Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

26 de outubro de 2012

A compreensão de nós mesmos é o despertar e o fim do medo



Existe o medo. O medo nunca é uma realidade: ele vem sempre antes ou depois do presente ativo. Quando há medo no presente ativo, será isso medo? Ele está ali e não há como fugir dele, não há como escapar. Ali, no momento presente, há atenção total ao momento de perigo, físico ou psicológico. Quando existe uma atenção total não existe medo. Mas o próprio fato da desatenção gera o medo; o medo surge quando existe a evitação do fato, uma fuga; então, a fuga é, ela própria, o medo.

O medo em suas diversas formas — culpa, ansiedade, esperança, desespero — está presente em cada movimento do relacionamento; ele está presente em cada busca de segurança; ele está presente na ambição e no sucesso; está presente na vida e na morte; está presente nas coisas físicas e nos fatores psicológicos. Existe o medo em muitas formas diferentes e em todos os níveis da nossa consciência. A defesa, a resistência e a negação nascem do medo. Medo do escuro e medo da luz; medo de ir e medo de vir. O medo começa e termina com o desejo de segurança, de ter segurança interior e exterior, com o desejo de ter certeza, de ter permanência. A continuidade da permanência é procurada em todas as direções, na virtude, no relacionamento, na ação, na experiência, no conhecimento, nas coisas exteriores e nas interiores. Encontrar a segurança e tornar-se seguro é a última palavra. É essa demanda insistente que produz o medo.

Mas existe permanência, exterior ou interior? Talvez, em certa medida, existe a permanência exterior, mas mesmo essa é precária: há guerras, revoluções, progresso, acidentes e terremotos. É preciso que haja alimentos, roupas e abrigos; isso é essencial e necessário para todos. Embora sempre procurada, tanto às cegas como através da razão, será que existe a certeza interior, a continuidade interior, a permanência? Não existe. A fuga dessa realidade é medo. A incapacidade de enfrentar essa realidade produz todo tipo de esperança e desespero.

O próprio pensamento é a fonte do medo. Pensamento é tempo; o pensamento no amanhã é prazer ou dor; se for algo prazeroso, o pensamento irá persegui-lo, temendo que acabe; se for doloroso, a própria tentativa de evita-lo já é medo.  Tanto o prazer quanto a dor provocam medo. Tempo como pensamento e tempo como sentimento provocam medo. O único meio de acabar com o medo é a compreensão do pensamento, do mecanismo da memória e da experiência. O pensamento é todo o processo da consciência, tanto o visível como o oculto; o pensamento não é apenas a coisa em que se pensa, mas também a origem de si mesmo. O pensamento não é, meramente, crença, dogma, ideia e razão, mas o núcleo do qual isso tudo brota. Esse núcleo é a origem de todo o medo. Mas é da experiência do medo ou da percepção da causa do medo que o pensamento tenta escapar? A autoproteção física é algo útil, normal e saudável; mas qualquer outra forma de autoproteção interior é resistência e sempre reúne forças, se robustece, e isso é medo. Mas esse medo interior faz com que a segurança exterior se torne um problema de classe, de prestígio, de poder e o resultado disso é uma competição implacável.

Quando se enxerga todo o processo de pensamento, tempo e medo — e não como uma ideia, uma fórmula intelectual — há o fim definitivo e total do medo, consciente ou oculto. A compreensão de nós mesmos é o despertar e o fim do medo.  

E quando o medo cessa, o poder de criar ilusão, mitos e visões, com sua esperança e desespero, também cessa, e só então tem início um movimento de ir além da consciência, a qual é pensamento e sentimento. É o esvaziar de nossos recessos mais profundos e das vontades e desejos mais ocultos. Então, quando se atingiu o vazio total, quando não há absoluta e literalmente nada, nenhuma influência, palavra, valor ou fronteira, então, nesse silêncio total do espaço-tempo, existe o que é indizível.

Krishnamurti – Diário de Krishnamurti – Paris, 14 de setembro de 1961

Preste atenção na raiva e veja um milagre


O único problema com a tristeza, com o desespero, com a raiva, com a falta de esperança, com a ansiedade, com a angústia, com a infelicidade, é que você quer se livrar dessas emoções. Essa é a única barreira.

Você terá de conviver com elas. Não pode fugir, simplesmente. 

Elas são situações nas quais sua vida tem de se integrar e crescer. São desafios da vida. Aceite-as. Elas são bênçãos disfarçadas. Se você fugir delas, se quiser se livrar delas de algum jeito, você criará problema – pois, quando quer fugir delas, você não olha para elas diretamente.

Uma estrela da Broadway estava visitando alguns amigos quando, como de costume, a conversa começou a girar em torno da psiquiatria. "Devo dizer", disse a anfitriã, "que o meu analista é o melhor que existe! Você não pode imaginar o que ele fez por mim. Você tem de conhecê-lo".

"Mas eu não preciso de analista", disse a estrela. "Eu não poderia ser mais normal – não há nada de errado comigo". "Mas é simplesmente fabuloso", insistiu a amiga, "ele encontrará alguma coisa errada em você".

Existem pessoas que sempre encontrarão alguma coisa errada em você. O segredo da profissão delas é descobrir o que há de errado em você. Elas não podem aceitá-lo como você é; elas dão a você ideais, ideias, ideologias, e farão com que se sinta culpado, uma pessoa imprestável, sórdida. 

Elas farão com que você se sinta tão condenável, aos seus próprios olhos, que você esquecerá tudo sobre liberdade.

Na verdade, você passará a ter medo da liberdade, pois verá o quanto você era ruim, o quanto estava errado – e, se for livre, você acabará fazendo alguma coisa errada, então é melhor seguir alguém. O padre depende disso, o político também. Eles mostram a você o certo e o errado, ideias fixas, e então você passa a viver com culpa para sempre. 

Eu digo a você: não existe nada que seja certo e nada que seja errado. 

Se você está com raiva, o padre lhe dirá que isso não está certo, você não pode ficar com raiva. O que você faz, então? Você pode reprimir a raiva, sentar-se sobre ela, engoli-la, literalmente, mas ela continuará em você, no seu organismo. 

Engula a raiva e você terá úlceras no estômago; engula a raiva e, mais cedo ou mais tarde, você terá câncer. Engula a raiva e você criará um milhão de problemas, porque a raiva é venenosa. Mas o que você faz? Se está errado, você engole. 

Eu não digo que a raiva seja errada, eu digo que a raiva é energia – energia pura, uma bela energia. Quando ela irromper, preste atenção e veja um milagre acontecendo. Quando ela irromper, preste atenção e, se fizer isso, ficará surpreso; você terá uma surpresa – a maior da sua vida: descobrirá que, se prestar atenção nela, ela desaparece. 

