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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

25 de agosto de 2012

Será a mente capaz de ver a totalidade do medo?

A vida vivida com medo é escura, é feia. A maioria de nós vive amedrontado de inúmeras formas, e precisa examinar se a mente é capaz de ficar totalmente livre do medo. Ninguém quer ficar livre do prazer, mas todos querem ficar livres do medo; e não percebemos que ambos andam sempre juntos; eles são, ambos, mantidos pelo pensamento. Eis porque é importante compreender o pensamento.

Temos medo da morte, da vida, da escuridão, do nosso vizinho, medo de nós mesmos, medo de perder o emprego, da insegurança, e os medos das camadas inconscientes mais profundas, ocultos nos recessos da mente. Será possível — e sem análise — a mente ficar livre do medo, de modo que fique realmente livre para aproveitar a vida? Não para perseguir o prazer, mas para aproveitar a vida? Isso não será possível enquanto existir o medo. Será que a análise eliminará o medo? Ou será a análise uma forma de paralisar a mente em relação à libertação do medo? A paralisia através da análise. A análise é uma das formas intelectuais de entretenimento. Porque na análise existe o analista e o analisado, quer o analista seja um profissional ou você mesmo. Quando existe a análise, existe a divisão entre o analista e o analisado e, portanto, conflito. E na análise você precisa de tempo; você leva dias, anos — dando a você mesmo a oportunidade de adiar a ação.

Você pode analisar todo o problema da violência indefinidamente, buscando explicações para as suas origens. Você pode ler volumes inteiros sobre as causas da violência. Tudo isso leva tempo e, enquanto isso, você usufrui da sua violência. A análise implica a divisão e o adiamento da ação e, por conseguinte, a análise traz mais conflito, e não menos. E a análise implica tempo. A mente que observa a verdade disso está livre da análise e é, portanto, capaz de lidar de frente com a violência, a qual é "o que existe". Se você observar a violência em você mesmo, a violência produzida pelo medo, pela insegurança, pela sensação de solidão, de dependência, da eliminação dos prazeres, e assim por diante, se você tem ciência disso e observa de modo total, sem análise, então você dispõe de toda a energia que foi dissipada através da análise para com ela ir além "daquilo que existe".

Como poderão os medos de raízes tão profundas, transmitidos a nós pela sociedade em que vivemos, herdados do passado, ser expostos, de modo que a mente adquira total e completa liberdade em relação a esse terror? Será possível isso através da análise dos sonhos? Podemos ver com nitidez o absurdo da análise. E será que, através dos sonhos, você ficará livre da violência?

Só porque os profissionais afirmam que você precisa sonhar — caso contrário ficará louco — será que você é obrigado a sonhar? Por que sonhar? Quando a mente está em atividade permanente, tanto de dia quanto de noite, ela não tem descanso, ela não adquire uma nova característica de novidade. A mente só se renova quando em completo silêncio, adormecida, em quietude total. Será a análise dos sonhos outra dessas falácias que aceitamos com facilidade? Os sonhos são a continuidade de nossa atividade diária através do sono, mas você produz ordem durante o dia — não a ordem semelhante à de um projeto de engenharia ou que está de acordo com o que é estabelecido por uma sociedade ou pelas sansões de uma religião; isso não é ordem, isso é amoldar-se. Onde existe conformidade e obediência não existe ordem. A ordem só existe quando você observa o quanto a sua própria vida é desordenada durante as horas de vigília. Através da observação dessa desordem surge a ordem. E quando você tem essa ordem na sua vida diária, os sonhos se tornam desnecessários.

Pode então a pessoa observar o medo na sua totalidade, na sua verdadeira raiz, na sua causa, ou apenas os seus galhos? É a mente capaz de observar, de ficar ciente, de dedicar atenção total ao medo, seja ele o medo oculto nas profundezas da mente ou aquele que se mostra nas expressões — diárias como o medo da dor de ontem voltando hoje, ou voltando de novo amanhã, ou o medo de perder o emprego, o medo da insegurança, interna e externa, o medo insuperável da morte. Há inúmeras formas de medo. Deveríamos arrancar cada galho ou encarar, enfrentar o medo na sua totalidade? Será a mente capaz de ver a totalidade do medo? Estamos acostumados a lidar com o medo fragmentado e nos preocupamos com esses fragmentos e não com a totalidade do medo.

