porque está entediado com tudo, percebe que o movimento não tem disciplina. É aí que vamos entrar em conflito com todos aqui. Enquanto houver movimento, não há disciplina. Ele está subindo a encosta porque...
Interrogante - Esse movimento vem por si próprio...
K - Isso mesmo.
Interrogante - Ele vem porque há tédio; não há lei, e um movimento sem lei é criativo, tem frescor; não está associado ao tempo.
K - Isso mesmo; o senhor compreendeu. Deixem-me terminar o que quero dizer e depois poderão atacar. Ele apenas começou. Ele está saturado de tudo, ele passou por tudo isso. Ele não é espiritualista, puro, nada disso. Ele começou aí, ficou entediado e tornou-se muito cético. Isso é importante. Ele é cético, cheio de dúvidas e questionador. Nada disso tem significado algum para ele e então ele se movimenta, naturalmente, não porque esteja buscando alguma elevação. Ele se movimenta e, nesse movimento, percebe as dificuldades do movimento, as dificuldades para sair disso. Então ele começa a indagar por que acha isso difícil. Falando em renúncia, diz: "Não quero saber de renúncia." Ele não acredita em renúncia. E acrescenta: "Compreendo agora por que tudo se tornou um hábito: sexo, drogas, buscar posição, estar preso à linguagem e ao conhecimento; tudo está aqui. Eu sou parte disso porque colecionei uma porção de lembranças e também porque sou casado, tenho filhos e vivo nessa confusão." E vem alguém para lhe dizer que faça isto e aquilo a fim de alcançar alguma coisa e ele responde: "Pelo amor de Deus, não quero o seu conselho." Entendem? Essa é a posição de um homem inteligente. Ele duvida de tudo - Buda, Cristo e todas as igrejas - e diz: "Pelo amor de Deus, não quero nada disso!"
Desse modo, ele está em movimento. E diz: "Estarei realmente em movimento? Ou ainda estou lá, simulando estar em movimento? Será que compreendi realmente tudo isso, o processo biológico, o papel psicológico, a função do cérebro, as reações físicas, a necessidade biológica, as glândulas? Estarei, de fato, em movimento, ou apenas fingindo estar em movimento?" E, ao fazer essa pergunta, ele se torna honesto, profundamente honesto, intensamente honesto, sem fingimento algum. Aí, então, começa a humildade. Com isso ele está movimentando-se, aprendendo, observando. Ele diz: "Não sou diferente da humanidade; sou tudo isso; mas estou vigilante." E, subindo e movimentando-se, diz: "Não existe disciplina para mim. Não aceitarei imposição alguma, qualquer esforço, nada. Já passei por tudo isso." Desse modo ele continua em movimento constante e o movimento é o seu próprio aprender, sem acumular conhecimento. E, ao chegar à origem do rio, ele diz: "Todo esse enorme esforço que fiz (a escalada física e, não, a psicológica) foi totalmente inútil porque aquilo que estava lá está aqui em cima também. De nada me adiantou subir; sou tão egocêntrico aqui quanto era lá." Isso é tudo.
JU - Depois de escutar essa parte final do que o senhor disse, compreendi o que o senhor quer dizer e compreendi também as limitações de minha compreensão, de meu entendimento. Ontem, começamos vendo como essa corrente está lá no delta. Não me interessa saber por que estou na corrente, ou se ela é eterna ou não. Só estou interessado numa coisa: que a corrente está aí e eu estou nela.
K - Mas o senhor é parte dessa corrente.
JU - Entretanto, estando na corrente, sinto necessidade de sair dela. Eu vou até aí.
K - Não; a corrente o deixa entediado?
JU - Não há desejo de sair dela, mas de ser transformado. Não estou interessado na origem da corrente; não me sinto inclinado a subir para descobrir.
K - Então fique onde está.
Interrogante - A corrente da qual o senhor falou é a totalidade do que sou?
K - Eu sou essa corrente.
Interrogante - Ele está tentando, de um modo ou de outro, reconhecer que ele está na corrente, mas que a corrente não é ele.
K - Isso é tudo.
Interrogante - Eu quero passar por uma transformação, quero sair da corrente. Isso também faz parte dela.
K - Eu não quero transformar-me. Não sei o que isso significa.
Interrogante - Foi o que eu disse. Não sabemos o que significa nada disso.
