Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

25 de fevereiro de 2013

Relatos da manifestação da Inteligência Criativa Amorosa

17 de julho

Após escalarmos a íngreme ladeira arborizada de uma montanha, fomos sentar em um banco. Inesperadamente, aquela sagrada benção nos atingiu; embora nada disséssemos, o companheiro também a sentiu. Assim como muitas vezes inundou o quarto, agora, parecia cobrir toda a encosta e o vale que se estendia para além das montanhas. Ela estava em toda parte. Era como se o espaço não existisse; o que se encontrava distante, o vasto desfiladeiro, os picos cobertos de neve e a pessoa sentada no banco logo desapareceram. Não havia um, dois, ou muitos, mas apenas aquela imensidão. O cérebro já não reagia, era apenas um instrumento de observação; via não como um cérebro pertencente a determinada pessoa, mas como um cérebro não condicionado pelos limites do tempo e do espaço, como a essência de todos os cérebros.

A noite estava calma e o processo havia diminuído de intensidade. Ao despertarmos pela manhã, aquela experiência teria durado talvez um minuto, um hora, ou uma eternidade. Experiência transmitida não é uma verdadeira experiência; aquilo que tem continuidade deixa de ser experiência. Ao acordarmos, a imensa chama da atenção, da plena consciência e da criação, ardia furiosamente bem no íntimo, na imensurável profundeza da mente total. A palavra não é a coisa; o símbolo não é o real. O fogo que arde na superfície da vida passa, apaga-se, deixando atrás de sai tristeza, cinzas e lembranças. A tal fogo dá-se o nome de vida, mas não é vida. Isto é decadência. O destruidor fogo da criação é que constitui a vida. Nele não há começo nem fim, não há o ontem nem o amanhã. É uma realidade, e nenhuma atividade superficial jamais o descobrirá. O cérebro deve morrer para que surja esta vida.

19 de julho

Ontem à tarde, o processo tornou-se mais doloroso. Ao anoitecer, a sagrada benção surgiu inundando o quarto. A noite foi calma, embora a pressão e a tensão estivessem presentes, como o sol encoberto pelas nuvens; de manhã bem cedo, o processo recomeçou.

Parece que acordamos apenas para registrar dada experiência; isto tem acontecido frequentemente, desde o ano passado. Despertamos esta manhã com um vivo sentimento de alegria; ele surgiu-nos ao acordarmos; não era uma coisa do passado, mas que estava acontecendo. Ela tinha existência própria, não era provocada pela própria pessoa; aquela avassaladora energia penetrava e fluía por todo o organismo. O cérebro não tomava parte naquilo, mas, apenas registrava, não como lembrança, porém, como um fato real que estivesse ocorrendo. Por trás deste êxtase parecia haver imensa força e vitalidade; não se tratava de um sentimento, nem de uma sensação ou emoção, pois era tão sólido e real como aquela torrente que jorrava da montanha, ou o pinheiro solitário, na encosta verdejante. Toda sensação e emoção provêm do cérebro, mas não o amor, e daí a presença daquele êxtase. É com a maior dificuldade que o cérebro pode evocá-lo.

De manhã cedo sentimos uma benção que parecia cobrir a terra e encher o quarto. Com ela, uma consumidora tranquilidade, um total e envolvente silêncio.

28 de julho

Caminhávamos, ontem, por nossa estrada preferida, paralela ao ruidoso regato, no estreito vale de pinheiros escuros, campos floridos, e, ao longe, a imponente montanha, coberta de neve, e uma queda d’água. Tudo era enlevo, paz, frescor. Ali, enquanto andávamos, surgiu aquela benção sagrada, algo que quase podíamos tocar, e, interiormente, passávamos por transformações. O encanto e a beleza daquela noite singular não pertencia a este mundo. O imensurável sobreveio, propiciando um clima de paz.

Esta manhã, ao despertarmos, constatamos que o processo se intensificava; vinha por detrás da cabeça, avançando como uma flecha, com aquele som peculiar quando investe cortando o ar; era uma força, um movimento sem direção. Uma atmosfera de imensa firmeza e inacessível “dignidade” se fazia sentir. Junto com a austeridade que o pensamento não pode conceber, sentíamos uma pureza de infinita suavidade. Mas, isto são palavras, meras palavras, que jamais descreveram o real. O símbolo nunca é a realidade e em si mesmo nada exprime.

O processo perdurou toda a manhã, e uma taça, sem dimensões, parecia repleta, a ponto de transbordar.       

Krishnamurti – Diário de Krishnamurti – Cultrix

Não apague a chama fecunda do descontentamento

Já se sentaram em completo silêncio sem se mexer? Tentem, sentem-se com as costas retas e observem o que a mente faz. Não tentem controlá-la, não digam que ela não deve pular de um pensamento para outro, de um interesse para outro, mas somente conscientizem-se de como ela vagueia. Não façam nada a respeito, mas observem como se estivessem na margem de um rio olhando a água passar. Nela há muita coisa — peixes, folhas, animais mortos —, mas está sempre viva, em movimento, e a mente é idêntica. É uma inquietação, incessante, pulando de um ponto para outro como uma borboleta.
 
Quando vocês ouvem uma música, como agem? Podemos gostar da pessoa que está cantando, ela pode ter um rosto bonito, e vocês podem acompanhar o significado da letra; porém, por trás de tudo isso, quando ouvem a música, estão ouvindo os tons e o silêncio entre eles, não é? Da mesma maneira, sentem-se em silêncio sem ficar irrequietos, sem mover as mãos ou até mesmo os dedos dos pés, e simplesmente observem a mente. É divertido. Se tentarem como algo divertido, verão que a mente começa a se estabilizar sem que você se esforce para controlá-la. Não existe um censor, juiz ou avaliador, e quando a mente fica assim tranquila por si só, espontaneamente estabilizada, descobriremos o que é ser alegre. Sabem o que é alegria? É rir, se deliciar com algo ou por algo, provar da satisfação de viver, sorrir, olhar direto no rosto do outro sem qualquer sensação de medo.
 
Já olharam realmente no rosto de alguém? Olharam o rosto do professor, dos pais, do superior, do empregado, do pobre trabalhador braçal e viram o que acontece? A maioria de nós teme olhar diretamente no rosto do outro, e os outros não desejam que nós os encaremos desta maneira porque também estão assustados. Ninguém deseja se revelar; Estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar você diretamente no rosto e sorrir. E é muito importante sorrir, ser feliz, porque sem uma canção no coração a vida se torna insípida. Pode-se ir de um templo a outro, trocar de marido ou de esposa, ou encontrar um novo professor ou guru, mas se não houver alegria interna a vida terá pouco significado. E descobrir a satisfação interna não é fácil, porque a maioria de nós está apenas superficialmente descontente.
 
Sabem o que significa estar descontente? É muito difícil compreender esse sentimento porque a maioria de nós canaliza esse sentimento em uma certa direção, ocultando-o. A única preocupação que temos é nos estabelecermos em um posição segura, com interesses e prestígio bem-estabelecidos, para não sermos perturbados. Acontece nos lares e também nas escolas. Os professores não querem ser perturbados e por isso seguem a velha rotina. Porque, no momento que alguém se sentir realmente descontente e começar a inquirir, questionar, haverá distúrbios. E somente por intermédio do verdadeiro descontentamento é que surge a iniciativa.
 