A raiva é transformada. Ela vira energia pura; vira compaixão, vira perdão, vira amor. E você não precisa reprimi-la, por isso não terá de levar consigo esse veneno. E você não ficará com raiva, por isso não ofenderá ninguém.

Ambos são salvos: o outro, o objeto da sua raiva, e você mesmo. No passado, ou o objeto da raiva estaria sofrendo ou então você. 

O que eu estou dizendo é que não é preciso que ninguém sofra. Basta que você preste atenção, fique consciente. A raiva surgirá e será consumida pela consciência. A pessoa não pode ter raiva se está consciente, não pode ter ganância se está consciente e não pode ter inveja se está consciente. 

A consciência é a chave de ouro.

Osho

24 de outubro de 2012

A desumanidade do homem


Perguntaram a Osho:

Por que as pessoas tratam uns aos outros como o fazem? Tudo isso é condicionamento, ou há algo no homem que o torna disposto a se desviar? 

São ambas as coisas.

Primeiro, há alguma coisa no homem que o desencaminha. E segundo, existem pessoas cujos interesses é desencaminhar os seres humanos. Ambos juntos criam um ser humano falso, um impostor. Seu coração anseia por amor, mas sua mente condicionada o impede de amar.

 Esse é o problema. A criança nasce com um coração que anseia por amor, mas ela também nasce com um cérebro que pode ser condicionado.

A sociedade tem que condicioná-lo contra o coração, porque o coração será sempre rebelde contra a sociedade, ele irá sempre seguir seu próprio caminho. O coração não pode ser tido como um soldado. Ele pode se tornar um poeta, ele pode se tornar um cantor, pode se tornar um dançarino, mas não pode se tornar um soldado.

Ele pode sofrer pela sua individualidade, ele pode morrer pela sua individualidade e liberdade, mas ele não pode ser escravizado. Esse é o estado do coração. Mas a mente...

A criança vem com um cérebro vazio, apenas um mecanismo, o qual você pode arrumar da maneira que você quiser. Ele irá aprender a língua que você ensinar, ele aprenderá a religião que você ensinar, ele aprenderá a moralidade que você ensinar.

Ele é simplesmente um computador, você apenas o alimenta com informações. E toda sociedade cuida de tornar a mente cada vez mais forte para que se houver algum conflito entre a mente e o coração, a mente irá vencer. Mas cada vitória da mente sobre o coração é uma miséria. É uma vitória sobre sua natureza, sobre seu ser — sobre você — pelos outros. E eles cultivaram sua mente para servir ao propósito deles.

Portanto, a mente é vazia, seu cérebro; você pode colocar qualquer coisa nela. E com vinte e cinco anos de educação você pode torná-la tão forte que você pode esquecer seu coração; você irá permanecer sempre miserável.

A miséria é que seu coração só pode lhe dar alegria, só pode lhe dar felicidade, só pode lhe fazer dançar. A mente pode fazer aritmética, mas ela não pode cantar uma canção. Essas não são as habilidades da mente. Assim você está dividido entre sua natureza, que é seu coração, e a sociedade, que é sua cabeça. E certamente você nasce — todos nascem — com esses dois centros. Essa é a dificuldade.

E um centro está vazio. Numa sociedade melhor ele será utilizado de acordo com o coração, para servir ao coração. Então será uma grande vida, cheia de regozijos. Mas até agora temos vivido numa sociedade feia, com idéias podres. Eles usaram a mente. E essa vulnerabilidade existe — a mente pode ser usada. 

Agora os comunistas a estão usando de uma maneira; os fascistas a usaram na Alemanha de outra maneira; todas as outras religiões a estão usando de diferentes maneiras. Mas essa vulnerabilidade está em todos os indivíduos: que você tem uma mente que você trouxe vazia. De fato, isso é uma bênção da existência – mas, mal utilizada, explorada.

Ela lhe é dada vazia para que você possa fazê-la perfeitamente subserviente ao seu coração, aos seus anseios, ao seu potencial. Não há nada de errado nisso. Mas os interesses investidos por todo o mundo encontraram nisso uma bela oportunidade para eles — para usar a mente contra o coração. Assim você permanece miserável e eles podem lhe explorar por todos os meios que quiserem. 

Eis porque todo o mundo é miserável. 

Todo mundo quer ser amado, todos querem amar; mas a mente é uma barreira tal que nem lhe permite amar, nem lhe permite ser amado. Em ambos os casos a mente fica no caminho e começa a distorcer tudo. E mesmo se por acaso você encontrar uma pessoa que você sinta amor por ela e a pessoa sinta amor por você, suas mentes não irão concordar. Elas foram treinadas por sistemas diferentes, religiões diferentes, sociedades diferentes.

Ser feliz é um direito inato de todos, mas infelizmente a sociedade, as pessoas com as quais estamos vivendo, que nos trouxeram para este mundo, não pensaram nada a respeito disso. Elas estão somente reproduzindo seres humanos como animais — até mesmo pior que isso porque pelo menos os animais não são condicionados. 

Esse processo de condicionamento deve ser completamente mudado. A mente deve ser treinada para ser uma serva do coração. A lógica deve servir ao amor. E assim a vida pode se tornar um festival de luzes.

Osho

23 de outubro de 2012

O conhecido e o desconhecido


Pode aquilo que é incomensurável ser encontrado por mim e você? Pode aquilo que não é temporal ser buscado por aquilo que é formado pelo tempo? Pode uma disciplina diligentemente praticada nos levar até o desconhecido? Pode essa realidade ser captada pela rede de nossos desejos? O que podemos captar é a projeção do conhecido; mas o desconhecido não pode ser captado pelo conhecido. Aquilo que é nomeado não é o inominável, e ao nomear nós apenas despertamos as reações condicionadas. Essas reações, por mais nobres e agradáveis, não pertencem ao real. Nós reagimos a estímulos, mas a realidade não oferece estímulos: ela é.

A mente se move do conhecido para o desconhecido, e ela não pode alcançar o desconhecido. Nós não podemos pensar em algo que não conhecemos; é impossível. Aquilo sobre o que você pensa resulta do conhecido, do passado, quer seja esse passado remoto ou o segundo que acabou de passar. Esse passado é pensamento, moldado e condicionado por muitas influências, modificando-se segundo as circunstâncias e pressões, mas sempre permanecendo como um processo do tempo. O pensamento só consegue negar ou afirmar, ele não pode descobrir ou pesquisar o novo. O pensamento não pode chegar ao novo; mas quando do pensamento está silencioso, aí pode haver o novo — que é imediatamente transformado no velho, no experienciado, pelo pensamento. O pensamento está sempre moldando, modificando e colorindo segundo um padrão de experiência. A função do pensamento é se comunicar, mas não estar no estado de experienciar. Quando a experiência cessa, o pensamento assume o controle e a denomina dentro da categoria do conhecido. O pensamento não pode penetrar no desconhecido e, assim, nunca pode descobrir ou experienciar a realidade.