K - Senhor, eu sou isso. Eu não sou diferente disso, nem biológica nem psicologicamente, em nenhum sentido; átomos, células, tudo isso sou eu. E eu sou isso. Portanto, eu sou a humanidade. Para mim, isso tem, um enorme significado. Eu estou aí e pergunto "Será possível uma mudança qualquer?" Eu pensava que pudesse ocorrer uma mudança subindo a montanha e indo à fonte, porém verifico que ainda estou lá. Eu nunca saí de lá. Pensei que, subindo até a fonte, encontraria a explicação, porém essa explicação está lá; é o meu desejo e tudo mais; e lá, como aqui em cima, só há egoísmo. E vejo que; o egoísmo produziu uma terrível confusão, obviamente. Para ver isso não se precisa de muita penetração; pode-se ver que todos estão lutando uns contra os outros, as nações, e assim por diante. Então, observando isso, pergunto: "Será possível alguma mudança?" Não se trata de transformação. Transformação significa substituição de uma forma por outra. Não vou usar essa palavra, apesar de já tê-la usado. Assim, estou interessado na mudança. O que significa mudar? Disto para aquilo. Ou será que mudança é o fim? Mudar disto para aquilo implica tempo; portanto vou investigar o tempo. Portanto, posso perguntar: "Existirá alguma espécie de mudança?"
JU - O senhor quer dizer que existe um findar?
K - Um momento. O senhor é que está dizendo isso.
Interrogante - O senhor está dizendo que não existe mudança, findar ou qualquer outra coisa?
K - Não, o senhor está indo à minha frente. Afinal de contas, esse movimento e essa luta, o sofrimento, ouvir o mestre, mudar de mestre, trocar de gurus, obter mais conhecimento - cheguei a um ponto em que percebo que, se não houver uma mudança no seu modo de viver, o homem será destruído. Assim, eu me pergunto o que é,mudança. Mudança implica tempo e através do tempo, o homem jamais mudou. Por conseguinte indago se há mudança mesmo, ou apenas o findar. Findar significa morrer. Será que posso morrer, diariamente, para todas as coisas e não guardar nada do que ficou? Morro hoje para tudo que conheci; isso é morte. Então, indago se há continuidade ou simplesmente o morrer. E verei o que acontece. O homem que esteve lá chegou a esse ponto.
JU - Concordo com o senhor; portanto não há mudança; unicamente, o findar.
K - O senhor sabe o que significa isso?
JU – Sim, senhor, compreendi o que disse; mas na própria corrente existe a semente da continuidade porque a corrente é continuidade.
K - Não. A corrente é minha consciência, a consciência humana. Como eu sou a humanidade, eu sou essa consciência. E, se eu morrer para essa consciência, não estou mais nela. Não; não é – “eu não estar nela"; ela já não existe. Não sei como dizer isso.
JU - Senhor, existe uma continuidade da corrente da consciência que independe da minha ação de pôr fim a ela.
K - Senhor, essa consciência é tristeza, medo, avidez, inveja e assim por diante, o que é a essência do egoísmo. Ora, depois de viajar por todo esse caminho, desde a planície, cheguei a esse ponto. E pergunto se é possível a um ser humano, que é a totalidade da humanidade, sair dessa corrente. Eu sou essa corrente. Eu sou a humanidade. A Humanidade sofre, leva uma vida infernal e essa corrente continua porque, enquanto os seres humanos não tiverem saído dessa corrente, ela continuará. Enquanto a humanidade, que sou eu, estiver nessa corrente, ela continuará. Se essa "pessoa", que é a humanidade, sair dessa corrente, a corrente continuará, porém essa "pessoa", esse algo, estará fora da corrente. Portanto ela terá compaixão, inteligência. Então, isso age.
Interrogante - O senhor começou falando da corrente e dizendo que o senhor está na corrente. Como é que começa a subida?
K - Senhor, o homem é parte disso. Ele fica entediado; acaba cético e tudo mais, e reconhece ser esse tédio o destino de todos. Portanto, ele é todas as pessoas. A consciência de todos os seres humanos é a sua própria consciência e essa consciência vem desde o começo da existência humana. E ele pergunta se, algum dia, poderá sair dela. Não se trata de sair no sentido de "achar uma saída" ou "encontrar o nirvana". Ele indaga: "Será que posso sair dela? Poderá o ser humano dar um salto para fora dela, abandoná-la, não prosseguir mais na corrente?" Eis tudo! E qual é a dificuldade disso?
Interrogante - Eu sou a humanidade. E o que é que sai da corrente?
K - Nada. (Risos) Não, não é exatamente isso que quero dizer. Deixem-me explicar. Ele tem considerado isso como algo perpétuo, que é tempo. Posso usar a palavra "percepção interior", vislumbre, ver a totalidade da coisa como uma unidade, um movimento unitário que continua? Ele caminha supondo ser um movimento unitário e, de repente, percebe que não há nada. É isso que continua. Nada além disso. Nada. Nada no sentido de "nenhuma coisa". E a coisa é pensamento, que é um processo material. Então, ele diz: "Eis o fim do pensamento."