Sabem o que é iniciativa? Vocês tem iniciativa quando iniciam ou começam algo sem serem acionados. Não é preciso algo muito grande ou extraordinário — isso pode surgir mais tarde; mas existe a centelha da iniciativa quando você planta uma árvore sem ser solicitado, quando é espontaneamente gentil, quando sorri para um homem que está carregando algo pesado, quando tira uma pedra do caminho ou afaga um animal na rua. Esse é um pequeno início de uma tremenda iniciativa que vocês devem ter se desejam conhecer esta cosia maravilhosa chamada criatividade. Ela possuí suas raízes na iniciativa, que acontece somente quando existe um profundo descontentamento.
 
Não tenham receio do descontentamento, podem nutri-lo até que a centelha se torne uma chaga e vocês permaneçam descontentes com tudo — os empregos, as famílias, a busca tradicional por dinheiro, posição, poder —, para que realmente comecem a pensar, descobrir. E quando estiverem mais velhos descobrirão que manter o espírito de descontentamento é muito difícil. Terão filhos para cuidar e deverão considerar as exigências em seus empregos, a opinião dos vizinhos, da sociedade fechando-se sobre vocês, e logo começarão a perder a chama do descontentamento. Quando se sentem descontentes, vocês ligam o rádio, vão a um guru, fazem rituais, vão ao clube, bebem, saem em busca de mulheres — qualquer coisa para encobrir a chama. Mas, observem, sem a chama do descontentamento, nunca terão iniciativa, que é o início da criatividade. Para descobrir o que é verdadeiro vocês precisam se revoltar contra a ordem estabelecida, e quanto mais dinheiro seus pais tiverem e mais seguros os professores estiverem em seus empregos, menos eles desejarão se revoltar.
 
A criatividade não é apenas uma questão de pintar quadros ou escrever poemas — o que também é bom, mas de pouca valia. O importante é estar totalmente descontente, pois esse é o início da iniciativa, que se torna criatividade quando amadurece. E esse é o único caminho para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus, porque o estado criativo é Deus.
 
Por isso é preciso haver o total descontentamento — mas com alegria. Compreenderam? É preciso estar totalmente descontente, mas não para resmungar, e sim agir com alegria, leveza, com amor. A maioria das pessoas que está descontente é terrivelmente aborrecida; estão sempre se queixando que algo não está certo, ou desejando estar numa posição melhor, ou buscando circunstâncias diferentes, porque seu descontentamento é bem superficial. E aqueles que não estão descontentes já estão mortos.
 
Se puderem se rebelar ainda jovens, e enquanto amadurecerem mantiverem o descontentamento vivo com a energia da satisfação e do grande afeto, então a chama terá um significado extraordinário, porque ela construirá, criará, montará coisas novas. Para isso é preciso receber a educação correta, que não é do tipo que apenas os prepara para conseguir um emprego, ou subir a ladeira do sucesso, mas a que os ajuda a pensar e ceder espaço — não o de um quarto maior, ou um telhado mais elevado, mas para a mente crescer e não ficar limitada por qualquer crença ou medo.

(...) O que acontece quando não fazemos esforço para fugir? Vivemos com essa solidão, esse vazio, e, ao aceitarmos isso, vemos surgir um estado criativo, que não tem nava a ver com luta, com esforço. Existe esforço apenas quando tentamos evitar a solidão interior, mas quando a examinamos, quando aceitamos o que é, sem tentar evitá-lo, alcançamos um estado de ser em que toda a luta cessou. Esse estado de ser é criatividade, e não resulta de esforço.

Quando compreendemos o que é, ou seja, o vazio, a insuficiência interior, e vivemos com essa insuficiência e a compreendemos completamente, encontramos a realidade criativa — a inteligência criativa —, que, por si só, traz felicidade. 

Assim, a ação, como a conhecemos na verdade é reação, uma transformação incessante, e isso é negação do que é. Mas quando há uma conscientização do vazio, sem condenação ou justificativa, com a compreensão do que é, então, sim, a ação é criatividade. Você compreenderá isso se estiver cônscio de si mesmo, quando em ação. Observe-se quando estiver agindo, veja a si mesmo não apenas externamente, mas  procure perceber também o movimento de seus pensamentos e sentimentos. Quando perceber esse movimento, verá que o processo do pensamento, que também é de sentimento e ação, baseia-se em uma ideia de transformação. Essa ideia surge apenas quando há um senso de insegurança, e esse senso vem quando se está cônscio do vazio interior. Se você estiver cônscio desse processo de pensamento e sentimento, verá que há uma batalha em constante andamento, um esforço para mudar, para altera o que é. Esse é o esforço de transformação, e transformação é evitar diretamente o que é. Por meio do autoconhecimento, da constante conscientização de si mesmo, você descobrirá que a luta pela transformação leva à dor, ao sofrimento e à ignorância. Só quando estiver cônscio de sua insuficiência interior e viver com ela, sem fugir, aceitando-a integralmente, é que você descobrirá uma maravilhosa tranquilidade, uma tranquilidade que não é fabricada, não construída, mas que vem com a compreensão do que é. E é só nesse estado de tranquilidade que pode haver existência criativa. 

Krishnamurti

22 de fevereiro de 2013

A importância de um profundo estado de “fome psicológica”

Liberdade significa esvaziar a mente do conhecido. Não sei se já alguma vez tentaste, vós mesmo. O relevante é libertarmos a mente do conhecido, ou melhor, que a mente se liberte do conhecido. Isso não significa que a mente deva libertar-se do conhecido "factual", pois em certo grau necessitamos desse conhecimento. É claro que não deveis libertar-vos do conhecimento do lugar onde morais, etc. Mas a mente pode libertar-se do seu fundo de tradição, de experiências acumuladas, e dos vários impulsos conscientes e inconscientes que representam reações daquele fundo; e ficar completamente livre desse fundo significa rejeitar, colocar de lado, morrer para o conhecido. Se assim fizerdes, descobrireis por vós mesmo quanto é realmente significativa a liberdade.

Falo a respeito de uma liberdade interior, total, em que não há dependência psicológica, nem apego de espécie alguma. Enquanto há apego, não há liberdade, porque o apego implica sentimento de íntima solidão, vazio interior, o qual exige um estado de relação exterior em que amparar-se. A mente livre não é apegada, embora possa ter relações. Mas não pode nascer a liberdade, se não há aquele "estado de aprender" que traz consigo uma profunda disciplina interior, não baseada em ideias nem em nenhum padrão "conceitual". Quando a mente está a libertar-se constantemente, pelo morrer para o conhecido momento por momento, daí provem uma disciplina espontânea, uma austeridade nascida da compreensão. A verdadeira austeridade é uma coisa maravilhosa; não é a disciplina seca, e sem nenhum valor, da renúncia destrutiva, que em geral imaginamos.

(...) Talvez já tenhais conhecido a experiência de vos sentirdes subitamente isolado de todas as coisas, de não estardes em relação com coisa alguma. Podeis achar-vos no meio de uma multidão, ou no círculo da família, ou numa reunião social, ou podeis estar passando a sós pela margem de um rio, e subitamente vos vem um sentimento de completo isolamento. Esse sentimento de isolamento é essencialmente um "estado de medo", e ele sempre existe emboscado no segundo plano da mente. Desse modo procuramos fugir constantemente, fazendo coisas de todo gênero: lendo um livro, ouvindo o rádio, vendo televisão, bebendo, procurando mulheres, voltando-nos à busca de Deus, etc. Ele é isolamento, e de nosso medo ao isolamento é que decorrem todas as nossas ações e reações. "Isolamento" é coisa completamente diferente de "solidão".

