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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

1 de agosto de 2012

Quando o pensamento cessa

É estranha a importância que damos à palavra impressa, aos chamados livros sagrados. Os estudiosos, como os leigos, são aparelhos que reproduzem sons gravados; eles continuam repetindo as gravações por mais que elas possam ser alteradas com freqüência. Estão interessados em conhecimento e não na experiênciação. Ele é um impedimento à experienciação. Mas é um abrigo seguro, a preservação de uns poucos; e como os ignorantes ficam impressionados com o conhecimento, o conhecedor é respeitado e reverenciado. O conhecimento é um vício, como a bebida alcoólica; ele não traz entendimento. O conhecimento pode ser ensinado, mas não a sabedoria; deve haver libertação do conhecimento para a chegada da sabedoria. O conhecimento não é moeda de compra da sabedoria; mas o homem que entrou no refúgio do conhecimento não se arrisca a sair, pois a palavra alimenta seu pensamento e ele fica gratificado com o pensar, que é um impedimento para o experienciar; e não há sabedoria sem experienciar. O conhecimento, a idéia e a crença atrapalham a sabedoria.

Uma mente ocupada não é livre, espontânea, e somente na espontaneidade pode haver descoberta. Uma mente ocupada está fechada em si mesma; é inacessível, não vulnerável, e nisso está sua segurança. O pensamento, por sua própria estrutura, é isolador; ele não pode se tornar vulnerável. O pensamento não pode ser espontâneo, ele jamais pode ser livre. O pensamento é a continuação do passado e aquilo que continua não pode ser livre. Só existe liberdade naquilo que tem fim.

A mente ocupada cria aquilo com que ela está trabalhando – pode fabricar o carro de bois ou o avião a jato. Nós podemos pensar que somos estúpidos, e somos estúpidos. Podemos pensar que somos Deus, e somos nossa própria concepção: “Eu sou Esse”.

“Mas certamente, é melhor estar ocupado com as coisas de Deus do que com as coisas do mundo, não é?”
O que pensamos, somos; mas é o entendimento do processo do pensamento que importa, não o que pensamos. Se pensamos sobre Deus ou sobre a bebida, não importa; cada um tem seu efeito particular; mas em ambos os casos o pensamento está ocupado com sua própria projeção. Idéias, ideais, metas e assim por diante são, todas, projeções ou extensões do pensamento. Estar ocupado com as próprias projeções, em qualquer nível, é cultuar o Eu. O Eu, com um “E” maiúsculo, é ainda a projeção do pensamento. Seja o que for que ocupe o pensamento, é o que é; e o que é, nada mais é do que pensamento. Assim, é importante entender o processo do pensamento.

O pensamento é a reação ao desafio, não e? Sem desafio não há pensamento. O processo de desafio e reação é experiência; e experiência verbalizada é pensamento. A experiência não é somente do passado, mas também do passado em combinação com o presente; é o consciente, assim como o oculto. Esse resíduo de experiência é memória, influencia; e reação da memória, do passado, é o pensamento.

“Mas isso é tudo que existe no pensamento? Não existe maior profundidade no pensamento do que a mera reação da memória?”
O pensamento pode se colocar em diferentes níveis, e o faz, o estúpido e o profundo, o nobre e o desprezível; mas ainda é pensamento, não é? O Deus do pensamento ainda é da mente, da palavra. O pensamento de Deus não é Deus, é meramente a reação da memória. A memória é duradoura, e portanto pode parecer profunda; mas por sua própria estrutura ela nunca poderá ser profunda. A memória pode estar oculta, fora da visão imediata, mas isso não a torna profunda. O pensamento nunca pode ser profundo ou nada além do que o Eu é. O pensamento pode atribuir-se maior valor, mas continua a ser pensamento. Quando a mente está ocupada com sua própria projeção, não foi além do pensamento, somente assumiu um novo papel, uma nova pose; sob o disfarce, ainda é pensamento.

“Mas como pode alguém ir além do pensamento?”
Esse não é o ponto, é? Alguém não pode ir além do pensamento, pois o “alguém”, o criador do esforço, é resultado do pensamento. Na descoberta do processo do pensamento, que é autoconhecimento, a verdade do que é acaba com o processo do pensamento. A verdade do que é não pode ser encontrada em qualquer livro, antigo ou moderno. O que é encontrado é a palavra, mas não a verdade?”

“Então, como o individuo encontra a verdade?”
O individuo não a encontra. O esforço de encontrar a verdade produz um fim projetado; e esse fim não é a verdade. O resultado não é a verdade; o resultado é a continuação do pensamento, estendido ou projetado. Somente quando o pensamento termina existe a verdade. Não há o fim do pensamento pela compulsão, pela disciplina, por qualquer forma de resistência. Ouvir a historia do que é produz sua própria libertação. É a verdade que liberta, não o esforço para ser livre.

Krishnamurti – Comentários sobre o viver
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