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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

19 de janeiro de 2012

Existe segurança psicológica?

Foto: njro.fot.br

2º Diálogo realizado entre David Bohm (Físico), David Shainberg (Psiquiatra), e J.Krishamurti em Brockwood Park em Maio de 1976

K: Vamos continuar a falar sobre o que conversamos ontem ou vocês gostariam de começar algo novo?

Bohm: Acho que havia um ponto que não estava totalmente claro quando discutimos ontem. Qual seja, nós admitimos mais propriamente que a segurança psicológica era errada, era ilusão, mas em geral, acho que não tornamos muito claro o por que de ser uma ilusão. A maioria das pessoas considera que a segurança psicológica é uma coisa real e muito necessária e quando ela é perturbada ou quando a pessoa está com medo, ou infeliz ou mesmo tão perturbada que pode ficar psicologicamente perturbada e precisar de tratamento. Ela sente que a segurança psicológica é necessária antes mesmo que possa c começar a fazer alguma coisa.

K: Sim, certo.

Bohm: E acho que não está de todo claro por que se deveria dizer que ela não é realmente tão importante quanto a segurança física. 

K: Sim. Não acho que deixamos isso razoavelmente claro, não? Mas, vamos examinar. 

Bohm: Sim.

K: Existe realmente segurança psicológica absoluta?

Bohm: Acho que não discutimos isso completamente da última vez.

K: Claro. Ninguém aceita isso. Mas estamos examinando, entrando nesse problema.

Shainberg: Mas acho que dissemos algo ainda mais profundo ontem e é que — pelo menos foi como resumi para mim mesmo e é que sentimos — corrijam-me se acharem que estou errado aqui, que o condicionamento estabelece o nível de importância da segurança psicológica e isso por sua vez cria insegurança. E é  o condicionamento que cria a segurança psicológica como um foco. Vocês concordariam com isso?

K: Acho que queremos dizer uma coisa diferente.

Shainberg: O que querem dizer?

K: Em primeiro lugar, senhor, tomamos como certo que existe segurança psicológica.

Shainberg: Ok. Bem, pensamos que podemos alcançá-la.

K: Sentimos que existe.

Shainberg: Certo. Está certo.

Bohm: Sim, acho que se você dissesse a alguém que estivesse se sentindo muito perturbado mentalmente, que não existe segurança psicológica, ele apenas se sentiria pior.

K: Colapso. Naturalmente.

Shainberg: Certo.

K: Estamos falando de pessoas razoavelmente sensatas, racionais.

Shainberg: Ok.

K: Estamos questionando se existe alguma segurança psicológica de fato, permanência, estabilidade, um sentimento de existência psicologicamente bem fundamentada, bem arraigada, estável.

Shainberg: Talvez, se pudéssemos falar mais, o que seria segurança psicológica?

K: No final, eu creio. Creio em alguma coisa. Pode ser a crença mais tola, uma crença neurótica. Acredito nisso.

Shainberg: Certo.

K: Isso lhe confere uma tremenda sensação de existência, vida, vitalidade e estabilidade.

Bohm: Acho que você podia pensar em dois exemplos, um é que se eu pudesse realmente acreditar que depois de morrer iria para o céu e estar totalmente certo disso, então eu ficaria muito seguro internamente, não importa o que aconteça.

Shainberg: Isso faria você se sentir bem.

Bohm: Eu diria, não preciso realmente me preocupar, pois tudo é um problema temporário e então fico bastante seguro que com o tempo tudo vai ficar muito bem. Entendem?

K: Essa é mais ou menos a atitude dos asiáticos.

Bohm: Ou, se me considero um comunista, então digo com o tempo o comunismo vai resolver tudo e vamos passar por muitos problemas agora mas, tudo vai valer a pena e vai funcionar, e no fim tudo ficará bem.

Shainberg: Certo.

Bohm: Se eu pudesse estar certo disso então, eu diria que me sinto muito seguro internamente, mesmo se as condições forem difíceis.

Shainberg: Ok. Certo.

K: Assim, estamos questionando, embora a pessoa tenha estas fortes crenças que lhe conferem uma sensação de segurança, permanência, se isso existe na realidade, de fato...

Shainberg: Não é possível. A pergunta é: isto é possível?

K: Isto é possível? Posso acreditar em deus e isso me dá tremenda sensação da impermanência deste mundo mas, pelo menos, existe permanência em outro lugar.

Shainberg: Sim. Mas quero perguntar uma coisa ao David. Você acha que, por exemplo, um cientista, um sujeito que vai todo dia ao seu laboratório, ou pegamos um médico, ele está obtendo segurança. Consegue segurança na própria "automatização" de sua vida.

K: De seu conhecimento.

Shainberg: Sim, de seu conhecimento. Se ele continua fazendo isto, sente segurança. Com o cientista, onde ele consegue segurança?

Bohm: Ele acredita que está estudando as leis permanentes da natureza e realmente chegando a algo que significa alguma coisa.  Também alcançando uma posição na sociedade e estando confiante, sendo bem conhecido e respeitado e financeiramente seguro.

Shainberg: Ele acredita que estas coisas lhe darão a coisa (segurança). A mãe acredita que seu filho lhe dará segurança.

K: Psicologicamente você não tem segurança?

Shainberg: Sim. Ok. Certo. Esse é um bom ponto. Obtenho segurança a partir de meu conhecimento, de minha rotina, de meus pacientes, de ver meus pacientes, de minha posição.

Bohm: Mas nisso há conflito porque, se penso mais um pouco, duvido disso, questiono isso. Digo, não parece de todo seguro, qualquer coisa pode acontecer. Pode haver uma guerra, pode haver uma depressão, pode haver uma inundação.

K: Pode haver de repente uma porção de gente sensata no mundo!... (risos)

Shainberg: Você acha que há uma chance?

Bohm: Então eu digo que há conflito e confusão em minha segurança, pois, não estou certo a respeito.

Shainberg: Você não está seguro a respeito disso.

Bohm: Mas, se tenho uma crença absoluta em deus e no paraíso...

K: Isto é tão óbvio.

Shainberg: É óbvio. Concordo com você, mas acho que tem que ser em outras palavras, tem que ser realmente sentido por você.

K: Senhor, você, Dr.Shainberg, você é a vítima.

Shainberg: Serei a vítima.

K: Por hora. Você não tem uma forte crença?

Shainberg: Certo. Bem, eu não diria...

K: Você não tem uma sensação de permanência em algum lugar dentro de você?

Shainberg: Certo. Acho que sim.