Como vocês sabem, olhamos a raiva, a inveja, o ciúme, o medo ou o prazer como quem observa. Queremos livrar-nos do medo, ou perseguir o prazer. Portanto, há sempre um observador, alguém que olha, que pensa, de modo que olhamos o medo como se estivéssemos do lado de fora olhando para dentro. Pergunto, será que você é capaz de examinar o medo sem o observador? Concentre-se nessa questão: você é capaz de observar o medo sem o observador? O observador é o passado. O observador reconhece a reação que ele chama de medo em termos de passado; ele dá a isso o nome de medo. Sendo assim, ele está sempre olhando o presente a partir do passado e há, portanto, uma divisão entre observador e o observado. Então, será que você é capaz de observar o medo sem a reação a isso como algo do passado, que é o observador?

Será que fui claro? Veja: se você me insultou ou me elogiou, tudo isso fica acumulado na memória, que é o passado. E o passado é o que observa, é aquele que pensa. E se eu olho para você com os olhos do passado, não olho de modo original. Assim eu nunca o vejo com exatidão, eu o vejo com olhos que já foram corrompidos, que já foram embotados. Então, será que você é capaz de observar o medo sem o passado? Ou seja, não dar nome ao medo, não usar a palavra medo, mas apenas observar?

Quando você observa como um todo — e essa totalidade de atenção só é possível quando não existe observador, que é o passado — dissipa-se a totalidade do conteúdo da consciência com forma de medo.

Há o medo que vem de dentro e o que vem de fora. O medo de que meu filho morra numa guerra. A guerra é algo que está fora, uma invenção da tecnologia que desenvolveu instrumentos monstruosos de destruição. E, interiormente, eu me apego ao meu filho, eu o amo, mas eu o eduquei para se amoldar a essa sociedade na qual ele vive, que manda mantar. E então eu aceito o medo, tanto interior quanto essa invenção destrutiva chamada guerra, que vai matar o meu filho. E eu chamo isso amor ao meu filho! Isso é medo. Construímos uma sociedade corrompida, imoral; ela se preocupa apenas em possuir cada vez mais, em consumir. Não se preocupa com o desenvolvimento do mundo e dos seres humanos como um todo.

Sabem, nós não temos compaixão. Temos uma quantidade imensa de conhecimento e de experiência. Fazemos coisas extraordinárias na medicina, na tecnologia e na ciência, mas não temos compaixão de espécie alguma. Compaixão significa paixão por todos os seres humanos, por todos os animais, pela natureza. E como haverá compaixão quando existe medo, quando a mente está em permanente busca de prazer? Você quer controlar o medo, quer enterrá-lo e quer também a compaixão. Você quer tudo isso. Mas é impossível ter tudo isso. Você só pode ter compaixão quando não existe medo. Eis porque é tão importante compreender o medo nos nossos relacionamentos. E o medo extirpado quando você observa a reação sem lhe dar um nome. O próprio ato de dar um nome é uma projeção do passado. Assim, o pensamento sustenta e persegue o prazer, e o pensamento dá força ao medo — tenho medo do que pode acontecer amanhã; tenho medo de perder o emprego; tenho medo do tempo na forma de morte.

O pensamento é, pois, responsável pelo medo. E vivemos com o pensamento. Nossas atividades diárias baseiam-se no pensamento. Assim, qual o papel desempenhado pelo pensamento nos relacionamentos humanos? Se ele tem um papel, então o relacionamento é uma rotina, é medo e prazer mecânicos, cotidianos e sem sentido.

Krishnamurti - Da gravação de um diálogo público em São Francisco, 11 de março de 1973
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