Disciplina, renúncia, desapego, rituais, a prática da virtude — tudo isso, independentemente do quão nobre seja, é um processo do pensamento; e o pensamento só pode trabalhar em direção a um fim, em direção a uma realização, que é sempre o conhecido a realização é segurança, a certeza auto-protetora do conhecido. Buscar segurança naquilo que é sem nome é negá-lo. A segurança que pode ser encontrada está somente na projeção do passado, do conhecido.  Por esse motivo, a mente deve estar profunda e inteiramente silenciosa; mas esse silêncio não pode ser conseguido por meio do sacrifício, sublimação ou repressão. Esse silêncio vem quando a mente deixou de buscar, quando não está mais presa ao processo de se tornar. Esse silêncio não é cumulativo, não pode ser construído pela prática. Ele deve ser tão desconhecido para a mente quanto o eterno; pois se a mente experiência o silêncio, então existe o experienciador, que é o resultado de experiências passadas, que é conhecedor de um silêncio passado; e o que é experienciado pelo experienciador é simplesmente uma repetição projetada. A mente jamais pode experienciar o novo e, portanto, deve estar inteiramente silenciosa.

A mente só pode estar silenciosa quando não está experienciando, isto é, quando não está nomeando ou denominando, registrando ou armazenando na memória. Essa nomeação e esse registro são um processo constante dos diferentes níveis da consciência, não simplesmente da camada mais superficial da mente. Mas quando a mente superficial está silenciosa, a mente mais profunda pode oferecer suas sugestões. Só quando toda a consciência está silenciosa e tranqüila, livre de todo o anseio de tornar-se, o que é espontaneidade, o incomensurável toma forma. O desejo de manter essa liberdade dá continuidade à memória daquele que quer se tornar, o que é um obstáculo à realidade. A realidade não tem continuidade; é de momento a momento, sempre nova, sempre original. O que tem continuidade jamais pode ser criativo.

A camada mais superficial da mente é somente um instrumento de comunicação, não podendo medir aquilo que é incomensurável. A realidade não é para ser comentada; e quando o é, não é mais realidade.

Isso é meditação.

Krishnamurti 

A miséria nada é além de escolha


Você escolhe a experiência  do amor, a sensação de êxtase, mas por escolher você vai ser pego num processo natural. Você se apegará a esses sentimentos — e eles não são permanentes, são parte de uma roda que está se movendo.

Vamos pegar o dia e a noite como exemplos: se nós escolhemos o dia, o que podemos fazer para evitar a noite? A noite chegará. A noite não traz miséria, é a sua escolha do dia em detrimento da noite que está criando miséria. Cada escolha está fadada a terminar num estado miserável.

O estado de não-escolha é o estado de êxtase.
E o estado de não-escolha é o fluir. Isso significa que o dia chega, a noite chega, o sucesso chega, o fracasso chega, os dias de glória chegam, os dias de condenação chegam — e, porque você não escolheu nada, aquilo que vier estará certo para você, estará sempre bem para você.

Aos poucos, lentamente, você verá uma distancia crescendo em você; a roda continuará se movendo, mas você não será pego nela. Não importa a você se é dia ou noite. Você está centrado em si mesmo; não está se agarrando a alguma outra coisa, não está criando seu centro em algum outro lugar.

Toda questão é se você é capaz de viver sem nenhuma escolha. Seja o que vier, desfrute-o. Quando ele se for, então outra coisa chega; desfrute-a. O dia é lindo, mas a noite é linda à sua própria maneira — por que não desfrutar ambos? E você pode desfrutar ambos somente se não estiver apegado a um deles.

Assim, somente uma pessoa em estado de não-escolha saboreia a vida em sua totalidade. Ela nunca é miserável. Seja lá o que acontecer, ela encontra uma maneira de desfrutar isso.

E essa é toda a arte da vida — encontrar uma maneira de  desfruta-la. Mas  a condição básica tem de ser lembrada: não-escolha. Você pode não escolher somente se estiver alerta, consciente, vigilante; do contrário, você vai cair na escolha.

A vida é certamente uma arte, a mais grandiosa das artes — e a fórmula mais curta é a consciência sem escolha, aplicável a todas as situações, a todos os problemas.

Osho

O que é essa estranha coisa chamada amor?



Dou-me conta de que o amor não pode existir quando há ciúmes; o amor não pode existir quando há apego. Bem, agora, é possível para mim estar livre do ciúmes e do apego? Dou-me conta de que não amo. Isso é um fato. Não vou enganar a mim mesmo: não vou fingir com minha mulher que a amo. Não sei o que é o amor. Porém, se sei que sou ciumento e também sei muito bem que estou terrivelmente apegado a ela e que no apego há temor, ciúmes, ansiedade há um sentido de dependência. Não gosto de depender, porém, dependo porque me sinto só; me pressionam por todos os lados, no serviço, na fabrica, e venho para minha casa e quero sentir-me cômodo e em companhia, desejo escapar de mim mesmo. Agora me pergunto: Como hei de me libertar deste apego? Tomo isso só como um exemplo.

Em primeiro lugar, quero safar-me do problema. Não sei como vão terminar as coisas com minha mulher. Quando estiver realmente desapegado dela, minha relação com ela pode se modificar. Ela poderia apegar-se a mim e eu poderia não estar apegado a ela nem a nenhuma outra mulher. Porém, vou investigar. Portanto, não escaparei do que imagino poderia ser a consequência de estar totalmente livre de apego. Não sei o que é o amor, porém, vejo muito claramente, definidamente, sem nenhuma dúvida, que o apego por minha mulher significa ciúmes, possessão, medo, ansiedade; e desejo libertar-me de tudo isso. De modo que começo a investigar; busco um método e caio preso num sistema. Certo guru disse: "Lhe ajudarei a desapegar-se, faça isto e isto, pratica isto e aquilo". Aceito o que ele disse porque vejo a importância de estar livre, e ele me promete que se faço o que aconselha serei recompensado. Porém, vejo que desse modo estou buscando uma recompensa. Vejo o tonto que sou: quero ser livre e me apego a uma recompensa.

Não desejo estar apegado e, não obstante, me encontro apegado a ideia de que alguém ou algum livro ou algum método me recompensará livrando-me do apego. Por conseguinte, a recompensa se converte em um apego. Assim que digo: "Olhe para o que tem feito; seja cuidadoso, não caia preso nessa armadilha". Seja que se trata de uma mulher, de um método ou de uma ideia, isso segue sendo apego. Agora estou muito alerta porque tenho aprendido algo, ou seja, no trocar o apego por alguma outra coisa, segue sendo apego.