A mente que se vê isolada, e com medo, está à mercê de inumeráveis influências; como um pedaço de barro, ela é maleável, pode ser modelada, ser forçada a ajustar-se a um molde. Mas, solidão é a completa libertação mental de todas as influências: influência de esposa, do marido, da tradição, da igreja, do Estado. Ela significa estar libertado da influência do que ledes, e da influência de vossas próprias exigências inconscientes. Por outras palavras, solidão é o estado em que se está completamente livre do "conhecido". É o "estado de aprender" que vem quando a mente compreende o processo total da vida; e com ela vem uma disciplina que não é a disciplina da igreja, ou do exército, ou do especialista, ou do atleta, ou do homem que cultiva o saber. É a disciplina nascida de um profundo senso de humildade; e não pode haver humildade, se a mente não está completamente .

(...) Na maioria, buscamos Deus, e nosso Deus é uma mera questão de crença. A palavra God (Deus) escrita às avessas é dog (cachorro), e esta última serve tão bem como a primeira para designar aquilo que chamamos Deus. Mas, fomos educados, desde a meninice, para aceitar aquela palavra; e a religião organizada, com sua milenar propaganda, condiciona a mente para crer naquilo que supõe que a palavra representa. A aceitamos tal crença com tanta facilidade, exatamente como no mundo comunista aceitam a crença de que não há Deus, porque nessa crença foram eles educados. Esse é outro gênero de propaganda. O crente e o não crente são iguais, porquanto ambos são escravos da propaganda.

Ora, para descobrirdes se há ou não há Deus, deveis destruir, em vós mesmos, tudo o que seja produto da propaganda. O que hoje chamamos "religião" foi organizado, formado durante séculos pelo homem, com seu medo, sua avidez, sua ambição, sua esperança e desespero. E para descobrir se há ou não há Deus, a mente deve destruir totalmente, sem nenhum motivo, todas as acumulações do passado; deve eliminar radicalmente todas as crenças e descrenças e desistir completamente de buscar. Deve a mente estar vazia do "conhecido", vazia do Salvador, vazia de todos os deuses manufaturados pelo pensamento e esculpidos na madeira ou na pedra. Só quando livre do conhecido, pode a mente encontrar-se num estado de absoluta tranquilidade, não provocada por uma certa maneira de respirar, por exercícios, artifícios, drogas. E precisamos chegar até esse ponto — que na realidade não está longe, pois não há distância nenhuma para percorrer. Mas, para se poder abolir a distância, o tempo deve cessar; e só pode cessar o tempo, quando há o conhecimento de nós mesmos, como realmente somos, fato por fato. Nesta extraordinária liberdade, que começa com o autoconhecimento, há um movimento — um movimento que é imensurável, além de todos os conceitos. Esse movimento é criação; e quando a mente chegar a esse movimento, descobrirá, por si própria, que o amor, a morte a criação são a mesma coisa.

(...) Quando um homem está a morrer de fome, que bem lhe faz descrevermos para ele um prato suculento ou uma iguaria de delicado sabor? O que ele quer é comida. Teorias e descrições nenhuma significação tem para o homem que tem fome de descobrir por si mesmo o que é verdadeiro. Mas, infelizmente, a maioria de nós não tem fome desse sentido. Estamos bem nutridos, psicologicamente, porque estamos repletos de nossas próprias experiências, e encontramos abrigo seguro no dogma, na crença. Sentimo-nos em segurança, porque pertencemos a este ou àquele grupo, a esta ou àquela Igreja. E quando nos vem um sentimento de descontentamento — o que muito raramente acontece — logo tratamos de sufocá-lo, procurando alguma coisa que nos dê satisfação imediata. O que tem verdadeira importância é estarmos, no plano psicológico, terrivelmente famintos, e permanecermos nesse estado, sem nos tornarmos insanos ou neuróticos. A questão não é de como aplacar aquela fome, porque no momento em que o fazeis estais perdido. Podeis aplacá-la muito facilmente, com palavras, com teorias, com livros, com Igrejas, com... Oh!... com qualquer coisa. Mas, se permaneceis nesse estado de profunda "fome psicológica", ela é então como uma chama viva que destruirá todas as coisas falsas até nada mais restar senão cinzas; e como resultado desse vazio, algo real pode verificar-se.

Krishnamurti — O homem e seus desejos em conflitos - ICK

Do intelecto analítico à razão intuitiva



Sentidos, intelecto, razão...

Esta trilogia marca o itinerário evolutivo do homem sobre a face da Terra. No princípio da grande jornada, o homem só atingia aquilo que os sentidos lhe ofereciam, como reflexo do mundo circunjacente. E neste plano o homem se parece com o animal.

Mais tarde, despertou o homem a faculdade analítica do intelecto — e com isso o homem entrou no primeiro estágio da sua característica hominalidade. Nasceu o homem-ego, o homem-persona, o homem-intelecto.

O grosso da presente humanidade se acha ainda neste primeiro estágio hominal, incluindo, naturalmente, o estágio animal dos sentidos.

Sentidos e intelecto formam o homem-ego, cuja inteligência atingiu, sobretudo nos últimos tempos, notável desenvolvimento. A inteligência humana se revela pela ciência, cujo campo é a investigação das relações de causa e efeito que vigoram entre os fenômenos que os sentidos nos apresentam. O intelecto conhece causas e efeitos — mas ignora a Causa Única dessas causas e desses efeitos múltiplos.

Entretanto, faz parte da natureza humana uma faculdade ultra-intelectiva, que os gregos chamavam "Lógos" (diferenciando-a do "nóos", ou intelecto) e que os romanos designavam pelo termo "ratio". Infelizmente, em nossos dias, raras vezes se faz a devida distinção entre "intelecto" e "razão". No uso geral, as palavras razão e racional e o termo "lógico" (derivado de "lógos", razão) se referem, quase sempre, à atividade do intelecto; dizemos que fulano é um intelectualista unilateral, meramente analítico, e dizemos que sicrano pensa logicamente, quando entendemos que ele se guia pelos ditames da inteligência.

Na Filosofia Univérsica, porém, que prima por uma terminologia de precisão matemática, fazemos questão de pensar e falar com a mais alta e rigorosa precisão;  não confundimos razão com intelecto.

O intelecto age analiticamente — a razão reage intuitivamente.

O intelecto é ego-pensante — a razão é cosmo-pensada. E pode mesmo chegar a ser cosmo-pensante, no caso que atinja o clímax do seu poder. No estágio racional aparece o homem-Eu, o homem-indivíduo (indiviso).

O homem-Eu, no estágio da razão, age pela sapiência ou sabedoria. Ultrapassou a simples ciência do homem-ego, que age analiticamente.

A humanidade do presente, raras vezes, age com sapiência; conhece apenas a ciência, que é do ego intelectual. Só de vez em quando aparece um ser humano que se guia pela sapiência do Eu intuitivo.
O modo de agir sapiencial é, para o homem intelectual, um absurdo, um paradoxo — e o é na verdade, porque "absurdo" em latim e "paradoxal" em grego querem dizer "para além do intelecto".No primeiro século, Paulo de Tarso escreveu aos cristãos de Corinto:

"O homem intelectual (psychikós) não compreende as coisas que não são do espírito (pnêuma, sinônimo de Lógos), que lhe parecem tolices; nem as pode compreender, porque as coisas do espírito devem ser compreendidas espiritualmente".
Que diríamos de um homem que quisesse ouvir diretamente, com os ouvidos, as ondas eletrônicas de uma estação emissora? Não as pode ouvir, porque os ouvidos só percebem ondas aéreas, que estão em outra dimensão de frequência vibratória. Os nossos ouvidos só podem ouvir vibrações eletrônicas depois de convertidas em vibrações aéreas pelo aparelho receptor e transformador do rádio.