Interrogante - E nesse nada não existe dualidade entre o ego e...
K - Não. Apenas o nada. Ele passou por conflitos, passou pelo inferno; ele batalhou, lutou.
Interrogante - Findar e sair são a mesma coisa?
K - Eu cometo um erro quando uso,a palavra "sair". A corrente é o egoísmo. O egoísmo procura eternizar-se - seja o meu, seja o seu... a humanidade vive presa nele. E isso é pensamento. E agora isto: "Nada de movimento; quando não há movimento, estamos fora dele" - não, não é "fora dele" - "'há algo mais". Então, aparece K e diz que nunca esteve envolvido em ciúme, ansiedade, dor, sexo e tudo mais. É aí que eu quero chegar. Punditji, penso - estou usando a palavra "penso", desculpe-me se uso essa palavra - será que, a não ser biologicamente, podemos ter uma psique que nunca se transforme num centro? Compreende minha pergunta? No momento em que se vê isso, estamos livres disso, acabou.
JU - Por favor, explique isso um pouco mais.
K - Senhor, fazemos a idéia de uma senda, uma meta, uma realização. O caminho exige disciplina, controle, sacrifício, todo esse horror. Mas surge alguém como K e diz: "Não caia nessa tolice... Fique atento à natureza, observe todos os sentidos e veja como eles criam o ego, e assim por diante. Se perceber isso como um tremendo movimento, num relance estará fora disso. Nada de escalada, sacrifício, renúncia, disciplina, prática - tudo isso é enganoso! Não me sinto inclinado a isso; não quero praticar."
Interrogante - Será que o compreendi bem? O que o senhor diz é que tudo aquilo que estivemos descrevendo é a consciência.
K - Sim, foi o que dissemos.
Interrogante - Foi o que o senhor disse. Ora...
K - O que é parte do egoísmo.
Interrogante - Sim, é o ego.
K - Fiquemos aí; é o egoísmo.
Interrogante - Então, o que o senhor disse por último, se compreendo...
K - Veja a inutilidade.
Interrogante - O senhor estava dizendo, há pouco, que elimina o tempo disso. Na compreensão disso, não entra o tempo. No momento em que passa, termina.
K - E eu tenho dúvidas quanto a isso. Indago se não me estarei enganando a mim próprio. Portanto comecei duvidando de tudo e termino duvidando. O senhor está perdendo algo. Comecei questionando, duvidando e perguntando. Não, perguntando a alguém - apenas perguntando. E termino duvidando, questionando e perguntando. E deixo essa pergunta viva. Não digo: "Existe alguma resposta?" Essa pergunta destrói tudo.
Interrogante - Não há conclusão alguma?
K - Punditji, o senhor e eu mantemos um diálogo. O senhor faz uma pergunta e eu respondo a ela. Em seguida, o senhor responde a essa pergunta. E continuamos assim - perguntando e respondendo. Chegamos a um ponto em que a própria pergunta é a resposta. A própria pergunta é tão vital, que rompe...
Interrogante - Acho que ajudaria muito se o senhor descrevesse esse estado outra vez. O senhor mencionou, antes, que K duvida dele, que nunca o experimentou; mas ele duvida também da ausência de pergunta, da ausência de experiência. Depois ele disse que a pergunta permanece e que a pergunta é a resposta. Poderia acrescentar algo mais? Basta repetir a mesma coisa. Isso ajudaria.
K - Aparece K, um estranho homem vindo do misterioso Himalaia, e pergunta: "Para que passar por tudo isso - os Budas, Cristo, disciplina, sacrifício, renúncia, controle? Não faça isso. Há algo mais." Portanto veja como tudo isso é inútil. Quando realmente perceber quão profundamente inútil é isso e quando perguntar por que isso surgiu e ficar com a pergunta, não procure uma resposta; a própria pergunta desabrocha e fenece. Como uma flor. Se deixarmos a flor em paz e simplesmente a observarmos cuidadosamente, a flor desabrocha e fenece - e, então, não existe flor alguma - não há mais nada.
Interrogante - Posso ir mais fundo? Disso o senhor já falou; todos sabemos disso; já estivemos falando sobre a questão. Porém o senhor disse algo mais: que, mesmo depois de ver a totalidade dessa corrente, de investigá-la, de findar, o seu fluxo continua. A pergunta permanece.
K - Isso mesmo. Isso mesmo.
Interrogante - E é uma pergunta tão poderosa, tão importante...
K - Não é uma pergunta feita ao acaso. É o meu próprio sangue.
Interrogante - ... que, permanecendo, encerra uma carga explosiva que independe de mim; é como se libertasse...
K - Ela nada tem a ver comigo; é como um fogo queimando.
Madrasta, 13 de janeiro de 1985