Pergunto-me: "Que devo fazer para libertar-me do apego?" Qual é o motivo para querer estar livre do apego? Não é que anseio alcançar um estado onde não há apego nem temor nem nada disso? E subitamente me dou conta de que o motivo imprime uma direção e que essa direção ditará minha liberdade. Por que ter um motivo? O que é um motivo? O motivo é uma esperança ou um desejo de mudar algo. Vejo que estou apegado a um motivo. Não só minha esposa, não só minha ideia, não só o método, senão que também o motivo se converteu em meu apego! De modo que todo o tempo estou funcionando dentro do campo do apego: a esposa, o método e o motivo de mudar algo no futuro. Estou apegado a tudo isto. Vejo que é algo tremendamente complexo; não havia me dado conta de que estar livre do apego implica todas estas coisas. Agora o vejo tão claramente como vejo num mapa as estradas principais, as estradas secundárias e os povoados; o vejo com muita clareza. Então digo-me: "Está bem, é possível para mim estar livre  do grande apego que sinto por minha esposa e também estar livre da recompensa que penso que vou obter, assim como de meu motivo?" Estou apegado a tudo isto. Por que? É por que em mim mesmo sou insuficiente? É por que me sinto muito, muito só e por isso busco escapar da sensação de isolamento recorrendo a uma mulher, a uma idéia, um motivo, como se estivesse que aferrar-me a algo? Vejo que é assim, que me sinto só e que, mediante ao apego, escapo através de alguma coisa fugindo dessa sensação de extraordinário isolamento.

Estou, pois, interessado em compreender a razão do por que me sinto só, por que vejo que isso é o que faz com que me apegue. Essa solidão me tem obrigado a escapar, mediante o apego, para isto ou aquilo, e vejo que, enquanto prosseguir esse sentimento, a consequência será sempre esta. O que significa sentir-se só? Como ocorre? É algo instintivo, herdado, ou se origina em minha atividade diária? Se é um instinto, se é herdado, então forma parte de meu destino; não tenho culpa. Porém, como não aceito isto, o questiono e permaneço com a pergunta. Observo e não trato de encontrar uma resposta intelectual. Não trato de dizer para a solidão o que é e o que deveria fazer; observo para que ela me diga. Há um estado de atenta vigilância a fim de que a solidão se revela por si mesma. Não se revelará se fujo, se tenho medo, se a resisto. Portanto, a observo. A observo de modo que não interfira nenhum pensamento. A observação é muito mais importante que a intervenção do pensamento. E, graças a que toda minha energia se interessa na observação dessa solidão, o pensamento não intervém em absoluto. A mente é desafiada e tem que responder. Devido ao desafio está em crise. Numa crise você tem grande energia, e essa energia permanece sem ser interferida pelo pensamento. Este é um desafio a que devo responder.

Coloquei-me a dialogar comigo mesmo. Perguntei-me o que é essa coisa estranha chamada amor; todos falam dela, escrevem acerca dela; lhe fazem todos os poemas românticos, as pinturas, o sexo e todas as outras áreas que abarca. Pergunto: existe uma coisa como o amor? Vejo que não existe quando há ciúme, ódio, medo. De modo que já não me ocupo do amor; me interesso em "o que é", em meu medo, em meu apego. Por que estou apegado? Vejo que uma das razões — não digo que seja toda a razão — é que me sinto desesperadamente só, isolado. Quanto mais envelheço, mais isolado vou me sentindo. Por conseguinte, observo isso. Este é um desafio que me impulsiona a descobri e, devido a que é um desafio, toda a energia se concentra ai para responder. É algo simples. Se há uma catástrofe, um acidente ou o que for, isso é um desafio e tenho a energia para afrontá-lo. Não tenho que perguntar: "Como obtenho a energia?" Quando a casa se queima tenho a energia para entrar em ação, uma energia extraordinária. Não me sento e digo: "Bem, tenho que mudar esta energia" e fico esperando; então vai ter queimado toda a casa.

Assim, pois, tenho esta energia tremenda para responder a pergunta: Por que existe este sentimento de solidão? Rejeitei idéias, suposições e teorias acerca de que se trata de algo herdado, instintivo. Tudo isso não significa nada para mim. A solidão é "o que é". Por que existe esta solidão que todo ser humano, se é de algum modo consciente, experimenta seja de maneira superficial ou mais profunda? Por que se manifesta? É por que a mente faz algo que ocasiona esta solidão? Recusei teorias como o instinto e a herança, e me pergunto: É a mente, o cérebro mesmo que produz este sentimento de solidão, este isolamento total? É o movimento do pensar que faz isto, ele que cria em minha vida cotidiana este sentido de isolamento? No serviço me isolo porque quero chegar a ser o executivo máximo; portanto, o pensamento trabalha todo o tempo isolando-se em si mesmo. Vejo que o pensamento opera permanentemente para fazer-se superior, que a mente mesma induz este isolamento com sua atividade.

Assim, que o problema é: por que o pensamento faz isto? É sua natureza trabalhar para si mesmo? É a natureza do pensar criar este isolamento? É a educação o que o origina; esta me dá uma carreira, certa especialização e, por conseguinte, isolamento. O pensamento, sendo fragmentário, limitado, estando atado ao tempo, cria este isolamento. Nessa limitação tem encontrado segurança dizendo: "Tenho uma profissão especial em minha vida, sou um professor; estou perfeitamente seguro". Em consequência, me interessa saber por que o pensamento faz isto. Está em sua natureza mesma agir assim? Qualquer cosia que faça o pensamento tem que ser limitada.

Então, o problema é: Pode o pensamento dar-se conta de que qualquer coisa que faz é limitada, fragmentaria e, em consequência, isoladora, e que tudo o que fará será sempre assim? Este é um ponto muito importante: pode o pensamento mesmo dar-se conta de suas próprias limitações? Ou sou eu o que lhe diz que é limitado? Vejo que é indispensável que se compreenda isto, já que é a verdadeira essência da questão. Se o próprio pensamento se dá conta de que é limitado, então não há resistência nem conflito; diz: "Isso é o que sou". Porém, se eu lhe digo que é limitado, estou me separando da limitação. Então, luto para superar a limitação; por conseguinte, há conflito e violência, não amor.

Então, o pensamento mesmo se dá conta de que é limitado? Tenho que descobri-lo. Isto é um desafio que enfrento. Por causa de que enfrento um desafio, tenho uma grande energia. Expressando de outra forma: dá-se conta a consciência de que seu conteúdo é ela mesma? Ou ouvi outro dizer: "A consciência é seu conteúdo; o conteúdo compõe a consciência". Portanto, digo: "sim, é assim". Vejo a diferença entre um e o outro? O segundo, criado pelo pensamento, é imposto pelo "eu". Se imponho algo sobre o pensamento, há conflito. É como um governo tirânico impondo-se sobre alguém, porém, aqui, esse governo é de minha própria criação.