O intelectual analítico não pode perceber a irradiação do racional intuitivo, a não ser que ele racionalize primeiro a sua inteligência.

21 de fevereiro de 2013

Diálogo sobre a transmissão do novo paradigma

Dali

Out: Oi.

Deca: Oi, arrumou sua máquina?

Deca: Ainda não; os meninos estão configurando; estou na máquina de um deles.

Out: Queria lhe mostrar uma conversa que tive.

Deca: Meu chefe levou a hd para ver se consegue recuperar.

Out: Quer ler?

Deca: Beleza! Mostra ai. Sim, está no blog?

Out: http://historiasparacuidardoser.blogspot.com.br/2013/02/dialogo-sobre-o-viver.html

Deca: Legal! Vou ler! Depos te chamo.

Out: Legal; vai lá!

(...)

Deca: Oi! Já li!

Out: Ok.

Deca: O que está fazendo?

Out: estava meditando num texto aqui.

Deca: Muito ocupado?

Out: Não!

Deca: Eu estava pensando sobre o tema de ontem...

Out: Diga.

Deca: Foi um texto muito bom! Achei que deve ser bem abordado, por causa das pessoas novas. Essa moça da conversa participa do Paltalk?

Out: Creio que não; pelo que parece, só acompanha os textos nas comunas ou no Histórias para Cuidar do Ser; não sei ao certo.

Deca: Percebo a dificuldade das pessoas, quando se deparam com falas do tipo “observador e a coisa observada”.

Out: Sim, isso é fato! Parece ser onde a mente cartesiana acaba travando.

Deca: Era a parte mais difícil que eu também achava.

Out: Sim. Aparentemente, a coisa soa por demais intelectual. Como poderíamos abordar isso de maneira mais “atrativa”, digamos assim?

Deca: Esse trocadilho, “observador e coisa observada”, a princípio, parece coisa do além...

Out: Sim!

Deca: Como poderíamos abordar isso sem deixar que caia nessa conotação de intelectualismo?

Out: Você sabe muito muito que essa busca da “palavra correta” é uma das minhas grandes preocupações... Penso ser parte de minha vocação, como tornar isso acessível ao coração?

Deca: É para se meditar, e ver a forma correta para a mensagem cair direto ao coração.

Out: Quem sabe, poderíamos fazer uma reunião sobre isso. Por exemplo: “Rompendo a barreira criada pelo intelecto diante do observador e coisa observada”... Nessa reunião, falaríamos sobre isso. No entanto, acho que será sempre difícil para aquele que ainda não teve o "despertar do observador que observa o fluxo mental/emocional".

Deca: Sim!

Out: Enquanto a pessoa não se "percebe" como um observador observando em si mesma o fluxo da mente e das emoções, isso me parece que, de fato, soará como uma complexa verborréia intelectual.

Deca: Mesmo porque, o observador e a coisa observada é o pensamento... A pessoa viaja achando que é separado.

Out: Penso que precisa ocorrer esse insight, esse despertar, onde a pessoa se perceba, percebendo.

Deca: Como falei na reunião de ontem, quanto a observação, quando me flagrei batendo os dentes... Parei imediatamente. E é assim que ocorre quando percebo qualquer emoção querendo entrar.

Out: Por isso que no texto, usei a expressão "engatinhar", se lembra?

Deca: Sim! Tenho procurado usar mais a expressão observação", pois acho que está mais próxima do coração.

Out: Percebo que aqui, é preciso de fato, engatinhar com quem está tendo esse primeiro contato... É como ajudar a criança a ficar de pé. No entanto, sem a percepção do observador, mesmo essa mensagem, ficará só no nível das ideias. Você acompanhou? Como podemos facultar isso?

Deca: Ué? Você não viu minhas respostas?

Out: Vi.

Deca: É uma coisa a ser estudada.

Out: Não vejo como fugir dessa expressão "observador e coisa observada".

Deca: Sim, mas só quem já teve um despertar em relação a isso vai compreender, do contrário, acaba ficando algo muito confuso.

Out: Sim, é isso mesmo que tenho percebido.

Deca: Aparentemente é um paradoxo.

Out: Seria como levar a mensagem do alcoolismo para quem ainda não teve seu fundo de poço; para quem ainda não se percebeu sua própria dificuldade diante do álcool; ele não compreenderá a mensagem de um alcoólatra em recuperação. Por isso que enfatizo essa importância dos 40 anos no deserto do real... Isso quando estamos falando de pessoas por anos condicionada a ser a mente... Penso que, com adolescentes primários, essa compreensão pode ser mais fácil. Suas mentes ainda não estão saturadas. Já os “adulterados adultos adulterantes”, a coisa fica quase que impossível. Isso devido as grossas camadas protetoras da lógica racional de uma mente profundamente cartesiana. Tenho meditado muito sobre isso; penso que a confraria possa funcionar como um "despertador", e só! Tão somente um despertador! Como você vê isso? O trabalho seria facultar a passagem da ego-consciência para a consciência do ego, para, num segundo momento, quem sabe, por si mesmo, estes chegarem à consciência da Consciência que são. Facultar esse rito de passagem da ego-existência para consciência da existência do ego.... Por favor, não me deixe no vácuo — a não ser que esteja muito ocupada ai. Penso ser este diálogo muito importante e penso em compartilhá-lo para os demais confrades.

Deca: Oi, estava ocupada aqui... A Matrix em ação, como sempre, bem na hora que a coisa está fluindo...

Out: Ok! Sabemos que é assim mesmo!

Deca: Não se esqueça que estou no trabalho... Escrava!

Out: Você sabe mais do que ninguém o quanto me sinto meio que responsável por esses questionamentos que possam viabilizar a transmissão da mensagem, de modo que possa não ficar presa na limitação das palavras.

Deca: Sim! Também me preocupo demais com isso.

Out: Sabemos que, a maioria não dispõe de tempo para essas reflexões, justamente por estarem por demais comprometidos com o sistema condicionante escravizante; eles estão no movimento da maré.

Deca: Sim! E não possuem essa consciência que você falou de que estão identificado com o ego, dificultando mais ainda essa coisa do observador e coisa observada.

Out: Em vista dessa dificuldade de percepção, que “isca” poderíamos usar para atraí-los, para que alcancem a margem desta mensagem?

Deca: Acredito que, a partir do momento que tiverem essa consciência do ego, a coisa fica digerível.

Out: Então, se olharmos assim, torna-se "necessário" longos anos de sofrimento?

Deca: Não basta despertar.... Como foi que você se tornou consciente disso? Para mim, como bem sabe, foi num click, algo não esperado!... A compreensão de “observador e coisa observada”, não foi resultado de análise, de reflexão, tipo algo pensado, mas sim, algo vivenciado diretamente, algo sentido.

Out: Mas esse clique, em nós, veio num momento de pico de profundo conflito existencial. Seria só por ai?

Deca: Não sei! Pensando, não posso lhe responder; seria do nível do conhecido.

Out: Seria realmente necessário esse desenvolvimento e endurecimento do ego, até o ponto de fundo de poço, para que possa ocorrer esse atravessar do portal que leva da ego-consciência à consciência do ego? Porque, sem que isso ocorra, seria possível a presença de um salto quântico que levaria diretamente à compreensão visceral da Consciência Amorosa que somos?

Deca: Não vejo pessoas que estejam satisfeitas com suas vidas, demonstrarem real interesse e disposição de energia para colocar esse processo em movimento; a não ser que tenham isso desde sempre e que assim o busquem.