K: Psicologicamente?

Shainberg: Sim, tenho. Tenho uma sensação de permanência sobre minha intenção.

K: Intenção, seu conhecimento.

Shainberg: Meu trabalho. Meu conhecimento.

K: O status.

Shainberg: Meu status, a continuidade de meu interesse. Sabe o que quero dizer?

K: Sim.

Shainberg: Há uma sensação de segurança no sentido de que posso ajudar alguém e posso fazer meu trabalho. Ok?

K: Sim. Isso lhe dá segurança, segurança psicológica.

Shainberg: Há alguma coisa a respeito dele que é segura. O que estou dizendo quando falo "segurança"? Estou dizendo que não estarei sozinho.

K: Não, não. Sentir-se seguro, que você tem algo que é imperecível.

Shainberg: O que significa...Não, não sinto desse modo. Sinto mais no sentido de o que vai acontecer com om tempo, vou ter que depender de o que vai ser da minha vida, vou ficar sozinho, ela vai ser vazia. Isto não é segurança?

K: Não, senhor. Como apontou o Dr. Bohm, se a pessoa tem uma forte crença na reencarnação, como todo o mundo asiático tem, então não importa o que aconteça, na próxima vida você terá uma chance melhor. Você pode ser miserável nesta vida mas, na próxima será mais feliz. Isso lhe dá uma grande sensação de segurança de "isto não é importante, mas aquilo é importante". E isso me dá uma sensação de grande conforto como, "Bem, de todo modo este é um mundo transitório e eventualmente chegarei lá, em alguma coisa permanente". Isto é humano...

Shainberg: Certo. Isto é no mundo asiático mas, acho que no mundo ocidental você não tem isso.

K: Oh, sim, você tem isso.

Shainberg: Com um foco diferente.

K: Naturalmente.

Bohm: É diferente, mas você sempre tem a busca por segurança.

Shainberg: Certo, certo. Mas, o que você acha que é segurança? Você se tornou cientista, foi para o laboratório, pegou nos livros todo o tempo. Certo? Nunca foi ao laboratório, mas teve seu próprio laboratório. Que diabos chama de segurança?

K: Segurança?

Bohm: Sim, mas o que ele chama de sua segurança? Conhecimento?

K: Ter alguma coisa a que você possa se agarrar e que não é perene. Pode parecer eventualmente mas, por hora, por enquanto, está lá para se segurar.

Bohm: Você pode sentir que ela é permanente. No passado, as pessoas costumavam a acumular ouro, porque o ouro é o símbolo do imperecível, elas podiam sentir.

Shainberg: Ainda temos pessoas que acumulam ouro. Temos homens de negócios, eles têm dinheiro.

Bohm: Você sabe que está lá de fato. Nunca vai se corroer, nunca vai sumir e você pode contar com ele.

Shainberg: Então, é uma coisa com que possa contar.

K: Contar com, segurar, agarrar-se, se apegar.

Shainberg: Acreditar em, o "eu".

K: Exatamente.

Shainberg: Eu sei que sou um médico. Posso confiar nisso. Conhecimento, experiência.

K: Experiência. E, por outro lado, tradição.

Shainberg: Tradição. Sei que se fizer isto com um paciente, terei este resultado. Posso não ter um bom resultado, mas terei aquele.

K: Então, acho que isso está bastante claro.

Bohm: Sim, está bastante claro que nós temos isso que faz parte de nossa sociedade.

K: Parte do nosso condicionamento.

Bohm: Nós queremos alguma coisa segura e permanente. A menos assim achamos.

Shainberg: Acho que o ponto de Krishnaji sobre o mundo oriental é que existe, acho, um sentimento no ocidente de querer a imortalidade.

K: É o mesmo. A mesma coisa.

Bohm: Você não diria que tanto quanto o pensamento pode projetar o tempo, o que ele quer, tanto quanto possível, ser capaz de projetar todas as coisas muito bem no futuro?

Shainberg: É isso que eu quis dizer quando falei de solidão: se não tenho que ter minha solidão.

Bohm: Em outras palavras, a antecipação do que está por vir já é o sentimento presente. Se você pode antecipar que alguma coisa ruim pode chegar, você já se sente mal. Portanto, você iria querer se livrar dela.

K: está certo.

Shainberg: Então você antecipa que ela não acontecerá.

Bohm: Que tudo será bom.

K: Certo.

Bohm: Eu diria que segurança seria a antecipação de tudo o que estará bem no futuro.

K: Bem. Tudo estará certo.

Shainberg: Continuará.

Bohm: Se tornará melhor. Se não está tão bom agora, se tornará melhor com certeza.

Shainberg: Desse modo, então, segurança é tornar-se?

K: Sim, tornar-se, aperfeiçoar-se.

Shainberg: Estava pensando no que vocês estavam dizendo outro dia sobre o brâmane. Qualquer um pode se tornar um brâmane, então, isso lhe dará segurança.

K: Isto é, uma crença projetada. Uma idéia projetada, um conceito confortante, satisfatório.

Shainberg: Certo. Vejo pacientes o tempo todo. A crença projetada deles é "Eu me tornarei — Eu encontrarei alguém para me amar". Vejo pacientes que dizem "Me tornarei chefe do departamento, um dia me tornarei o médico mais famoso, vou me tornar..." e a vida dele toda segue sempre assim. Porque tudo também está focado em ser o melhor tenista, o melhor...

K: Naturalmente, naturalmente.

Bohm: Parece que tudo está focado em antecipar que a vida vai ser boa, você diria isso?

K: Sim, a vida vai ser boa.

Bohm: Parece-me que você não levantaria a questão a menos que tivesse muita experiência de que a vida não é tão boa. É uma reação por ter tido tantas experiências de desapontamento, de sofrimento.

K: Você diria que nós não estamos cônscios do total movimento do pensamento?

Bohm: Não, não quero dizer, acho que a maioria das pessoas diria que é só natural, eu tive uma porção de experiências de sofrimento e desapontamento e perigo, e isso é desagradável e eu gostaria de ser capaz de antecipar que tudo vai ficar bem.

K: Sim.

Bohm: A primeira vista pareceria que é realmente muito natural. Mas agora você está dizendo que não é, existe alguma coisa profundamente errada nisso.

K: Estamos dizendo que não existe tal coisa como segurança psicológica. Nós definimos o que queremos dizer com segurança. Não temos que repisar isso vezes e vezes.

Shainberg: Não, acho que captamos isso.

Bohm: Sim, mas está claro agora que, veja, estas esperanças são de fato esperanças vãs, isso deveria ser óbvio, não deveria?