Pergunto-me, pois: o pensamento tem se dado conta de suas limitações? Ou pretende ser algo extraordinário, nobre, divino? Isto é um disparate, porque o pensamento se baseia na memória. Vejo que tem que haver clareza acerca deste ponto, ou seja, que não há uma influência externa que se imponha sobre o pensamento dizendo que é limitado. Então, devido a que não há imposição, não há conflito; o pensamento compreende, simplesmente, que é limitado, dá-se conta de que qualquer coisa que faça — render culto a Deus, etc. — é limitada, vulgar, insignificante, ainda quando haja criado por toda a Europa maravilhosas catedrais onde pode adorar.

Descobri, pois, nesta conversação comigo mesmo, que a solidão é criada pelo pensamento. Agora o pensamento deu-se conta, por si mesmo, de que é limitado e que, portanto, não pode resolver o problema da solidão. Como não pode resolver o problema da solidão, existe a solidão? O pensar tem criado este sentimento de solidão, este vazio interno, por causa de que é limitado, fragmentário, de que está dividido; e quando se dá conta disto, a solidão não existe e, portanto, estou livre do apego. Não fiz nada; observei o apego e o que implica: a ganância, o medo, a solidão, tudo isso, e seguindo-lhe a pista, observando-o, não analisando-o senão simplesmente olhando, olhando e olhando, descobri que o pensamento tem feito tudo isto. O pensamento, por ser fragmentário, tem criado este apego. Quando se dá conta, o apego termina. Não houve nenhum esforço, porque tão logo há esforço, o conflito regressa novamente.

No amor não há apego; se há apego não há amor. Eliminou-se o fator principal mediante a negação do que o amor não é, mediante a negação do apego. Sei o que isso significa em minha vida cotidiana: não me lembrar de nada do que o meu vizinho, minha esposa ou minha noiva fizeram para me machucar; não me apegar a nenhuma imagem que o pensamento tenha criado com respeito a minha esposa, como tenha me intimidado, como tem me brindado com consolo, como tenho tido prazer sexual com ela, todas as distintas coisas de que o movimento do pensar tem elaborado imagens; o apego a essas imagens tem desaparecido.

E existem outros fatores. Devo examiná-los todos, passo a passo, um por um? Ou tudo isso desvaneceu-se? Devo examinar cuidadosamente, investigar — como tenho investigado o apego — o temor, o prazer e o desejo de consolo? Vejo que não tenho que passar pela investigação completa de todos estes diversos fatores; o vejo de uma só olhada, o entendi.

Por conseguinte, ao negar o que não é o amor, o amor existe. Não tenho que perguntar o que é o amor. Não tenho que correr atrás dele. Se corro atrás dele, isso não é amor, é uma recompensa. Havendo, pois, negado nessa investigação tudo o que o amor não é, havendo terminado com isso lenta e cuidadosamente, sem distorção nem ilusão alguma, então o outro está aí.

Krishnamurti - Um diálogo consigo mesmo - Brockwood Park, Inglaterra, 30 de agosto de 1977             
        

22 de outubro de 2012

Sem a qualidade do amor, tudo carece de sentido

Pergunta: Quase todos estamos casados ou comprometidos numa relação íntima que começou por todas as razões errôneas que você tem descrito tão corretamente. Pode um casamento ou uma relação assim se, converter-se alguma vez numa força realmente positiva? (risos)

Krishnamurti: Que pessoas tão miseráveis! Então, como abordamos esta pergunta? O que significa estar em relação com outra pessoa? Você pode estar relacionado fisicamente de uma maneira muito estreita, intima, porém, alguma vez estamos relacionados psicologicamente, por inteiro? Não romanticamente, sentimentalmente; refiro-me ao sentido profundo de estar relacionados. A palavra relação significa estar em contato, ter um sentido de totalidade com o outro, não como entes separados que se juntam e se sentem totais, senão que a relação mesma produz esta qualidade, esta sensação de que não estão separados. Esta é, em verdade, uma questão sumamente importante, porque nossas vidas estão, em sua maior parte, muito isoladas, muito separadas, muito cuidadosamente estruturadas a fim de que não sejamos perturbados psicologicamente. E uma relação assim deve originar, inevitavelmente, conflito, perturbação e toda conduta neurótica que temos. Por conseguinte, juntos deixemos claro o que entendemos por relação, não só o significado dessa palavra, o significado verbal, senão o significado que há atrás da palavra, atrás das pessoas que estão relacionadas.

O que significa estar relacionados? Alguma vez estamos relacionados no sentido profundo dessa palavra? Pode haver uma relação dessa classe, inalterada, serena como as profundidades do mar? Pode haver se cada um de nós persegue seu próprio caminho particular, seu desejo particular, sua ambição particular e demais? Pode haver uma relação assim com o outro se existem estas coisas? Vocês dizem: “Como pode não existir? Acaso não é necessário que cada um de nós se realize, que floresça junto com o outro?” O que significa isso quando existe esse sentido de separação? Se cada um de nós diz que estamos nos ajudando mutuamente a florescer, a crescer, a nos realizarmos, a ser felizes juntos, então, seguimos mantendo o espírito de isolamento. Bem, agora, por que a mente, o cérebro, a entidade humana, se aferra sempre à separação?

Por favor, esta é uma pergunta muito, muito séria. Por que os seres humanos tem mantido, em todo o curso da história, este sentido de isolamento, de separação, de divisão? Você é católico, eu sou protestante. Você pertence a esse grupo e eu pertenço aquele grupo. Eu coloco uma túnica roxa ou uma túnica amarela ou me cubro com uma grinalda; e mantemos isto enquanto falamos da relação, do amor e tudo o mais. Por quê? (Por favor, estamos cooperando, investigamos juntos). Por que fazemos isto? Isso é consciente, deliberado, ou é inconsciente, é nossa tradição, nossa educação? Toda a estrutura religiosa sustenta que estamos separados, que somos almas separadas, etc. É por que o pensamento em si é separativo? Compreende? Eu penso que estou separado de você. Penso que minha conduta deve estar separada da sua, porque do contrário, existe o temos de que nos tornemos automáticos, zumbis, que nos imitemos uns aos outros. É o pensamento a causa deste sentido de separação na vida? Por favor, investiguemos isso juntos. O pensamento tem separado o mundo em nacionalidades. Você é inglês, outro é alemão, eu sou francês, você é russo e assim sucessivamente. Esta divisão é criada pelo pensamento. E o pensamento supõem que nesta separação, nesta divisão há segurança; pertencendo a uma comunidade, pertencendo ao mesmo grupo, tendo fé num mesmo guru, acreditando nas mesmas roupas que você veste conforme os mandos do guru, você se sente seguro, ao menos tem a ilusão de que está seguro.