Out: Veja bem que estamos apontando para o engatinhar do auto-conhecimento... O qual tem seus primeiros passos no engatinhar do ego-conhecimento. Que dirá esse estágio avançado, esse nível superior — por ora digamos assim — que vai da consciência do ego à Consciência do Ser que somos? Percebe?

Deca: Sim! Mas é necessário, a princípio, a instalação, o despertar da consciência do ego.

Out: Sim!

Deca: Sem essa o madurar dessa consciência, a pessoa vai ficar presa no coro dos contentes.

Out: Sair da faze umbigóide da ego-consciência, dos limites enclausurantes dessa ego-consciência programada, ajustada, para a liberdade do Ser que somos... É uma viagem e tanto!

Deca: Sim! E fundamental! Se não tiver um click pode ser uma longa jornada, ou um naufrágio, como já vimos acontecer com muitos, ao logo destes anos.

Out: Veja, mesmo as companhias de viagem precisam de anúncios com falas e imagens especificas, para poder atrair interesse de consumo. Seria viagem de nossa parte, se preocupar com uma mensagem que lhes apresente “sumo” ao invés de consumi-las?... Penso que a comunicação milenar que praticamos hoje, surgiu de alguém despertando para a necessidade de criar um código de símbolos que apontem para um simbolizado...

Deca: Sim!

Out: Estamos exercitando isso agora, você não acha?

Deca: Sim! Sinto ser de máxima urgência; uma linguagem talvez mais simples, que vá direto ao coração.

Out: Ok! Percebemos a limitação que o intelecto sente diante de frases como "observador e coisa observada", isso é um fato, não se trata de achismo. Ao longo de quase uma década de estudos e conversas tivemos imensos exemplos disso, inclusive com familiares queridos; pessoas que até apresentam uma certa seriedade, apesar da enorme carga condicionante que sustentam.

Deca: É, mas vejo que quando chegam nisso, parece que se assustam...

Out: Muito bem! Percebemos a dificuldade que a grande maioria acaba enfrentando em seus primeiros contatos com a abordagem de Krishnamurti...

Deca: Exatamente porque a pessoa interpreta com o intelecto e, sendo assim, não há compreensão.

Out: Talvez, pelo fato da maior parte da mensagem de Krishnamurti ser expressa através de um português arcaico — penso que isso é outro fator que atrapalha bastante.

Deca: A princípio, como sabemos, soa como uma linguagem complicada. Isso porque ninguém nunca ouviu alguém falar sobre esse tipo de abordagem. Quem mais, na historia humana, falou desse modo?

Out: Sim, é muito original e profundamente extraordinário. Por isso que vi nos filmes e nas letras de música, uma ferramenta de suporte de apontamento para isso...

Deca: Sim; temos que achar uma interpretação mais simples.

Out: Sinto que, incialmente, para aqueles que tenham o intelecto muito endurecido, a arte é fundamental aqui; talvez, pela ação da arte, por sua poética, por sua noética, possa ocorrer uma trinca nas grossas paredes da razão e da lógica. E, através dessa trinca, possa passar um faixo que seja dessa luz da Consciência, e que pela sua ação, ocorra a instalação do observador. Mas só a arte não basta!

Deca: Sim! É uma ferramenta!

Out: Precisamos aqui, desenvolver a nossa arte da fala e, quem sabe, nessa arte da fala, trabalhar ainda mais a ferramenta que aponte para a necessidade de mente aberta para o exercício da escuta atenta. Acho que foi isso que K sempre fez como preliminar de suas falas; sempre apontando e questionando a maneira como as pessoas iriam lhe ouvir.

Deca: Sim, porque, como pode ser visto, sua fala foi mudando, de acordo com o momento... de acordo com o passar dos anos.

Out: Mesmo assim, penso que é preciso que ocorra o surgimento de palavras e símbolos que sejam uma expressão nossa, original, autentica, genuína, fato que já vem ocorrendo, como por exemplo, frases do tipo: "Adultos, Adulterados e Adulterantes", “Observar, absorver e absolver-se”...

Deca: “Saídas do Ser”, “É nós no agora”, “Excelência no Agora que somos”...

Out: Frases que são de fácil compreensão diante da enorme simbologia que apresentam.

Deca: Sim, frases simples e atuais que, para um bom observador, dizem tudo.

Out: Isso! Mas, deixemos isso reverberar... Percebemos isso como fato: a necessidade de superar a frase "observador e coisa observada"... Há que se manifestar um modo de dizer isso, mas de maneira mais palatável.

Deca: Sim, sem a interferência do pensamento, as frases irão surgindo! Através dessa observação, sabemos que as coisas vêm, sabemos que funciona!

Out: Sinto que é por ai! Bem, agora vou ter que encerrar nossa meditação... Magro chegou aqui!... hahahah será o sistema?

Deca: Será o próprio enviado da Matrix? Por falar em Matrix, daqui a pouco vou embora; acho que terei carona.

Out: Acho que não! Afinal, ambos participamos do “Resgate do soldado Magro”... Há muito trabalho pra instalar os novos softers nele, então, vou aproveitar aqui! kkk

Deca: Trabalho árduo esse! Beijos!

Out: Outro! Lhe pego as 19hs. Fui!

Deca: Ok! Beijo!

Out: Então? Essa conversa? Vai pro blog ou não vai?

Deca: Vai!

Sobre as dores de parto do Ser que somos

A.P.: Ah! Que bom que encontrei você aqui. Tenho entrado pouco ou nada no facebook. Entrei agora só para procurar você ou a Deca. Gente, que coisa interessante esse diálogo de vocês. Ainda não terminei, mas não me contive. Entrei aqui pra procurar um de vocês. Justo ontem, que não consegui entrar na sala para reunião.  A Deca está por ai? 

Out.: Oi! Acabamos de chegar; desculpe por não responder antes.

A.P.: Ok, tudo bem! Estou ouvindo o áudio da reunião de ontem.

Out.: Que legal; foi forte ontem! Espere que a Deca já vai ligar o notebook.

A.P.: Poxa...foi mesmo. Está bem.

Out.: Dividi a reunião em vários áudios.

A.P.: Continuarei aqui ouvindo.

Out.: Todos foram muito felizes em suas falas.

A.P.: E aguardo ela para conversarmos um pouco, se ela puder, se não estiver muito ocupada.

Eu vi que tem vários áudios.

Out.: Tenho visto uma retomada de consciência por parte dos confrades.

A.P.: Muito legal. 

Out.: É nítida a percepção da mudança do estado de consciência, por ora, digamos assim.

A.P.: Isso é muito bom, não é?...

Out.: Sim!

A.P.: Tenho tido dias difíceis de ontem para hoje... Recaída nas minhas crises; sinto-me um pouco triste, sentindo dor... Tentando não me identificar com ela; tentando entender essa coisa do observador e coisa observada. Quando li o diálogo de vocês, me emocionei profundamente. Me tocou o coração; como se fosse exatamente aquilo que eu precisava ler, mas que não sabia como perguntar ou se existia o que perguntar. Sabe?

Out.: Fico feliz por você estar se identificando com esses diálogos.

A.P.: Muito forte.