(Do Boletim nº 50 da "Krishnamurti Foundation Trust Ltd.", Londres, 1986. Tradução de Cecília Guimarães Lisboa - Publicado na CARTA DE NOTÍCIAS - Julho a Dezembro de 1986, pela ICK).

O que é meditação e a mente iluminada

Meditação é o total "esvaziamento" da mente — e não pode se esvaziar a mente à força, de acordo com um certo método, escola ou sistema. Mais uma vez, é necessário perceber a extrema falácia de todos os sistemas. A prática de um sistema de meditação é busca de experiência; é esforço para alcançar uma experiência mais elevada, ou a experiência final; e quem compreende a natureza da experiência rejeita tudo isso, que se acaba para sempre, porque sua mente já não está seguindo ninguém; ela não busca experiência, e não tem nenhum desejo de visões. Toda a busca de visões, todo intento de aumentar a sensibilidade por meios artificiais, — drogas, disciplinas, rituais, adoração, oração — constitui atividade egocêntrica.

Nossa questão, pois, é a seguinte: Como pode a mente que se tornou superficial, por influência da tradição, pela ação do tempo, da memória, da experiência — como pode essa mente se libertar, sem esforço, de sua superficialidade? Como pode se tornar tão completamente desperta que a busca de experiência nada mais signifique? Compreendem? A mente que está toda iluminada não pede mais luz — ela própria é luz; e toda influência, toda experiência que penetra nessa luz, nela se consome de instante a instante, de modo que a mente está sempre clara, imaculada, inocente. Só a mente iluminada, a mente inocente pode ver o que está fora dos limites do tempo. E como pode nascer esse estado mental?

Krishnamurti - Saanen, Suiça, 30 de julho de 1964

David Bohm sobre Jiddu Krishnamurti

Meu primeiro contato com o trabalho de Krishnamurti foi em 1959, quando li seu livro “A Primeira e Última Liberdade”. O que mais despertou meu interesse foi o seu profundo conhecimento sobre a questão do observador e do observado. Esta questão foi por muito tempo o centro de meu próprio trabalho como físico teórico, pois o interesse principal estava focado no sentido da teoria quântica. Nesta teoria, pela primeira vez no desenvolvimento da física, a noção de que esses dois não podem existir separadamente, tem sido estabelecido como necessário para a compreensão das leis fundamentais da matéria em geral.

Devido a isso, e também porque o livro continha muitos outros insights profundos, senti que era urgente para mim falar com Krishnamurti, direta e pessoalmente, tão logo fosse possível. E quando o conheci, em uma de suas visitas a Londres, fiquei impressionado com a grande facilidade de comunicação com ele, que se tornou possível graças a intensa energia com que ele ouvia e por não ter reservas auto-protetoras ou barreiras em suas respostas às questões que coloquei. Como uma pessoa que trabalha com ciência, eu me senti completamente à vontade com este tipo de resposta, porque foi, em essência, a mesma qualidade que encontrei nos meus contatos, realizados com outros cientistas com quem havia me reunido para um estreito encontro de mentes. E aqui, lembro especialmente de Einstein, que demonstrou uma intensidade semelhante e uma ausência de obstáculos, em uma série de discussões que aconteceram entre nós. Depois disto, comecei a me reunir e conversar regularmente com Krishnamurti sempre que ele retornava a Londres.