Assim nos perguntamos: O que nos separa é o prazer, o desejo agradável que é também o movimento do pensar? Correto? Ou seja, o pensamento é alguma vez completo, total? Porque o pensamento se baseia no conhecimento, que é a imensa experiência acumulada do homem, seja no mundo científico, tecnológico ou psicológico. Temos acumulado uma grande quantidade de conhecimentos, tanto externa como internamente. E o pensamento é o resultado desses conhecimentos, o pensamento como memória, conhecimento, experiência. Portanto, o conhecimento jamais pode ser completo acerca de nada: acerca de Deus, do nirvana, do céu, da ciência..., de nada. De modo que o conhecimento deve marchar sempre junto com a sombra da ignorância. Por favor, vejamos esta fato juntos. Por isso, quando o pensamento penetra dentro do campo da relação, deve criar uma divisão, porque o pensamento mesmo é limitado. De acordo?

Se isto está claro para todos nós — não estou dando explicações, vocês o estão descobrindo por si mesmos —, então, que lugar ocupa o conhecimento na relação? Por favor, esta questão é muito séria, não é só uma proposição casual, argumentativa. Esta é uma investigação acerca de que lugar ocupam o conhecimento, a experiência, as recordações acumuladas, na relação. Tenham a bondade de responder a isto vocês mesmos, não olhem para mim. Se você diz: “Conheço a minha esposa — ou outra forma de relação intima —, já colocou esta pessoa dentro da estrutura de seu conhecimento acerca dela. Por conseguinte, esse conhecimento se torna o processo divisor. Você tem vivido com sua esposa, sua noiva ou o que for, e tem acumulado informação. Tem recordado as penosas declarações que ela tenha feito ou que você as fez; existe todo esse desenvolvimento da memória que dá forma a uma imagem, a qual interfere na relação com a outra pessoa. Correto? Por favor, observem isto em si mesmos. E ela está fazendo exatamente a mesma coisa. Nos perguntamos, pois: Que lugar ocupa o conhecimento na relação? O conhecimento é amor? Posso conhecer a minha esposa: sua aparência, o modo como se comporta, certos hábitos que possui, etc. Isso é bastante óbvio. Porém, por que devo dizer “conheço”? Quando digo que a conheço já limitei minha relação. Não sei se o compreendem. Já criei um bloqueio, uma barreira entre nós dois. Significa isso que em minha relação com ela me torno irresponsável? Compreendem minha pergunta? Se digo: “Basicamente, não conheço você”, sou irresponsável? Ou me torno extraordinariamente sensitivo — se é que posso usar essa palavra; é uma palavra errônea —, sou vulnerável, não tenho sentido algum de divisão, não tenho barreiras?

Portanto, se possuo esta qualidade de mente, de cérebro, se sinto que a relação é um florescer, um movimento — não é algo estático, é uma coisa viva, você não pode coloca-la em uma cesta e dizer “é isso” e não mover-se daí —, então, posso começar a perguntar-me: O que é o casamento? De acordo? O não casamento; você pode viver com outra pessoa, sexualmente, podem viver como companheiros, de mãos dadas, conversar e ir a um Registro Civil ou passar por uma cerimônia católica ou protestante e ser amarrados ali; ou podem viver sem estarem casados. Em um caso, você toma um voto de responsabilidade; no outro, não. Num estou legalmente casado e a separação ou o divórcio se torna bem mais difícil; no outro é bastante simples, ambos dizemos adeus e partimos em direções diferentes. E isso é o que está ocorrendo cada vez mais no mundo. Não condenamos nem a um nem ao outro. Por favor, só estamos considerando todo este problema: a responsabilidade e o sentimento de tremenda carga que representam os filhos. E aí vocês estão atados legalmente. No outro caso não, podem ter filhos, porém a porta está aberta sempre. Bem, agora, em ambos os casos, toda relação entre duas pessoas é uma mera forma de atração, de respostas biológicas por ambas as partes, curiosidade, o sentimento de querer estar com outro, o qual pode ser o resultado do inconsciente medo da solidão, um hábito estabelecido pela tradição? Em ambos os casos, se converteu num hábito e em ambos os casos há medo da perda, há a possessão, mutua exploração sexual e todas as sequelas disso. Bem, agora, o que é importante em todos os casos? Por favor, estamos considerando isto juntos; não estou lhes dizendo o que é e o que não é importante. O que é importante, indispensável em ambos os casos? A responsabilidade é essencial, não é verdade? Sou responsável pelas pessoas com quem vivo. Sou responsável, não só com respeito a minha esposa, senão que sou responsável pelo que está ocorrendo no mundo. Sou responsável de ver que não se matem as pessoas. Sou responsável. Responsável de ver que não haja violência. Estão de acordo?

Limita-se, pois, minha responsabilidade a uma pessoa, a minha família, a meus filhos, como o tem sido estabelecido pela tradição? No Ocidente, a família está desaparecendo mais e mais, enquanto que no Oriente a família segue sendo o centro. Esta é tremendamente importante; pela família farão qualquer coisa, ainda que sejam primos longínquos se manterão unidos, se ajudarão uns aos outros usando toda classe de influências. Porém, aqui, pouco a pouco isso está desaparecendo por completo.

Vejam senhores, à medida que vocês o investigam, este problema torna-se extraordinariamente complexo e vital. Se tenho filhos, se os amo realmente e me sinto responsável, o sou durante toda a vida deles, e eles devem sentir-se responsáveis por mim durante toda a sua vida. Devo ver que sejam devidamente educados, que não se lhes ensinem a causa de uma guerra.

Assim, pois, esta questão implica tudo isto. Investigando-a profundamente, você vê que, a menos que tenha esta qualidade do amor, tudo carece por completo de significação. E, se estou tentando não ser egoísta, não estar isolado, ter este sentimento de profundo afeto no qual não há apego e nem posse nem perseguição do prazer, e minha esposa sente o contrário, então, temos um problema completamente diferente. Compreendem isto? Então, o problema é: Que farei? Simplesmente abandoná-la, fugir, divorciar-me? Posso ter que faze-lo se ela insiste. Não é uma pergunta que possa ser respondida mediante umas tantas declarações, senão que requer muitíssima investigação interna nisto por ambas as partes. E, se nessa investigação, se nessa exploração não há amor, então, não há uma ação inteligente. Onde há amor, este tem sua própria inteligência, sua própria responsabilidade.