Out.: Deca está tomando um banho e disse que assim que sair vai falar com você. Quanto a dor, quanto ao sofrimento, sugiro olhe para isso, sem tentar evitar, sem tentar nomear, sem verbalizar, tentar justificar... Apenas olhe! Sei que você é capaz disso. Se o fizer, vai perceber com isso, que você não é a dor, não é o sofrimento e, ao se dar conta disso, devido a não identificação, perceberá que a dor se vai, o sofrimento se vai, pois não há mais aquele desperdício de energia, antes produzida pela antiga identificação; você começa a perceber-se como a CONSCIÊNCIA que observa e começa a constatar que, pensamentos vem e vão, sentimentos vem e vão, dores vem e vão, emoções vem e vão... E o que fica, então? Só aquilo que você realmente é. Isso precisa ser uma vivência consciencial sua (digamos assim – as palavras limitam a expressão) para que se abra um estado de ser onde essa consciência que somos — não que temos — se manifeste cada vez com mais intensidade e propriedade... Está confuso isso?

A.P.: Não, não. Está claro. Eu já tinha conseguido fazer/sentir. Desde que comecei a ler o material e participar das reuniões, tive alguns momentos em que consegui fazer isso: perceber a consciência e é maravilhoso. Mas, não consigo sempre... Não sei no que estou errando, ou fazendo de errado, enfim...

Out.: Olha só... Tem mais uma coisa aqui muito importante, ou melhor, duas...

A.P.: Diga!

Out.: Primeiro, por que buscamos segurança no desejo de permanência desses momentos onde conflitos não se apresentam? Tente olhar para isso e perceba se isso não traz consigo o desejo com o outro lado da moeda que é sempre medo e conflito? Sugiro meditar sobre isso... Ocorreu-me também lhe falar sobre a questão da tristeza... Não sei se é isso que você está vivenciando, se é isso que está ocorrendo ai com você, uma espécie de sentimento de "luto"... Seria isso?

A.P.: Sim.

Out.: Ok! Bingo!

A.P.: Como se fosse por um eu que morreu!

Out.: Então, veja...

A.P.: Será isso?

Out.: Acompanhe-me, por favor...

A.P.: Certo!

Out.: Veja, estamos identificados por anos e anos a viver num modo de vida automático, impulsivo, sem a ação da presença da consciência que somos, portanto, totalmente identificados como sendo o "eu", o "ego", a "persona", a qual se tornou a identidade que pensamos ser, uma entidade impulsiva, quase sempre reativa, inconsciente e inconsequente; esse foi o nosso modo operante até aqui. Então, surge esse novo paradigma, o qual, sem que você perceba, começa a instalar as bases da implosão do antigo estado inconsciente e inconsequente de ser; você não percebe mas, ele está lá, instalado, demolindo conceitos, achismos, tendências reativas, tendências emocionais, manias, ou seja, tudo o que pensávamos ser e no qual estávamos profundamente viciados, encontra-se repentinamente em processo de morte. Classifico isso como sintomas da síndrome de abstinência de um modo de ser sem a presença da consciência que somos; as células cerebrais, as células do corpo estão viciadas com a carga energética antiga, com a carga de adrenalina, com a carga de ansiedade, com a carga defensiva causada pelos medos — em sua maior parte, inconscientes — e, de repente, é quebrado esse processo cíclico que também é físico — uma vez que classifico a pensamentose descentralizante como uma doença mental, emocional e física. Nessa “observação passiva” daquilo que se apresenta, de momento a momento, a cadeia da rede do pensamento psicológico condicionado é quebrada, e a mente sente; o corpo sente; as células sentem; o DNA sente. E, como a consciência que somos ainda não está consciente disso, — e por isso se ressente — de forma inconsciente, tenta abortar as dores de parto de uma nova mulher, de um novo homem, de um novo estado de ser que consciência pura. Isto está fazendo sentido? Reverbera ai?

A.P.: Sim, sim.

Out.: Então, perceber o luto...

A.P.: Eu não tinha me dado comenta disto...

Out.: Honrá-lo!

A.P.: Isso faz todo sentido!

Out.: Você está num momento fecundo; numa gravidez de risco... Um modo ilusório e inconsciente de ser está morrendo e um modo real, vivo, criativo, amoroso está ressurgindo das cinzas dos condicionamentos calcinados... Portanto, é natural essa tristeza... Faz parte do processo! Abrace-a!... Abrace-a como abraçaria uma criança querida, afinal, ela é a sua criança interior ferida, sendo curada, sendo trazida para a realidade existencial que é... Portanto, sugiro que você olhe para essa dor com carinho, com compaixão, pois nela, encontram-se as sementes de sua integridade criativa; nela encontram-se as sementes de sua real vocação; nela se encontram o recado que aquilo que é você, veio trazer para este mundo caótica e em estado de acelerada decadência. Quando digo mundo, não me refiro aqui à natureza; ela tem mostrado ao longo dos anos que sabe se virar muito quando um organismo está por demais fora do controle. Os dinossauros e tantas espécies mais que nos digam! Refiro-me ao mundo psicológico do Homo Demens que se pensa Sapiens. Em vista de tal descoberta, de tal revelação, que mais poderemos querer? Haverá sucesso a ser buscado maior que esse? A descoberta de seu tom, a descoberta de seu som, a descoberta de seu sopro, do sopro que lhe habita e na qual você é?... Sugiro que você medite sobre isso! Essa dor não está ai para desintegrar aquilo que você é, afinal, o que você é vai além do tempo, espaço e matéria. Essa dor que aí está, são as dores da convalescência do Ser que somos, portanto, como dizem nossos confrades dos Titãs, não fuja da dor; fugir da dor é fugir da própria cura. Permita-se: seja! O mundo mais do que nunca, merece por isso!...

Vou ficando por aqui! A Deca já está on-line! Abrace sua dor!

A.P.: Pois é... Pensei nisso quando hoje fui caminhar; pensei na minha missão aqui na terra, enquanto ser, neste corpo. Grata pelas suas palavras; foram esclarecedoras! Estou emocionada, ainda não consigo falar direito. Grata. De verdade.

Out.: Estamos juntos! Deca lhe aguarda! Você não está só: basta olhar pra dentro!

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Diálogo via Facebook

Diálogo sobre o viver

viver

Out: Uhmm!!! Sei não! Remendar o mesmo velho?... O lance, me parece, é jogar fora essa roupa velha chamada "eu"...

PL: O novo está sempre em construção.

PL: Oi, está por aí? Como jogo o eu velho?

Out: Olá! Talvez, começando por não perguntar para ninguém, para nenhuma organização, para nenhum sistema de crença, para nenhum instrutor, como se libertar dessa roupa velha e por demais puída que pensamos ser... E, por si só, se abrir para essa pergunta, dando espaço para o reverberar dela naquilo que realmente somos... Talvez seja por ai! O que somos não se encontra na ponte do tempo psicológico "passado-futuro"... O que somos é este momento; O que somos está além das formas; O que somos está além dos limites da palavra;

PL: Certo somos o que somos.... Creio que posso sim fazer remendos em muitas coisas na minha vida; uma reforma, você não acha que pode melhorar algumas coisas?

Out: penso que a base continua a mesma: o eu condicionado, apenas trocando de condicionamentos, talvez, estes, socialmente mais aceitáveis; é como podar as folhas de uma árvore sem investir energia para observar a qualidade de sua raiz; nesse caso, o que se poda, sempre é passível de novamente crescer; pode até vir com leves alterações, mas está lá. Esse me parece ser um dos correntes condicionamentos sociais: a crença no melhoramento, nos reparos localizados, nessa entidade condicionada que é a personalidade a qual fomos criados para pensar que a somos; o que somos, sinto estar encoberto por essa persona criada pelo parental e social e, por nós alimentada, devido um período de total inconsciência. Reparação externa, para mim, é como pintar as grades da prisão, como embelezar um pouco a cela: não traz liberdade. Penso ser muito fácil saber se isso que você está propondo é ou não funcional... Se me permite, lanço lhe algumas pequenas perguntas, não para que você responda rapidamente para mim, mas para que fique com elas, deixando-as reverberarem em seu interior...

