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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

27 de janeiro de 2012

Quem é você fora seu nome e sua conta no banco?


Então, o que é a morte? Nós entendemos o que é a vida, ao menos o que consideramos vida — uma tremenda escravidão ao tempo. E o que é a morte? Existe a morte do organismo, estamos todos envelhecendo todo dia. No momento em que nascemos, vamos ficando mais e mais velhos e morremos. E nunca perguntamos: o que é a morte, o que ela significa? — enquanto vivemos — não quando chegamos ao fim dela. Enquanto vivos, nunca perguntamos o significado, a profundeza da morte. Nunca perguntamos qual é a profundeza da vida, viver. Deve haver alguma coisa intensamente significativa, viver, mas, nós a reduzimos a um reles caso pequeno.  Então, nunca perguntamos isso e certamente, nunca perguntamos o que é a morte. E, como dois amigos, vamos ver isso, não amedrontados, porque então, você nunca vai entendê-la. 

Então, como examinamos a questão do medo na semana passada e o fim do medo, deve haver o fim do medo para entendermos a natureza e a qualidade e a profundeza da morte. Como dissemos, biologicamente, organicamente, nos gastamos, dia após dia, o organismo. Vivemos erradamente, toda labuta, toda miséria, a confusão, o prazer, a dor, tremendo gasto de energia e ele vai chegando ao fim, isso é parte da morte. E também o que será que está morrendo fora a existência física, biológica, o que está morrendo? O que é o "eu"? Isto é, o "indivíduo", o ego, a pessoa, a "persona", o ego — vamos ficar com essa única palavra. O que é esse ego, o "eu"que vai morrer? Certo? E é disso que temos medo, não da morte. O "eu" que foi acumulado nesta vida como memória, conhecimento, experiência, o "eu", — meu egoísmo, minha ganância, minha ambição — todos os registros, gravações armazenadas no cérebro, o "eu", e temos medo que esse eu chegue ao fim. Então, temos que examinar detidamente o que é o "eu". 

Quem é você, fora seu nome e sua conta no banco, onde você vive e todo esse tipo de tolice, fora o eu físico, o corpo físico — você é alto, baixo — tirando tudo isso, que é você? Vocês já encararam isso? Vamos encarar agora, não tenham medo. 

O que é você? 

Você não é todas as memórias acumuladas? Memórias, prazer, dor, os cinquenta anos, ou trinta, ou dez dias de memória, você não é tudo isso? Memórias de seu prazer, a dor e a angústia de seu desejo, a solidão, a depressão, a luta, você não é tudo isso?... Que é tudo memória. Certo?

Olhem para isso como é agora, não digam: "Há alguma coisa superior além da memória?" Eu conheço esse jogo! Você pode inventar algo superior, que existe uma alma, e os hindus chamam de atman, e assim por diante, consciência superior, algo divino, algo muito, muito claro. Que é tudo teoria, absurdos, a realidade é o que você é. Esta vasta coleção de humanidade de memórias dos seres humanos. Se você é um grande técnico construindo a bomba atômica, a bomba de neutrons, você tem que acumular muito conhecimento e a morte pode chegar e você apenas diz: "Um momento, me deixe acabá-la". Que é todo o processo de juntar, dispensar, juntar. Certo? Você é isso. Isso é um fato. Mas, não gostamos de olhar para o fato. Gostamos de dizer: "Não, eu sou mais alguma coisa". Este "mais alguma coisa", é o desejo, o pensamento dizendo: "Isso é muito pouco, certamente sou uma coisa muito mais importante que isso". Então, essa é a invenção do pensamento. Então, você é o feixe de memórias reunidos pelo pensamento. Olhem isso! E a morte chega e diz: "Meu amigo, esse é o fim!" E você diz: "Espere, por favor, me deixe viver um pouco mais". 

Então, por favor, acompanhe de perto e você verá por si mesmo. Tempo é agora. O tempo está contido, o passado, o futuro é agora. Então, a morte é agora. Quer dizer, se sou apegado a minha mulher, a minha uma coisa ou outra, minha mobília, certo? Você não é apegado a alguma coisa? E a morte chega e diz: "É o fim disso". Corta isso. Então, você pode ficar livre do apego? Então, você está vivendo, vivendo e morrendo ao mesmo tempo. Vocês compreendem isto? Oh, não! Faça, senhor, e verá que uma coisa extraordinária acontece então. Se você está apegado às suas memórias, à sua experiência, ao seu fracasso, à sua ambição, tudo isso vai chegar a um fim. Então, pode você viver com a morte, que é acabar com sua ambição agora? E viver sem ambição significa tremenda energia, não fazer mais desordem. Então, a morte e vida estão sempre juntas. E, quando isto acontece, de fato, não teoricamente, não como imaginação, não desejar isso, mas, de fato, fazê-lo, ao que quer que você esteja apegado. Sei que é difícil se o marido diz para a esposa "Querida, não estou mais apegado a você". Ele terá muitos problemas. E isso traz um outro problema, um tremendo problema. Você pode estar livre do apego e ela não está ou ela está e você não. Então, o que é relação? Relação é meramente a acumulação de memória como prazer, dor? Relação é então meramente uma sensação? A imagem de cada um, isso é relação? E então, quando existem estas imagens separadas, há conflito, dor e angústia. Então, onde há dor, angústia, medo, o amor não está. Então, morte e vida sempre marcham juntas.  Então, há esse sentido de absoluta liberdade da minha pequena labuta. E isso é necessário para compreender aquilo que é eterno — se existe tal coisa como eternidade. Vamos falar sobre isso numa outra vez, mas ver tudo isto como um movimento de vida: morrer e viver. Portanto nesse sentido, você nunca matará o outro, nunca deliberadamente ferirá o outro. Certo, senhores, acabou. 

Krishnamurti - 3ª Palestra em Ojai, 26 de maio de 1984 - A atenção é como fogo. 


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