Krishnamurti – Brockwood Park, Inglaterra, 2 de setembro de 1982

18 de outubro de 2012

Titanic: Uma visão arquetípica - Parte 1

Titanic - Uma visão arquetípica
Das ilusões do eu à realidade da consciência que somos
Por: Nelson Jonas Ramos de Oliveira

12 de outubro de 2012

Sobre a compreensão de nós mesmos

Reunião on-line em tempo real (12/10/2012)
Compreender o que é requer um estado mental em que não haja identificação ou condenação, o que significa mente alerta, embora passiva. Esse estado mental acontece quando realmente desejamos compreender algo e quando há um interesse intenso, quando nos interessamos por compreender o que é; nesse estado mental verdadeiro não é preciso forçar, disciplinar ou controlar a mente; pelo contrário, ela se torna passivamente alerta, vigilante. Esse estado de percepção acontece quando há interesse, a intenção de compreender.
A fundamental compreensão de nós mesmos não vem por meio do conhecimento ou do acúmulo de experiências, que não são mais do que o cultivo da memória. Esse autoconhecimento acontece momento por momento. Se apenas acumularmos esse autoconhecimento, ele próprio impedirá a aquisição de mais compreensão, porque o acumulo de conhecimento e experiência torna-se o centro por meio do qual o pensamento se concentra e tem sua existência. O mundo de não é diferente de nós e de nossas atividades porque é o que somos, e isso é o que cria os problemas mundiais. A maior dificuldade da maioria de nós é não nos conhecermos diretamente e buscarmos um sistema, um método, um meio de operação que possam resolver os muitos problemas humanos.
Existe um sistema, isto é, um meio, que nos ajude adquirir autoconhecimento? Qualquer pessoa inteligente, qualquer filósofo, pode inventar um sistema, um método, mas seguir um sistema apenas produzirá um resultado criado por esse sistema, não é verdade? Se eu seguir determinado método para conhecer a mim mesmo, terei o resultado que ele exige, mas esse resultado, obviamente, não será a compreensão de mim mesmo. Ao seguir um método, um sistema, um meio para conhecer a mim mesmo, moldo meu pensamento, minhas atividades, de acordo com um padrão, mas seguir um padrão não me leva ao autoconhecimento.
Então, vemos que não há um método para o autoconhecimento. Buscar um método invariavelmente indica o desejo de se alcançar um resultado, e é isso o que todos nós queremos. Seguimos a autoridade — de uma pessoa, de um sistema, de uma ideologia — porque queremos um resultado que seja satisfatório, que nos dê segurança. Não queremos, de fato, compreender a nós mesmos, nossos impulsos e reações, todo o processo de nosso pensamento, tanto o consciente quanto o inconsciente, então preferimos seguir um sistema que nos garanta um resultado. Mas seguir um sistema é sempre o produto de nosso desejo de segurança, de certeza, e o resultado, naturalmente, não é a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um método, obrigatoriamente estamos seguindo uma autoridade — o professor, o guru, o salvador, o mestre — que nos garantirá que conseguiremos o que desejamos, e, evidentemente, esse não é o caminho para o autoconhecimento.
A autoridade impede a autocompreensão, não é verdade? Sob a proteção de uma autoridade, de um guia, podemos ter uma sensação temporária de segurança, de bem-estar, mas isso não é a compreensão de nosso processo total. A autoridade, pela própria natureza, impede-nos de ter a completa autopercepção e, desse modo, acaba por destruir a liberdade. E só pode haver criatividade quando há liberdade. Só podemos ser criativos por intermédio do autoconhecimento. A maioria de nós não é criativa; somos máquinas repetitivas, simples discos tocando sem parar as mesmas canções de nossa experiência, de certas conclusões e lembranças, sejam nossas ou de outra pessoa. Essa repetição não é uma existência criativa, mas é isso o que queremos. Como queremos segurança interna, estamos constantemente procurando métodos e meios que nos proporcionem essa segurança e, assim, criamos a autoridade, a adoração de outros, o que destrói a compreensão, essa tranquilidade espontânea da mente, o único estado em que pode haver criatividade. Não há dúvida de que nosso problema é que perdemos esse senso de criatividade. Ser criativo não significa pintar quadros ou escrever poesias. Isso não é criatividade, mas, simplesmente a capacidade de expressar uma ideia, que o público tanto pode aplaudir, quanto ignorar. Capacidade e criatividade não devem ser confundidas. Criatividade é um estado no qual o eu está ausente, no qual a mente não é mais o foco de nossos desejos, experiências, ambições e buscas. Criatividade não é um estado contínuo; é novo a cada momento, é um movimento em que não existem o “eu”, o “mim”, em que o pensamento não está focalizando nenhuma experiência em particular, nenhuma ambição ou realização, nenhum propósito ou motivo. Só quando o eu está ausente é que pode haver criatividade, e é apenas nesse estado mental que pode haver realidade, a criadora de todas as coisas. Esse estado, porém, não pode ser concebido ou imaginado, não pode ser formulado ou copiado, não pode ser alcançado por meio de qualquer sistema, filosofia ou disciplina; pelo contrário, acontece apenas pela compreensão do processo total de nós mesmos.
Essa compreensão não é um resultado, uma culminância, é cada um de nós ver a si mesmo, momento após momento, no espelho do relacionamento — no relacionamento com os bens, com as coisas, pessoas e ideias. Mas consideramos difícil permanecer atentos, cônscios, e preferimos embotar nossa mente, seguindo um método, aceitando autoridades, superstições e teorias gratificantes. Assim, a mente enfraquece, torna-se exausta e insensível. Uma mente assim não pode estar em um estado de criatividade, porque esse estado só acontece quando o eu, que é o processo de identificação e acúmulo, deixa de existir, pois, afinal, a consciência do “eu”, do “mim”, é o centro da identificação, e identificação é meramente o processo de acumulação de experiência.
Mas todos nós temos medo de não ser nada, todos queremos ser alguma coisa. O homenzinho quer ser um homem grande, o que não tem virtude quer ser virtuoso, o fraco e obscuro deseja poder, posição e autoridade. Essa é a atividade incessante da mente. Uma mente assim nunca fica em silêncio; portanto, não consegue compreender o estado de criatividade.
A fim de transformar o mundo que nos rodeia, com suas misérias, suas guerras, desemprego, fome, divisão de classes e profunda confusão, é preciso que ocorra uma transformação em cada um de nós. A revolução deve começar dentro de cada um, mas não de acordo com uma crença ou ideologia, porque uma revolução baseada em ideias, ou em conformidade com determinado padrão, não é revolução, absolutamente. Para causar uma revolução fundamental em nós mesmos precisamos compreender o processo total de nossos pensamentos e sentimentos no relacionamento uns com os outros. Não ter mais disciplinas, crenças, ideologias e professores, essa é a única solução para todos os nossos problemas. Se pudermos compreender a nós mesmos, como somos, a cada momento, sem o processo de acumulo, então alcançaremos a tranquilidade que não é imaginada, nem cultivada, o único estado em que pode haver criatividade.
Krishnamurti

10 de outubro de 2012

O Observador e a Coisa Observada



Tende a bondade de continuar a acompanhar-me um pouco mais. Esta matéria poderá ser um tanto complexa e sutil, mas, por favor, continuai comigo a investigá-la.