Shainberg: Essa é uma boa pergunta. Você quer dizer, Krishnaji, ele está levantando uma boa pergunta, é este negócio todo de você dizer que não tem sentido buscar segurança. Existe tal coisa?

K: Senhor, existe morte no fim de todas as coisas.

Bohm: Sim.

K: Você quer estar seguro nos próximos dez anos, isso é tudo, ou cinquenta anos. Depois não importa. Ou, se isso importa, então você acredita em alguma coisa: que deus existe, que você vai sentar perto de deus à sua direita, ou seja o que for em que acredite. Assim, estou tentando descobrir, não apenas que não existe permanência psicologicamente, que significa nenhum amanhã psicologicamente.

Bohm: Isso ainda não aconteceu.

K: Claro, claro.

Bohm: Podemos dizer empiricamente que sabemos que estas esperanças de segurança são falsas porque, primeiro você diz que existe a morte, depois, você não pode confiar em nada, materialmente tudo muda.

K: Tudo está fluindo.

Bohm: Mentalmente tudo em sua cabeça está mudando o tempo todo. Você não pode se fiar em seus sentimentos, não pode confiar que vai apreciar certa coisa que você aprecia agora, não pode confiar em ser saudável, não pode confiar no dinheiro.

K: E não pode confiar em sua esposa, não pode confiar em nada.

Shainberg: Certo.

Bohm: Então, esse é um fato. Mas estou dizendo que você está sugerindo algo mais profundo.

K: Sim.

Bohm: Não nos baseamos apenas nessa observação.

K: Não, isso é muito superficial.

Shainberg: Sim, concordo com você aí.

K: Então, se não existe segurança real, fundamental, profunda, então, existe um amanhã, psicologicamente?... E então você afasta toda esperança. Se não existe amanhã você afasta toda esperança.

Bohm: Você quer dizer com amanhã o amanhã em que as coisas ficarão melhores?

K: Melhores, mais sucesso, maior compreensão, mais amor, vocês sabem, esse negócio todo.

Shainberg: Está um pouco rápido, esse salto. Eu acho que há um salto aí porque, segundo ouvi, ouvi você dizer que não há segurança.

K: Mas isso é assim.

Shainberg: É assim. Mas, para eu dizer, realmente dizer "Veja, sei que não existe segurança".

K: Por que você não diz isso?

Shainberg: É nisso que estou chegando. Por que não digo isso?

Bohm: Bem, primeiramente, não é um fato — apenas um fato observado — que não existe nada em que você possa confiar psicologicamente?

Shainberg: Certo. Mas veja, eu acho que há uma ação aí. Krishnaji está dizendo "por que você não diz?". "Por que não diz que não existe segurança?" Por que não digo?

K: Posso: Sou capaz?  Você racionaliza o que estamos dizendo sobre segurança? Diz "sim", como uma ideia ou realmente como um fato?

Shainberg: Eu de fato digo que é assim, mas daí digo, vou continuar fazendo isso, vou continuar fazendo isso.

K: Não, não. Estamos perguntando: quando você escuta que não existe segurança é uma ideia abstrata? Ou um fato real, como essa mesa, como sua mão aí, ou aquelas flores?

Shainberg: Eu acho que em geral se torna uma ideia.

K: É exatamente isso.

Bohm: Por que se torna uma ideia?

Shainberg: É isso. Por que? Acho que essa é a questão, por que se torna uma ideia?

K: É parte de seu aprendizado?

Shainberg: Sim. Parte de meu condicionamento.

K: Parte de uma objeção real para ver as coisas como ela são.

Shainberg: Está certo. Porque se move. Parece que se move aí. Você sente isso?

Bohm: Parece que se você vê que não existe segurança, então o ego, quer dizer, parece, primeiro, vamos tentar mostrar que existe alguma coisa que parece estar ali, que tenta se proteger, ou seja, isto é, digamos que parece ser um fato que o ego está ali. Você percebe a que estou me referindo?

K: Naturalmente.

Bohm: E se o ego está ali, ele requer segurança e, portanto, isto cria uma resistência para aceitar isso como um fato e coloca apenas como uma ideia. Se você entende o que quero dizer. Parece que, a realidade do ego estar ali não foi negada. A aparente realidade.

Shainberg: Certo. Mas por que não foi? Por que você acha que não foi? O que aconteceu?

K: É que você se recusa a ver as coisas como elas são? É que a pessoa se recusa a ver que é estúpida? Não você, quero dizer, a pessoa é estúpida. Reconhecer que a pessoa é estúpida já é — entende?

Shainberg: Sim, sim. É como, você me diz "Você se recusa a reconhecer que você é estúpido" — digamos que sou eu — isso significa então que tenho que fazer alguma cisa, parece.

K: Não.

Shainberg: Alguma coisa acontece comigo.

K: Não ainda. A ação surge pela percepção, não pela ideação.

Shainberg: Fico feliz por você estar entrando nisto.

Bohm: Não parece que enquanto existe a sensação do ego, o ego deve dizer que ele é perfeito, eterno. Entende?

K: Claro, naturalmente.

Shainberg: O que você acha que é? O que torna tão difícil dizer... é isto que você quer dizer quando fala sobre a destruição na criação?

K: Sim.

Shainberg: Em outras palavras, existe alguma coisa aqui sobre a destruição que não sou eu.

K: Você tem que destruir isso.

Shainberg: Tenho que destruir isso. Agora, o que torna difícil para mim destruir? Quero dizer, destruir esta necessidade de segurança, por que não posso?

K: Não, não. Não é como você pode fazê-lo. Veja, você já está entrando no campo da ação.

Shainberg: Que eu acho ser o ponto crucial.

K: Mas não estou. Eu digo primeiro veja isso e, a partir dessa percepção a ação é inevitável.

Shainberg: Sim. É crucial. Tudo bem, agora. Ver a insegurança. Você vê a insegurança? De fato a vê?

K: O quê?

Shainberg: Insegurança.

K: Ah, não. Você de fato vê...

Shainberg: Não existe segurança.

K: Não, que você está agarrado a alguma coisa, crença e todo o resto disso, que lhe dá segurança.

Shainberg: Ok.

K: Eu me agarro a esta casa. Estou seguro. Isso me dá a sensação de "Minha casa, meu pai, me dá orgulho, me dá uma sensação de posse, me dá uma sensação de segurança física e, portanto, psicológica".

Shainberg: Certo, e um lugar para ir.