São elas: “Você é feliz?”... “Você sabe o que é liberdade?”... “Você sabe o que é uma genuína intimidade consigo mesma, com a natureza e com outro ser humano?”... Você sabe por experiência direta, por vivência direta, o que é isso que tentam expressar através da limitada palavra "deus"?

PL: Sim! Não posso nem te responder; você é uma pessoa que tem o conhecimento que não tenho; apenas posto o que gosto e não tenho intenção de nada.

Out: Veja, por favor, nada de pessoal aqui. Li seu post, meditei com você e, com a minha resposta em seu post, a convidei para meditarmos juntos; só isso! Não acredito em remendos! Remendo novo em roupa velha?... Já disse alguém que passou aqui há muitos anos e, que pelo que parece, não foi entendido por quase ninguém.

PL: Obrigada!

Out: Todo meu respeito ai!

PL: Vou ler suas perguntas sim; gosto de saber e entender...

Out: Ok! Abraço fraterno!

PL: Você pode me ajudar? Estamos aqui para aprender uns com os outros; acredito que alguns estejam num estado mais evoluído e outros não.

Out: Olha! Cmo costumo brincar, podemos "trocar figurinhas sem colar"; não dá para colar nada; nada de permanência; as percepções mudam... Vamos trocando "abobrinhas", elas tem vitaminas e só depende do tempero de cada um para se mostrarem nutritivamente saborosas.

PL: Sim! Entendo. Out, sei lá, acho que posto bobeiras mesmo, ou talvez, não consiga expressar aquilo que penso.

Out: Olha, não há espaço para comparações e julgamentos; o lance é observar... Absorver o que é verdadeiro e o que é falso e, nesse absorver, se absolver das ilusões. Cada um no seu ritmo; cada um no seu compasso; cada um no sopro que lhe habita. Está tudo certo! Tudo é meditação!

PL: Sim! Já volto! Telefone!

Out: Ok!

PL: Oi! Você não tem religião? Li na sua página.

Out: Bem, aqui é preciso fazer uma distinção; acho que o que você me pergunta é se faço parte de algum sistema de crença organizada... Nesse caso, não pertenço a nenhum sistema.

PL: Nem eu.

Out: Agora, todos temos uma religião, pessoal, única e intransferível, que é esse movimento interno que nos aponta que algo falta, que a vida não pode ser só isso, que nos faz questionar, que nos faz arriscar abrir mãos de todas as desnutritivas convençõs; religião é esse impulso que se manifesta através do tédio, através da insatisfação, através do sentimento de rotina; isso para mim é religião.

PL: Acredito que a vida não é só isso.

Out: Religião é essa "saudade" daquilo que sentimos existir e que não se encontra nos limites das palavras, nos limites da mente, nos limites do manifesto; é essa ânsia pela manifestação do não-manifesto e que, muitas vezes,

Acabamos confundindo com essas transitoriedades externas que prometem por alegria e felicidade e bem estar, mas que frustram em seu devido tempo.

PL: Saudades do que ainda não temos...

Out: Não, não. Não se trata de ter ou não ter; somos isso; isso que somos é a essência da religião.

PL: Sou lenta!

Out: Religião é essa fala interna que nos diz: “Veja, você se afastou daquilo que realmente é, em nome de ter a aceitação dos outros, ter a aceitação da sociedade; portanto, lance isso por terra! Rasgue já os remendos e perceba, por si mesma, o que você é e que já está aí.

PL: Dificil!

Out: Isso que você diz, seria o mesmo que uma gota do oceano estar procurando pelo oceano. É o pensamento dela que criou a separação dela como sendo uma gota.

PL: Sou uma pessoa muito medrosa.

Out: Todos somos; é natural, fomos formados pelo medo, para o medo.

PL: Estou tentando.

Out: Aceitar isso, aceitar o fato que temos medo, sem mascarar, penso ser o início da coragem. Vivemos numa cultura do medo; vivemos na educação do medo e da vergonha; é natural, depois de anos de exposição à isso, sermos o medo. Dentro desse condicionamento, não temos medo: somos o medo! Isso, enquanto nos identificamos com ele. Veja, não aprendemos a olhar nossos medos de frente; não aprendemos a convidá-los para um chá das cinco; não somos íntimos dele. Se nos sentássemos com ele, descobriríamos do que é feito, de qual é a sua natureza e, perceberíamos que o medo é pensamento; é o pensamento não observado, este, sempre atuando no fundinho de nossa mente, enquanto estamos agindo de forma mecânica nas atividades do dia a dia. Esse pensamento não observado é uma projeção na mente, seja ela do passado, seja ela no futuro; portanto, são fantasmas. Quando se é criança, é natural ter medo de fantasmas mas, não quando adentramos na fase adulta. Penso que o que separa os adultos dos adolescentes psicológicos é essa disposição de dar as boas vindas aos medos; é essa disposição de "dar a outra face ao inimigo"; é essa disposição de "fazer as pazes com teu inimigo oculto".

PL: Sim! Pior que é a verdade! Mas, o medo também age como forma de proteção.

Out: Veja, quando é proteção, não há espaço para o medo, só há ação imediata; o medo é sempre uma projeção no tempo, portanto, uma irrealidade. Ele traz sempre reações, ou seja, ações em ré; ações repetidas do passado. Quando há um perigo real, há ação imediata; depois da ação, quando o pensamento surge, é que temos o medo; é o pensamento que começa com os "poderia acontecer", "e se"... Tudo isso que sabemos bem como que é.

PL: Ok! Então é assim: vou fazer uma cirurgia, certo? Tenho medo.

Out: Isso é medo! Um movimento da mente no vir-a-ser.

PL: É normal.

Out: Não, não é normal! Por que viver nessa masturbação mental quanto ao que possa ou não ocorrer? Por que, absorvido nessa preocupação, perder o agora?

PL: Eu tenho...

Out: A necessidade da operação é fato! O que se pensa sobre ela e seus possíveis resultados não é fato! Se ocorre esse medo, olhe, observe, veja suas nuances, suas falas, suas imagens, seus filminhos... Perceba seu movimento nisso... Você perceberá que você não é o medo, mas sim, a consciência que está se tornando consciente daquilo que antes era inconsciente: o medo. Esse estado de observação cria uma espécie de "espaço" entre aquilo que você é realmente e o medo; isso é como um isolante térmico que não deixa o medo “se alastrar”, percebe?

PL: Entendendo, tentando...

Out: Veja, engatinhemos aqui: como você pode ser aquilo que está observando?... Você é o observador ou é a coisa que está sendo observada? Percebe a magia disso?

PL: Out, podemos continuar mais tarde?

Out: Sim, claro! Deixe reverberar isso ai em você. Valeu a prosa!

PL: Quero continuar te ouvindo, ou melhor, lendo.

Out: Ok!

PL: Você é rápido!

Out: Se me permite: leia-se enquanto me lê; quem sabe, nesse movimento, você consiga encontrar o autógrafo do seu autor, que em última e intransferível percepção, é você mesma.

PL: Posso te preguntar o que você faz da vida e onde obteve tanto conhecimento? É professor? E, com certeza, você segue uma linha.