Pois bem; quando formo uma imagem a respeito de vós ou de qualquer coisa, tenho a possibilidade de observar essa imagem e, assim, há a imagem e o observador da imagem. Vejo uma pessoa, suponhamos, de camisa vermelha, e minha reação imediata é de gostar ou não gostar dessa camisa. O gostar ou não gostar é resultado de minha cultura, de minha educação, minhas relações, minhas inclinações, minhas características adquiridas ou herdadas. É desse centro que eu observo e faço meu julgamento, e, assim, o observador está separado da coisa que observa.

Porém, o observador está percebendo mais do que uma só imagem; ele cria milhares de imagens. Ora, o observador difere dessas imagens? Não é ele apenas outra imagem? Está sempre a acrescentar ou a subtrair alguma coisa do que ele próprio é; ele é uma coisa viva, a todas as horas, ocupada em pesar, comparar, julgar, modificar, mudar, em virtude de pressões do exterior e do interior; vive no campo da consciência, que são seus próprios conhecimentos, as influências e avaliações inumeráveis. Ao mesmo tempo que olhais o observador, que é vós mesmo, vedes que ele é constituído de memórias, experiências, acidentes, influências, tradições e infinitas variedades de sofrimento, sendo tudo isso o passado. Assim, o observador é tanto o passado como o presente, e o amanhã o aguarda e faz também parte dele. Ele está meio vivo, meio morto, e com essa morte e vida é que observa. Nesse estado mental, situado no campo do tempo, vós (o observador) olhais o medo, o ciúme, a guerra, a família (a entidade feia e fechada chamada a família), e procurais resolver o problema da coisa observada, a qual é o desafio, o novo; estais sempre a traduzir o novo nos termos do velho e, por conseguinte, vos vedes num conflito perpétuo.

Uma imagem-, na qualidade de observador, observa dúzias de outras imagens, ao redor e dentro de si mesmo, e o observador diz: "Gosto dessa imagem, vou conservá-la", ou "Não gosto dessa imagem e, portanto, vou livrar-me dela" — mas o próprio observador foi formado pelas várias imagens, nascidas da reação a várias outras imagens. Assim sendo, alcançamos um ponto em que podemos dizer: O observador é também imagem, porém separa a si próprio para observar. Esse observador, que se tornou existente por causa de várias outras imagens, julga-se permanente e entre si próprio e as demais imagens criou uma separação, um intervalo de tempo. Isso gera conflito entre ele e as imagens que ele crê serem a causa de suas tribulações. Diz, então: "Preciso livrar-me desse conflito", mas o próprio desejo de livrar-se do conflito cria outra imagem.

O percebimento de tudo isso, que é a verdadeira meditação, revela haver uma imagem central, formada por todas as outras imagens, e essa imagem central — o observador — é o censor, o experimentador, o avaliador, o juiz que deseja conquistar ou subjugar as outras imagens ou destruí-las de todo. As outras imagens resultam dos juízos, opiniões e conclusões do observador, e o observador é o resultado de todas as outras imagens — portanto, o observador é a coisa observada.

Assim, o percebimento revela os diferentes estados da mente; revela as várias imagens e a contradição entre elas existente; revela o conflito daí resultante e o desespero por não se poder fazer coisa alguma em relação ao conflito, e as diferentes tentativas de fugir dele. Tudo isso foi revelado pela vigilância cautelosa, hesitante, e percebe-se, então, que o observador é a coisa observada. Não é uma entidade superior que se torna consciente dessas coisas, não é um "eu" superior (a entidade superior, o eu superior são meras invenções, outras tantas imagens); o próprio percebimento revelou que o observador é a coisa observada.

Se fazeis a vós mesmo uma pergunta, quem é a entidade que vai receber a resposta? E quem é a entidade que vai investigar? Se essa entidade faz parte da consciência, se faz parte do pensamento, nesse caso ela é incapaz de descobrir a resposta. O que pode descobrir é apenas um estado de percebimento. Mas, se nesse estado de percebimento continua a existir uma entidade que diz: "Preciso estar cônscia, preciso praticar o percebimento" — essa entidade, por sua vez, é mais uma imagem.

Esse percebimento de que o observador é a coisa observada não é um processo de identificação com a coisa observada. Identificar-nos com uma dada coisa é relativamente fácil. A maioria de nós se identifica com alguma coisa: com a família, o marido, a esposa, a nação; e essa identificação leva a grandes aflições e
grandes guerras. Estamos considerando uma coisa inteiramente diferente, que não devemos compreender verbalmente, porém no âmago, na raiz mesma de nosso ser. Na China antiga, um artista, antes de começar a pintar qualquer coisa, uma árvore, por exemplo — ficava sentado diante dela durante dias, meses, anos (não importa quanto tempo) até ele próprio ser a árvore. Ele não se identificava com a árvore, mas era a árvore. Isso significa que não havia espaço entre ele e a árvore, não havia espaço entre o observador e a coisa observada, não havia um experimentador a experimentar a beleza, o movimento, o matiz, a intensidade de uma folha, a "qualidade" da cor. Ele era totalmente a árvore, e só nesse estado podia pintá-la.

Qualquer movimento por parte do observador, se ele não percebeu que o observador é a coisa observada, só cria outra série de imagens e, mais uma vez, nelas se vê enredado. Mas, que sucede, quando o observador percebe que o observador é a coisa observada? Andai devagar, bem devagar, pois estamos examinando uma coisa muito complexa. Que sucede? O observador não age, absolutamente. O observador sempre disse: "Tenho de fazer algo em relação a essas imagens; devo recalcá-las ou dar-lhes uma forma diferente"; está sempre ativo em relação à coisa observada, agindo e reagindo, apaixonada ou indiferentemente, e essa ação de gostar e não gostar, por parte do observador, é chamada ação positiva — "Gosto desta coisa, portanto, devo conservá-la; não gosto daquela, portanto, tenho de livrar-me dela". Mas, quando o observador percebe que a coisa em relação à qual está agindo é ele próprio, não há então conflito entre ele e a imagem. Ele ê ela. Não está separado dela. Quando separado, ele fazia ou tentava fazer alguma coisa em relação a ela; mas, ao perceber que ele próprio é aquilo, não há mais gostar nem não gostar, e o conflito cessa.

Pois, que pode ele fazer? Se uma coisa ê vós, que podeis fazer? Não podeis revoltar-vos contra ela, ou fugir dela, ou, mesmo, aceitá-la. Ela existe. Assim, toda ação resultante da reação, de gostar e não gostar, cessa.

Descobrireis, então, que há um percebimento que se torna extremamente vivo. Não está sujeito a nenhum fator central ou a alguma imagem, e dessa intensidade de percebimento provém uma diferente qualidade de atenção e a mente, por conseguinte (pois a mente é esse percebimento), se torna sobremodo sensível e altamente inteligente.

Krishnamurti - Liberte-se do Passado
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