K: Um lugar para ir. Mas eu posso sair e ser morto e perdi tudo. Pode haver um terremoto e tudo se acaba.  Você de fato vê isso?

Shainberg: Eu de fato...

K: Senhor, vá até um homem pobre. Ele diz, naturalmente, não tenho segurança, mas ele quer ter. Ele diz, "Bem, me dê um bom emprego, cerveja, trabalho fixo e uma casa, e uma boa esposa e filhos; essa é a minha segurança".

Shainberg: Certo.

K: Quando há uma greve, ele se sente perdido. Mas tem o sindicato por trás dele.

Shainberg: Certo. Mas ele acha que está seguro.

K: Seguro. E esse movimento de segurança penetra no campo psicológico. Minha esposa, eu creio em deus, eu não creio em deus. Se sou um bom comunista estarei bem — entende? A coisa toda. Você vê isso?... Veja, o ver ou a percepção disso é ação total em relação à segurança.

Shainberg: Posso ver que essa é a ação total.

K: Não, essa é ainda uma ideia.

Shainberg: Sim, você está certo. Começo a ver que esta estrutura, toda esta estrutura começa a ser o modo inteiro pelo qual vejo tudo no mundo. Começo a vê-la, a esposa, ou começo a ver estas pessoas, elas se encaixam nessa estrutura.

K: Você as vê, sua esposa, através da imagem que tem delas.

Shainberg: Certo. E da função a que servem.

Bohm: A relação delas comigo, sim.

K: Sim.

Shainberg: Está certo. Essa é a função a que servem.

K: A figura, a imagem, a conclusão é a segurança.

Shainberg: Está certo.

Bohm: Sim, mas veja, por que ela se apresenta como tão real? Veja, existe um... vejo como um pensamento, um processo do pensamento que prossegue, continuamente.

K: Você está perguntando por que esta imagem, esta conclusão, este tudo mais, tornou-se tão fantasticamente real?

Bohm: Sim. Parece estar parado ali de verdade e tudo se refere a ele.

K: Mais real que os mármores, que as montanhas.

Bohm: Do que tudo, sim.

Shainberg: Mais real que qualquer coisa.

K: Por quê?

Shainberg: Acho difícil dizer por que, exceto que parece... porque me daria segurança...

K: Não, não, não. Nós já fomos muito mais longe que isso.

Bohm: Porque, suponha abstratamente e como uma ideia, podemos ver a coisa toda como sem segurança de fato, quer dizer, apenas olhando para ela racionalmente e abstratamente.

Shainberg: Isso é pôr o carro na frente dos bois.

Bohm: Não, só estou dizendo que se fosse um assunto simples, mostrando tanta prova, você já teria aceitado.

Shainberg: Certo.

Bohm: Mas, quando você se chega a isto, nenhuma prova parece funcionar.

Shainberg: Certo. Nada parece funcionar.

Bohm: Porque parece... Você diz tudo isso, mas aqui estou eu de frente para a sólida realidade de mim mesmo e minha segurança, que parece negar, há uma espécie de reação que parece dizer: bem, isso pode ser plausível mas realmente, são só palavras. A coisa real sou eu. Entende?

Shainberg: Mas há mais do que isso. Por que isso tem tal potência? Quero dizer, por que parece assumir tal importância?

Bohm: Bem, pode ser. Mas estou dizendo que parece que a coisa real sou eu que é de grande importância.

Shainberg: Não há dúvida sobre isso. Eu, eu, eu sou importante.

K: O que é uma ideia.

Bohm: Mas não... podemos dizer abstratamente que é uma ideia. A pergunta é, como você rompe este processo?

K: Não. Eu acho que podemos rompê-lo ou atravessá-lo, ou ir além dele apenas pela percepção.

Bohm: Sim. Porque de outro modo todo pensamento está envolvido nisso e portanto...

Shainberg: Porque vou atravessá-lo, porque vai me fazer sentir melhor. Certo.

Bohm: O problema é que tudo isso que estivemos falando sobre, está sob a forma de ideias. Podem ser ideias corretas, mas não vão romper isto, porque isto domina a totalidade do pensamento.

Shainberg: Certo.  Está certo. Você poderia até perguntar por que estamos aqui. Estamos aqui porque...

K: Não, senhor. Olhe, se sinto que a minha segurança está em alguma imagem que tenho, um quadro, um símbolo, uma conclusão, um ideal e assim por diante, eu a colocaria não como uma abstração, mas a traria para baixo. Veja, é assim. Eu acredito em alguma coisa. De fato. Agora digo, por que acredito?

Bohm: Bem, você de fato fez isso?

K: Não, não fiz porque não tenho crenças. Não tenho figuras, não entro em todos esses tipos de jogos. Eu disse "se".

Shainberg: Se, certo.

K: Então, eu traria a coisa abstraída para uma realidade perceptiva.

Shainberg: Para ver minha crença, é isso?

K: Veja isso.

Shainberg: Ver minha crença. Certo. Ver esse "eu" em operação.

K: Sim, se você quer colocar desse modo. Senhor, um momento. Pegue uma coisa simples... Você tem uma conclusão sobre alguma coisa? Conclusão, um conceito?

Shainberg: Sim. Sim, acho que tenho.

K: Agora, um momento. Como isso surgiu?

Shainberg: Bem, através...

K: Pegue uma coisa simples, não complicada, pegue uma coisa simples. Um conceito de que sou inglês.

Bohm: O problema é que nós provavelmente não nos sentimos apegados a esses conceitos.

K: Certo.

Shainberg: Vamos pegar um que é real para mim: pegue aquele sobre eu ser médico.

K: Um conceito.

Shainberg: Isso é um conceito. É uma conclusão baseada no aprendizado, baseada na experiência, baseada na apreciação do trabalho.

K: Que significa o quê? Um médico significa, a conclusão significa que ele é capaz de certas atividades.

Shainberg: Certo, ok. Vamos pegar isso, concretamente.

K: Concretamente. Trabalhar isso.

Shainberg: Assim, agora tenho o fato que existe um fato concreto que eu tive este aprendizado, tenho este prazer com o trabalho, tenho um tipo de realimentação, tenho toda uma comunidade mantida. Livros que escrevi, trabalhos, posições.

K: Continue, continue.

Shainberg: Tudo bem. Tudo isso. Agora, essa é a minha crença.

K: Sim.

Shainberg: Essa crença de que sou um médico baseia-se nisso tudo, esse conceito.  Ok. Ora, eu continuamente ajo para continuar com isso.

K: Sim, senhor, isso está entendido.