. . . o trabalho de Krishnamurti está permeado por aquilo que é apontado como a essência da abordagem científica, quando esta é considerada na sua forma mais pura e plena. Assim, ele começa a partir de um fato, como a natureza dos nossos processos de pensamento. Este fato é estabelecido através de uma atenção especial, envolvendo a escuta atenta do processo da consciência, e sua constante observação. Nesse sentido, é um constante aprendizado, e surgindo desse aprendizado vem o insight sobre a inteira natureza do processo de pensamento. Esse insight é então testado. Primeiro, vemos se isso se mantém em uma ordem racional. E então vemos se o que sai disso leva ordem e coerência à vida como um todo.

Krishnamurti enfatiza o tempo todo, que em nenhum sentido ele é uma autoridade. Ele fez certas descobertas, e está simplesmente dando o melhor de si para tornar estas descobertas acessíveis a todos aqueles que são capazes de ouvir. Sua obra não contém um aspecto doutrinário, e ele não oferece qualquer técnica ou método para obtenção de uma mente silenciosa. Ele não está buscando a criação de qualquer novo sistema de crença religiosa. Ao contrário, cabe a cada ser humano descobrir por si mesmo o que Krishnamurti está apontando, e a partir daí, fazer novas descobertas sobre si próprio.

Este é um excerto de um artigo escrito pelo Dr. Bohm em 1982.

Texto extraído do site jkrishnamurti.org

Linguagem e multidimensionalidade


Fabio Novo - Linguagem e multidimensionalidade

Neurociências e o potencial ético das pessoas


Regina Migliori - Neurociências e o potencial ético das pessoas

Uma aula libertária

Servindo a onda da Luz

O que a razão não alcança


Por: Roberto Marinho
http://observareabsorver.blogspot.com

A forma suprema de segurança absoluta

O homem cego ao perigo é um tolo; há algo de errado com ele. Nós, entretanto, não vemos o perigo dessas ilusões nas quais buscamos segurança. O homem que age pela inteligência percebe o perigo. Nessa inteligência há segurança absoluta. O pensamento criou várias formas de ilusão - nacionalidades, classes, diferentes deuses, crenças, dogmas, rituais diferentes e as extraordinárias superstições religiosas que permeiam o mundo - e nelas ele tem procurado segurança. Não vemos o perigo dessa segurança, dessa ilusão. Quando percebemos esse perigo - não como uma idéia, mas como um fato real - esse ver é inteligência, a forma suprema de segurança absoluta. Portanto, existe uma segurança absoluta: é a de ver o verdadeiro no falso.

Autor: Krishnamurti - erguntas e Respostas - Cultrix

27 de janeiro de 2012

Quem é você fora seu nome e sua conta no banco?


Então, o que é a morte? Nós entendemos o que é a vida, ao menos o que consideramos vida — uma tremenda escravidão ao tempo. E o que é a morte? Existe a morte do organismo, estamos todos envelhecendo todo dia. No momento em que nascemos, vamos ficando mais e mais velhos e morremos. E nunca perguntamos: o que é a morte, o que ela significa? — enquanto vivemos — não quando chegamos ao fim dela. Enquanto vivos, nunca perguntamos o significado, a profundeza da morte. Nunca perguntamos qual é a profundeza da vida, viver. Deve haver alguma coisa intensamente significativa, viver, mas, nós a reduzimos a um reles caso pequeno.  Então, nunca perguntamos isso e certamente, nunca perguntamos o que é a morte. E, como dois amigos, vamos ver isso, não amedrontados, porque então, você nunca vai entendê-la. 

Então, como examinamos a questão do medo na semana passada e o fim do medo, deve haver o fim do medo para entendermos a natureza e a qualidade e a profundeza da morte. Como dissemos, biologicamente, organicamente, nos gastamos, dia após dia, o organismo. Vivemos erradamente, toda labuta, toda miséria, a confusão, o prazer, a dor, tremendo gasto de energia e ele vai chegando ao fim, isso é parte da morte. E também o que será que está morrendo fora a existência física, biológica, o que está morrendo? O que é o "eu"? Isto é, o "indivíduo", o ego, a pessoa, a "persona", o ego — vamos ficar com essa única palavra. O que é esse ego, o "eu"que vai morrer? Certo? E é disso que temos medo, não da morte. O "eu" que foi acumulado nesta vida como memória, conhecimento, experiência, o "eu", — meu egoísmo, minha ganância, minha ambição — todos os registros, gravações armazenadas no cérebro, o "eu", e temos medo que esse eu chegue ao fim. Então, temos que examinar detidamente o que é o "eu". 