Shainberg: Ok.

K: Portanto, você tem uma conclusão. Você tem o conceito de que é um médico.

Shainberg: Certo.

K: Porque se baseia em conhecimento, experiência, atividade diária.

Shainberg: Certo, certo.

K: Prazer e tudo mais.

Shainberg: Certo.

K: Então, o que é real nisso? O que é verdadeiro nisso? Real?

Shainberg:  O que você quer dizer?

K: Real, de fato?

Shainberg: Bem, essa é uma boa pergunta. O que é real?

K: Não, espere, é tão simples. O que é verdadeiro nisso? Seu aprendizado.

Shainberg: Certo.

K: Seu conhecimento. Seu procedimento diário. Isso é tudo. O resto é uma conclusão.

Bohm: Mas, o que é o resto?

K: O resto: Eu sou muito melhor que o outro.

Bohm: Ou esta coisa vai me manter ocupado satisfatoriamente.

K: Eu nunca ficarei sozinho.

Shainberg: Certo. Sei o que vai acontecer com "X" porque tenho este conhecimento.

K: Sim. Então?

Bohm: Bem, essa é uma parte disso.

K: Claro, muito mais.

Shainberg: Sim, vá em frente. Quero ouvir o que você...

Bohm: Mas, também não existe certo medo de que se não tenho isto, então as coisas vão ficar bem ruins?

Shainberg: Certo. Ok.

Bohm: E esse medo parece estimular...

K: Claro. E se os pacientes não voltarem?

Bohm: Daí não tenho dinheiro.

K: Medo.

Shainberg: Daí sem atividades.

K: Então, solidão. Volta.

Shainberg: De volta outra vez. Certo.

K: Então, fique ocupado.

Shainberg: Fique ocupado fazendo isto, completando este conceito. Ok?

K: Fique ocupado.

Shainberg: Certo. É muito importante! Percebe como isso é importante para as pessoas, para todos, todas as pessoas, estar ocupado?

K: Naturalmente.

Shainberg: Você entende o cerne disso?

K: Naturalmente.

Shainberg: Como é importante para a pessoa ficar ocupada? Posso vê-las dando voltas.

K: Uma dona de casa está ocupada.

Bohm: Exatamente.

K: Tire essa ocupação, ela diz, por favor...

Shainberg: Temos isso como um fato. Desde que colocamos equipamento elétrico nas casas as mulheres estão ficando malucas, elas não tem nada para fazer com o tempo delas.

K: Mas, não. O resultado disto, negligenciar seus filhos. Nem me fale sobre isso!


Shainberg: Certo. Ok. Vamos continuar. Agora temos este fato, ocupado.

K: Ocupado. Agora, esta ocupação é uma abstração, ou uma realidade?

Shainberg: Isto é uma realidade.

K: O quê?

Shainberg: Realidade. Estou realmente ocupado.

K: Não.

Bohm: O que é isso?

K: Você está realmente ocupado?

Shainberg: Sim.

K: Diariamente.

Shainberg: Diariamente.

K: O que você quer de fato dizer com ocupado? Veja...

Shainberg: O que quer dizer?

Bohm: Posso dizer que estou de fato fazendo todas as coisas. Isso está claro. estou vendo pacientes como médico.

Shainberg: Você está indo fazer seu trabalho.

Bohm: Estou fazendo meu trabalho, ganhando minha recompensa e por aí vai. "Ocupado" me parece, tem um significado psicológico, mais do que esse que minha mente está nessa atividade de modo relativamente harmonioso. Vi uma coisa na televisão certa vez de uma mulher que estava altamente perturbada e foi mostrado no encefalógrafo quando ela estava ocupada fazendo somas aritméticas, o encefalógrafo movia-se suavemente.  Ela parava de fazer contas e ele movia-se para todo lado. Portanto, ela tinha que ficar fazendo alguma coisa para manter o cérebro trabalhando direito.

K: Que significa o quê?

Shainberg: Vá em frente.

Bohm: O que isso significa?

K: Um processo mecânico.

Shainberg: Está certo.

Bohm: Parece que o cérebro começa a pular para todo lado a menos que tenha esta atividade.

K: Uma constante...

Bohm: Satisfação.

K: Assim, você se reduziu a uma máquina.

Shainberg: Não diga isso! (risos)... Não, isso não é justo. Mas é verdadeiro. Sinto que há mecânicas...

K: Reações.

Shainberg: Oh, sim, comprometimento.

K: Claro.

Bohm: Mas, por que o cérebro começa a ficar tão descontrolado quando não está ocupado?

Shainberg: Está certo.

Bohm: O cérebro começa a pular sem controle quando não está ocupado. Essa parece ser uma experiência comum.

K: Porque na ocupação existe segurança.

Bohm: Existe ordem.

K: Ordem.

Shainberg: Na ocupação existe um tipo de ordem mecânica.

K: Ordem mecânica.

Bohm: Então, sentimos que nossa segurança realmente significa que queremos ordem. Está certo?

K: É isso!

Bohm: Queremos ordem dentro do cérebro. Queremos ser capazes de projetar ordem no futuro, para sempre.

K: Está certo.

Shainberg: Está certo. Você diria que pode consegui-la pela ordem mecânica?

Bohm: Mas então ficaremos insatisfeitos com ela, você diz "Estou ficando doente, entediado, estou cansado desta vida mecânica, quero uma coisa mais interessante".

K: É aí que entram os gurus! (risos)

Bohm: E a coisa fica descontrolada outra vez. A ordem mecânica não vai satisfazer isso porque ela só funciona por pouco tempo.

Shainberg: Não gosto do modo como alguma coisa está se insinuando aí. Você diz que vamos passando como de uma coisa a outra. Estou buscando satisfação e, portanto, não estou satisfeito.

Bohm: Estou procurando alguma ordem habitual que é boa. E acho que através do meu trabalho como médico consigo isso.

Shainberg: Sim.

Bohm: Mas, depois de um tempo começo a sentir que é muito repetitivo, estou ficando entediado.

Shainberg: Ok. Mas, suponha que isso não aconteça... Suponha que algumas pessoas se tornam satisfeitas com a ordem mecânica.

Bohm: Elas não ficam realmente. Portanto, tornam-se embotadas.

K: Exato. Mecânicas; tão mecânicas que não... e você não interrompe esse mecanismo, o cérebro fica descontrolado.

Shainberg: Está certo.