Quem é você, fora seu nome e sua conta no banco, onde você vive e todo esse tipo de tolice, fora o eu físico, o corpo físico — você é alto, baixo — tirando tudo isso, que é você? Vocês já encararam isso? Vamos encarar agora, não tenham medo. 

O que é você? 

Você não é todas as memórias acumuladas? Memórias, prazer, dor, os cinquenta anos, ou trinta, ou dez dias de memória, você não é tudo isso? Memórias de seu prazer, a dor e a angústia de seu desejo, a solidão, a depressão, a luta, você não é tudo isso?... Que é tudo memória. Certo?

Olhem para isso como é agora, não digam: "Há alguma coisa superior além da memória?" Eu conheço esse jogo! Você pode inventar algo superior, que existe uma alma, e os hindus chamam de atman, e assim por diante, consciência superior, algo divino, algo muito, muito claro. Que é tudo teoria, absurdos, a realidade é o que você é. Esta vasta coleção de humanidade de memórias dos seres humanos. Se você é um grande técnico construindo a bomba atômica, a bomba de neutrons, você tem que acumular muito conhecimento e a morte pode chegar e você apenas diz: "Um momento, me deixe acabá-la". Que é todo o processo de juntar, dispensar, juntar. Certo? Você é isso. Isso é um fato. Mas, não gostamos de olhar para o fato. Gostamos de dizer: "Não, eu sou mais alguma coisa". Este "mais alguma coisa", é o desejo, o pensamento dizendo: "Isso é muito pouco, certamente sou uma coisa muito mais importante que isso". Então, essa é a invenção do pensamento. Então, você é o feixe de memórias reunidos pelo pensamento. Olhem isso! E a morte chega e diz: "Meu amigo, esse é o fim!" E você diz: "Espere, por favor, me deixe viver um pouco mais". 

Então, por favor, acompanhe de perto e você verá por si mesmo. Tempo é agora. O tempo está contido, o passado, o futuro é agora. Então, a morte é agora. Quer dizer, se sou apegado a minha mulher, a minha uma coisa ou outra, minha mobília, certo? Você não é apegado a alguma coisa? E a morte chega e diz: "É o fim disso". Corta isso. Então, você pode ficar livre do apego? Então, você está vivendo, vivendo e morrendo ao mesmo tempo. Vocês compreendem isto? Oh, não! Faça, senhor, e verá que uma coisa extraordinária acontece então. Se você está apegado às suas memórias, à sua experiência, ao seu fracasso, à sua ambição, tudo isso vai chegar a um fim. Então, pode você viver com a morte, que é acabar com sua ambição agora? E viver sem ambição significa tremenda energia, não fazer mais desordem. Então, a morte e vida estão sempre juntas. E, quando isto acontece, de fato, não teoricamente, não como imaginação, não desejar isso, mas, de fato, fazê-lo, ao que quer que você esteja apegado. Sei que é difícil se o marido diz para a esposa "Querida, não estou mais apegado a você". Ele terá muitos problemas. E isso traz um outro problema, um tremendo problema. Você pode estar livre do apego e ela não está ou ela está e você não. Então, o que é relação? Relação é meramente a acumulação de memória como prazer, dor? Relação é então meramente uma sensação? A imagem de cada um, isso é relação? E então, quando existem estas imagens separadas, há conflito, dor e angústia. Então, onde há dor, angústia, medo, o amor não está. Então, morte e vida sempre marcham juntas.  Então, há esse sentido de absoluta liberdade da minha pequena labuta. E isso é necessário para compreender aquilo que é eterno — se existe tal coisa como eternidade. Vamos falar sobre isso numa outra vez, mas ver tudo isto como um movimento de vida: morrer e viver. Portanto nesse sentido, você nunca matará o outro, nunca deliberadamente ferirá o outro. Certo, senhores, acabou. 

Krishnamurti - 3ª Palestra em Ojai, 26 de maio de 1984 - A atenção é como fogo. 


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