Bohm: Então elas podem sentir que estão um pouco embotadas e gostariam de alguma diversão, ou alguma coisa mais interessante e excitante. E, portanto, há uma contradição, há conflito e confusão na coisa toda.  Pegue esta mulher que poderia sempre ter tudo certo fazendo somas aritméticas, mas você não pode permanecer fazendo contas! (risos)... Quero dizer, alguma hora ela vai ter que parar de fazer estas contas.

Shainberg: Certo.

Bohm: Então, o cérebro dela vai ficar descontrolado novamente.

K: Ele está perguntando o que o está perturbando. Ele sente que não chegou ao ponto. O que o está perturbando?

Shainberg: Você está certo.

K: O que está lhe perturbando?

Shainberg: Bem, é este sentimento que, as pessoas dirão que...

K: Não, você diz, você.

Shainberg: Eu direi, digamos... eu posso ter ordem, posso ter essa ordem mecânica, e posso.

K: Sim, você pode.

Shainberg: Ao me ocupar com algo que gosto.

K: Continue. Prossiga.

Shainberg: Posso fazê-lo. Posso fazer algo que gosto e isso fica aborrecido, digamos, ou pode ficar repetitivo, mas então encontrarei novas coisas nisso. E então farei essa coisa mais vezes, porque isso me dá prazer.  Eu tiro disso uma satisfação. Então continuo fazendo mais isso. É como um processo acumulativo.

K: Não, você sai de um processo mecânico, fica entediado com ele, e sai para um outro processo mecânico. Fica entediado com ele e continua. E você chama isso de viver!

Shainberg: Está certo. É isso! É isso que eu chamo viver.

Bohm: O problema nisso, mesmo que eu admita tudo isso é que agora eu tento estar seguro que posso continuar fazendo isto pois posso sempre antecipar um futuro quando não serei capaz de fazê-lo. Entende? Estarei um pouco velho para o trabalho ou mesmo falharei. Perderei o emprego. Em outras palavras, ainda terei insegurança nessa ordem.

K: Essencialmente, essencialmente é desordem mecânica.

Shainberg: Mascarando-se como ordem.

K: Ordem. Agora, espere um momento. Você vê isto? Ou ainda é uma abstração?  Porque, você sabe, ideia como lhe dirá o Dr. Bohm, ideia significa "observação". O significado da raiz, observação. Você observa isto?

Shainberg: Eu vejo isso, sim. Sinto que eu... Acho que vejo... Oh, mão. Eu vejo isso. O que vejo de fato é, vejo isto, um movimento que segue fazendo isto, muito parecido com a teoria de Piaget, há assimilação, uma acomodação e então, existe o ver daquilo que não se encaixa e continuar com isso. E daí há mais assimilação e acomodação e continuar com isso. O psicólogo, Piaget, o psicólogo francês, descreve isto como o normativo dos cérebros humanos.

K: Sim, sim.

Shainberg:  Você conhece isto.

K: Eu não tenho que ler Piaget, posso observar isso.

Bohm: Então, o ponto é, você é levado a isto porque tem medo da instabilidade do cérebro? Isso poderia significar estar ocupado com isto. E parece então que isso é desordem. Se você está fazendo alguma coisa porque está tentando fugir da instabilidade do cérebro, isso já é desordem.

Shainberg: Sim, sim.

Bohm: Em outras palavras, isso estará meramente mascarando a desordem.

Shainberg: Sim. Então, você está sugerindo que isto está sendo a desordem natural do cérebro. Você está sugerindo uma desordem natural?

Bohm: Não, estou dizendo que o cérebro parece estar desordenado. Este parece ser um fato. Certo? Que o cérebro sem ocupação tende a entrar em desordem.

Shainberg: Sem o mecânico temos isto (movimentos com a mão de sobe e desce)... É isto que conhecemos, sem o mecânico.

K: Desse modo, está com medo disso.

Bohm: Bem, é perigoso de fato porque a pessoa sente que se continua fazendo isso, você não sabe o que vai acontecer.

K: Naturalmente isso é perigoso.

Bohm: Quero dizer, posso fazer todo tipo de coisas malucas.

K: Sim. Todos os neuróticos, você conhece todo esse negócio.

Bohm: Eu sinto que o principal perigo vem de dentro.

K: Certamente. Ora, quando você vê isso, observa isso, existe ação, que não é fragmentada.

Bohm: A pessoa pode sentir que você não sabe se esta desordem pode parar. Se você estivesse certo que podia parar, que a religião, que deus vai cuidar disso, ou alguma coisa, então, você teria segurança.

K: Exato.

Bohm: Que deus lhe dará felicidade eterna. (risos)

Shainberg: Você não sente que pode depender de alguma coisa.

Bohm: Nada pode controlar essa desordem. Esta realmente parece ser a questão: que não há nada que possa controlar a desordem. Você pode tomar remédios, ou várias coisas, mas ela está sempre lá no segundo plano.

Shainberg: Certo.

K: Absolutamente certo.

Bohm: Não sei se deveríamos dizer, uma pergunta é: por que temos esta desordem? Se ela foi construída dentro da estrutura do cérebro, considerando que isto é a natureza humana então não haveria saída.

K: Não, senhor. Acho que a desordem surge primeiro quando seguimos processos mecânicos. E, nesse processo mecânico, o cérebro se sente seguro e quando esse processo mecânico é perturbado, torna-se inseguro.

Shainberg: Então ele faz isso novamente.

K: Outra vez, e outra vez, e outra vez.

Shainberg: Ele nunca fica com essa insegurança.

K: Não, não. Quando ele percebe que este processo é ainda mecânico e, portanto, desordem.

Bohm: A pergunta é por que o cérebro fica preso no mecanismo? Em outras palavras, parece na situação, o cérebro fica preso no processo mecânico.

K: Porque é mais seguro, o mais seguro modo de viver.

Bohm: Bem, assim parece. Mas é de fato muito...

K: Não parece. É assim por enquanto.

Bohm: Por enquanto, mas no final das contas não é.

K: Ah, no final das contas...

Shainberg: Você está dizendo que estamos atados ao tempo...

K: Condicionados a ficar vinculados ao tempo, condicionados pela tradição, por nossa educação, pela cultura em que vivemos e assim por diante para funcionar mecanicamente.

Shainberg: Seguimos o caminho fácil.

K: O caminho fácil.

Bohm: Mas também é um tipo de erro dizer, digamos no início, o modo mecânico mostra sinais de ser mais seguro e no início o cérebro comete um erro e diz "isto é mais seguro", mas então, de algum modo, ele deixa de ser capaz de ver que cometeu um erro, segura-se a este erro. No início você pode chamá-lo de um erro inocente, dizer "isto parece mais seguro e vou segui-lo".  Mas então, depois de um tempo, você tem evidências de que isso não é tão seguro, mas o cérebro começa a rejeitar isso, ficar afastado disso.

Shainberg: Bem, acho que você pode levantar a questão de que não existem certos fatos acontecidos na criação da criança. Quero dizer, quando a mãe vê que o bebê está chorando e enfia uma chupeta em sua boca, que está ensinando o bebê, que você se cala e pega a saída fácil.

K: Pobre bebê. (Risos)... Isso é apenas com as mães que não querem bebês, quando socam chupetas.

Bohm: Eu quis dizer que é parte do condicionamento que explica como isso se propaga. Mas ainda não explica por que o cérebro não vê num dado momento que está errado.

Shainberg: Por que ele não vê em algum momento que está errado?

Bohm: Em outras palavras, continua neste processo mecânico em vez de ver o que está errado.

K: Você está perguntando, por que ele não vê que este processo mecânico é essencialmente desordem?

Bohm: É desordem e perigoso.

K: Perigoso.

Bohm: É completa ilusão. Sua segurança é totalmente ilusória.

Shainberg: Por que não existe algum tipo de realimentação? Em outras palavras, eu faço uma coisa e dá errado. Em algum ponto eu devo perceber isso. Por exemplo, eu vi que minha vida é mecânica.

K: Agora, espere. Você vê isso?

Shainberg: Mas não vejo.

K: Espere. Por que ela é mecânica?

Shainberg: Bem, é mecânica porque segue assim, é tudo ação e reação.

K: Por que é mecânica?

Shainberg: É repetitiva.

K: Sim, que é mecânica?

Shainberg: Que é mecânica? Quero que ela seja fácil, Isso também é mecânico. Quero que seja fácil. Sinto que isso me dá a maior segurança, mantê-la mecânica.  Eu tenho um limite. Sei que é como você diz, tenho uma casa, eu tenho uma vida mecânica, que me dá segurança, é mecânico porque é repetitivo.

K: Mas você não respondeu a minha pergunta.

Shainberg: Eu sei que não! É mecânica. Não sei bem qual é a sua pergunta. Sua pergunta é por que...

K: Por que ela se tornou mecânica.

Shainberg: Por que se tornou mecânica?

Bohm: Por que ela permanece mecânica?

K: Por que ela se tornou e permanece mecânica?

Shainberg: Acho que permanece mecânica, foi com isso que começamos.

K: Ah, não, você está... Se você persegue isso, por que permanece mecânica?

Shainberg: Eu não vejo que é mecânica.

K: O que causou aceitar este modo de viver mecânico?

Shainberg: Não sei se posso responder isso. O sentimento disso é que eu veria a insegurança, eu veria.

K: Não, olhe. Você não ficaria com medo se não houvesse...

Shainberg: Eu veria a incerteza.

K: Não, não. Se o processo mecânico da vida como a pessoa vive de repente parasse, você não ficaria com medo?

Shainberg: Sim.

Bohm: Não haveria algum perigo genuíno?

K: Isso, claro. Existe um perigo de que as coisas possam ruir.

Bohm: Ruir.

Shainberg: Bem, é mais profundo que isso.

K: espere! Descubra, vamos.

Shainberg: Não é apenas que existe um genuíno perigo que eu ficaria com medo. Parece que essas coisas assumem um terrível efeito a cada momento.

K: Não. Olhe. A ordem total daria completa segurança? Não daria? Ordem total.

Shainberg: Certo.

K: O cérebro quer ordem total.

Shainberg: Certo.

K: De outro modo ele não pode funcionar adequadamente. Portanto, ele aceita o mecânico e espera que isso não leve ao desastre.

Shainberg: Certo.

K: Esperando que vá encontrar ordem nisso.

Bohm: Você poderia dizer que talvez no início o cérebro aceitou isto simplesmente não sabendo que este mecanismo traria desordem e só entrou nele por um estado inocente?

K: Sim.

Bohm: Mas então, mais tarde...

K: Apanhado numa armadilha.

Bohm: Apanhado numa armadilha e de algum modo mantém esta desordem ele não quer sair dela.

K: Porque tem medo de uma desordem maior.

Bohm: Sim. Ele diz "Tudo isto que eu construí pode ruir". Em outras palavras, eu não estou na mesma situação, como quando caí pela primeira vez na armadilha porque agora construí uma grande estrutura. Eu acho que essa estrutura irá ruir.

Shainberg: Está certo. Eu ouvi um homem — eu quase pulei da cadeira — ouvi o homem dizer outro dia a um de seus colegas, ele disse "Eu acabei de publicar meu décimo terceiro livro". Ele falou assim mesmo! (risos)... O modo como ele dizia isso era desanimador.

K: Não senhor, aonde estou tentando chegar é que o cérebro precisa desta ordem, de outra forma ele não pode funcionar. Ele encontra ordem no processo mecânico, porque é treinado desde a infância, fazer como lhe é dito, etc. Há um condicionamento acontecendo direto para viver uma vida mecânica.

Shainberg: Certo.

Bohm: Como também o medo induzido de desistir deste mecanismo ao mesmo tempo.

K: Naturalmente.

Bohm: Quero dizer que você está pensando todo o tempo que sem isto tudo irá ruir, especialmente o cérebro.

K: O cérebro, sim. E assim eles rompem este negócio mecânico e juntam-se a comunidades, você sabe, todo o processo, que ainda é mecânico.

Shainberg: Certo, certo.

K: O que significa que o cérebro tem que ter ordem. E encontra ordem de um modo mecânico. Agora, eu vejo, você de fato vê que o modo mecânico de viver leva à desordem? Que é tradição. Se eu vivo inteiramente no passado, que seja muito ordenado, eu considero que seja muito ordenado, e o que acontece? Eu já estou morto e não posso encontrar coisa alguma.

Shainberg: Estou me repetindo sempre.

K: Então, por favor, não perturbe minha tradição. Os comunistas dizem isso, os católicos dizem isso — estão acompanhando? A mesma coisa! E todo ser humano diz, "Por favor, eu encontrei alguma coisa que me confere ordem: uma crença, uma esperança, isto ou aquilo e me deixe em paz".

Shainberg: Certo.

K: E a vida não vai deixá-los em paz... Então, ele fica com medo e estabelece outro hábito mecânico. Agora, você vê esta coisa toda? E, consequentemente, uma ação instantânea dissolve tudo e, portanto, ordem. O cérebro que diz, "finalmente tenho uma ordem que é absolutamente indestrutível"

Bohm: Bem, eu acho que isso não resulta do que você disse que isto acontecerá.

K: Naturalmente.

Bohm: Em outras palavras, você está dizendo isto.

K: Eu estou dizendo isso.

Bohm: Mas isso não segue a lógica.

K: Seguirá a lógica se você entrar nisso.

Bohm: Se entrarmos nisso. Podemos chegar num ponto onde realmente seguirá necessariamente?

K: Eu acho que só podemos entrar nisto se você percebe a segurança mecânica que o cérebro desenvolveu, se apegou e cultivou.

Shainberg: Posso compartilhar com você algo? Enquanto você está falando eu me descubro, embora vejo isto de certo modo, eu vejo como isto — não fique impaciente comigo tão depressa! Eu vejo deste modo, vejo a mecanicidade. Certo? E vejo que eu vejo e fico refletindo através da minha mente vários tipos de intercâmbios entre pessoas. E o modo como falam, o modo como falo com elas numa festa, num coquetel, e é tudo sobre o que aconteceu antes.

K: Exato, exato.

Shainberg: Você pode vê-las dizendo-lhe quem são em termos de passado delas.

K: O que elas serão.

Shainberg: O que elas serão. Aquele cara que acabei de descrever, que disse "Fiz meu décimo terceiro livro" (risos)... Ele falou assim. É muito importante que eu tenha essa informação. Eu vejo esta elaborada estrutura.  Este cara colocou na sua cabeça que vou pensar isto sobre ele e então ele vai para sua universidade e vai ser considerado assim. Ele está sempre vivendo assim e a estrutura toda é elaborada.

K: Você está fazendo isso?

Shainberg: Quando você parou de bater na sua esposa? (risos) Claro que estou fazendo isso. Estou fazendo agora mesmo! estou vendo a estrutura agora mesmo, tudo isto, estou!

K: Mas você vê que nós estávamos dizendo ontem, ação fragmentada é ação mecânica.

Shainberg: Está certo, Está aí, Krishnaji. Está aí, é assim que somos.

K: E, portanto, a ação política não pode resolver nenhum problema, problema humanos, ou o cientista, como fragmento.

Shainberg: Você percebe o que está dizendo? Vamos olhar realmente para o que você está dizendo.  Este é o modo como é. Este é o modo como a vida é!

K: Certo.

Shainberg: Certo? É deste jeito que é. Anos e anos e anos.

K: Portanto, por que você não muda isso?

Shainberg: Está certo. Mas é deste jeito que é. Vivemos em função de nossas estruturas. Vivemos em função de nossas histórias. Vivemos em função de nosso mecanismo. Vivemos em função de nossa forma. É desse jeito que vivemos! 


K: Como estávamos dizendo em Ojai, quando o passado encontra o presente e acaba ali, uma coisa totalmente diferente acontece.

Shainberg: Sim. Mas o passado não encontra o presente tão frequentemente.

K: Isto está acontecendo agora!

Shainberg: Agora está, bem agora. Estamos vendo-o agora.

K: Portanto, você pode parar aí?

Shainberg: Nós devemos vê-lo totalmente.

K: Não. O fato, o simples fato. O passado encontra o presente. Isso é um fato.

Bohm: Como o passado encontra o presente? Vamos examinar isso.

K: Nós temos quatro minutos.

Shainberg: Então, como você diz que o passado encontra o presente? Nós temos dois minutos agora! (risos)

Bohm: Bem, acho que o passado encontrando o presente pára. O passado é geralmente ativo no presente em direção ao futuro. Agora, quando o passado encontra o presente, então o passado pára de atuar. E o que isso significa é que o pensamento pára de agir de modo que a ordem acontece.

Shainberg: Você acha que o passado encontra o presente ou o presente encontra o passado?

K: Não. Como você me encontra?

Shainberg: Encontro você no presente.

K: Não. Como você me encontra? Com todas as memórias, todas as imagens, a reputação, as palavras, as figuras, o símbolo, tudo isso, com isso que é o passado, você me encontra agora.

Shainberg: Está certo. Chego a você com um conforto.

K: Não, não. O passado está encontrando o presente.

Bohm: Você não está dizendo que o passado...

Shainberg: Está certo, vá em frente.

Bohm: Que o passado deve parar ao encontrar o presente?

Shainberg: Não. Ele não está dizendo isso. Você não pode dizer isso!

K: Estou dizendo uma coisa, ele está certo.

Shainberg: Eu sei mas deixe ele falar. (Risos)

K: O que estou tentando dizer é que o passado encontra o presente.

Shainberg: E daí?

K: Pode o passado parar aí? Não ir adiante?

Shainberg: Pode? Mas essa é a pergunta correta?  O que é o passado encontrando o presente? Que ação é essa?

K: Eu encontro você com um quadro.

Shainberg: Por que eu deveria parar?

K: Vou lhe mostrar. Eu encontro você com o passado, minhas memórias, mas você pode ter mudado tudo isso nesse meio tempo. Então, eu nunca encontro você. Eu encontro você com o passado.

Shainberg: Certo. Esse é um fato.

K: Esse é um fato. Agora, se não tenho esse movimento seguindo.

Shainberg: Mas eu tenho.

K: Claro, você tem. Mas eu digo que isso é desordem. Então, não posso encontrá-lo.

Shainberg: Certo. Como você sabe disso?

K: Eu apenas sei, não conheço isso. Só sei do fato que quando o passado encontra o presente e continua este é um dos fatores do movimento do tempo, servidão, todo medo, e assim por diante. Quando há o passado encontrando o presente, e diz sim, estou totalmente cônscio disto, completamente cônscio deste movimento, então ele pára. Então eu encontro você como se fosse a primeira vez, existe alguma coisa nova, é como uma nova flor desabrochando.

Shainberg: Sim.

K: Eu acho... - continuaremos amanhã. Nós realmente não atacamos a raiz de tudo isto. A raiz, a causa ou a raiz de toda esta perturbação, este tumulto, trabalho árduo, ansiedade — estão seguindo?

Bohm: Por que deveria o cérebro estar nesta desordem desenfreada?

K: Sei, desenfreada. Você, que é médico, um analista e todo mais, você tem que fazer essa pergunta fundamental — por que? Por que os seres humanos vivem deste modo?

Shainberg: Certo. Por que vivem assim? Pergunto isso o tempo todo. Por que os seres humanos estão doentes?

K: Tempo.

Bohm: Certo. (Risos)

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