Out: Fui agraciado por poderosas depressões iniciáticas na escola da Grand Vida; elas me ensinaram a questionar,

a observar e a compartilhar. Profissionalmente, no momento sou apenas um fotógrafo.

PL: Estudioso.

Out: Agradeço a vida pelo presente da depressão; foi o melhor acontecimento, mesmo sendo profundamente doloroso.

PL: Sim! Eu também agradeço pelas fraturas no tornozelo, as várias depressões e os quadros de ansiedade. Vou indo! Senão, não desenrolo e nem remendo rsrrs

Out: Valeu! Excelência no agora que é você!

PL: Grata! Fui!

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Diálogo via Facebook

Não quero mais ser aquele normótico de antes

Observando a ilusão da busca de seguraça psicológica

Observando a dependência de contato tecnológico

Superando a "Síndrome de Estrela" e descobrindo o gosto de estar consigo mesmo

Destronando o deus criado pelo pensamento

Uma confraria de desingressantes

A tríplice-benção: Tédio, Insatisfação e inconformismo

19 de fevereiro de 2013

Mensagem de Amor

Quem tem ouvidos de ouvir, que ouça o que vai além do mito romântico...



Mensagem de Amor
Os Paralamas do Sucesso

Os livros na estante
Já não tem mais
Tanta importância
Do muito que eu li
Do pouco que eu sei
Nada me resta

A não ser
A vontade de te encontrar
E o motivo eu ja nem sei
Nem que seja só para estar
Ao teu lado só pra ler
No teu rosto
Uma mensagem de amor

A noite eu me deito
Então escuto
A mensagem no ar
Tambores runfando
Eu ja não tenho
Nada pra te dar

A não ser
A vontade de te encontrar
E o motivo eu ja nem sei
Nem que seja só para estar
Ao teu lado só pra ver
No teu rosto
Uma mensagem de amor

No céu estrelado
Eu me perco
Com os pés na terra
Vagando entre os astros
Nada me move
Nem me faz parar

A não ser
A vontade de te encontrar
E o motivo eu ja nem sei
Nem que seja só para estar
Ao teu lado só pra ler
No teu rosto
Uma mensagem de amor

Cultura em Decadência - Que Democracia?

Cultura em Decadência - Introdução à Economia

Cultura em Decadência - Transtorno de Consumo-Vaidade

Robôs vão roubar seu emprego, mas tudo bem!

Por: Federico Pistono

Áudio: Liberte-se de toda Autoridade Espiritual


18 de fevereiro de 2013

Liberte-se de toda autoridade psicológica

Nesta tarde, desejo falar sobre a natureza do conflito e sobre a possibilidade de nos libertarmos totalmente de qualquer espécie de conflito. Por conflito, entendo a batalha perpétua, a inquietação, a ansiedade, desespero, angústia, os temores, os atritos, a luta existente interior e exteriormente, o sentimento de insegurança, a busca, pelos que se sentem inseguros, de um estado isento de perturbações, um estado de permanência. E temos também o conflito entre o consciente e o inconsciente, o conflito dos diferentes desejos, o conflito da ambição, o conflito do preenchimento, o conflito da frustração, o conflito que se torna maior quando temos o desejo de descobrir o verdadeiro. Porque, vivendo neste mundo e procurando ajustar-nos ao mundo e à ideia que estabelecemos como padrão, como ideal, estamos tornando maior o conflito.

(...) Em geral, buscamos uma espécie de segurança, porque nossa vida é um conflito infindável, desde o momento de nascermos até o momento de morrermos. A fastidiosa monotonia da vida e a ansiedade da vida; o desespero da existência; desejar ser amado, e não ser amado; a superficialidade, a vulgaridade, a agitação da existência diária — eis a nossa vida. Nessa vida, há perigo e apreensão; nada é certo; há sempre a incerteza do amanhã. Assim, consciente ou inconscientemente, andamos numa perene busca de segurança, desejando encontrar um estado permanente, primeiro no plano psicológico e, depois, no exterior; sempre, em primeiro lugar, o plano psicológico, e não o exterior. Desejais um estado permanente em que não sejais perturbado por coisa alguma, por nenhum medo, nenhuma ansiedade, nenhum sentimento de incerteza, nenhum sentimento de culpa. É o que deseja a maioria de nós. É o que busca a maioria de nós, tanto exterior como interiormente.

Exteriormente, desejamos ter ótimos empregos; somos educados, tecnologicamente, para funcionarmos mecanicamente num certo plano burocrático ou outro qualquer. E interiormente ansiamos a paz, o sentimento de certeza, de permanência. Em todas as nossas ações, quer estejamos agindo correta, quer incorretamente, queremos estar em segurança. Queremos que nos seja dito: isto é certo, isto é errado, não façais isto, fazei aquilo. Desejamos seguir um padrão, porque esta é a maneira mais fácil de viver — quer se trate de padrão estabelecido por vós mesmo, quer de padrão estabelecido por outro, pela sociedade, pelo guru ou por vossos próprios ideais e impressões. Existe, pois, essa constante exigência de segurança exterior bem como de segurança interior. A segurança interior se torna muito mais complicada, quando existe a autoridade de uma ideia.

Por ideia, entendemos o ideal, o padrão, o exemplo, a fórmula, o herói. É essa a permanência pela qual vivemos lutando. Por essa razão, há sempre uma distância entre o que é e o que deveria ser; e por essa razão, existe conflito. Quando a mente está em busca de segurança, necessitamos da autoridade — seja a autoridade da sociedade, da lei, seja a autoridade estabelecida na forma de um ideal ou de uma pessoa que irá nos dizer "o que se deve fazer" e "o que não se deve fazer". E, por derradeiro, buscamos a perfeita segurança em Deus. Eis o padrão que estamos seguindo há século e séculos.

O homem existe como homem, segundo se descobriu, há perto de dois milhões de anos. E há pinturas e outras coisas que nos indicam que o homem sempre viveu nesta constante apreensão; é uma corrente em cuja superfície o homem vem flutuando, sempre buscando, buscando e, em virtude dessa busca, estabelecendo a autoridade de um livro, de uma pessoa, de uma ideia. E isso ele vem fazendo conscientemente.

(...) O que realmente mais vos interessa é isto: exteriormente, segurança, dinheiro, posição, poder, conforto; e, interiormente, um inalterável estado livre de todas as ansiedades, e problemas, de toda ideia de perigo, iminente ou remoto. Assim é a nossa vida. Esse é o padrão de existência que aceitamos sem discutir. Quando nos vemos muito perturbados, procuramos escapar-nos, buscando o templo ou outras formas de fuga. Nunca questionamos, nunca investigamos em nós mesmos se fato existe segurança, no plano consciente ou no inconsciente. E vamos agora questionar isso. Podereis não gostar de fazê-lo, e oferecer resistência, pois não estamos acostumados a enfrentar as coisas, não estamos acostumados a olhar-nos assim como somos. Preferimos "ver" coisas inexistentes, ou imaginar coisas que deveriam existir. Mas agora vamos olhar o que na realidade existeo que é.

Em primeiro lugar, há segurança interior, nas relações, em nossas afeições, em nossos modos de pensar? Existe aquela realidade final a que todo homem aspira, em que deposita suas esperanças, sua fé? Porque, no mesmo instante em que desejais segurança, inventais um deus, uma ideia, um ideal que vos dará o sentimento de segurança; mas isso pode não ter realidade nenhuma, ser mera ideia, reação, uma forma de resistência ao fato óbvio da insegurança. Por conseguinte, é necessário investigar essa questão sobre se existe alguma segurança, em qualquer nível que seja de nossa vida. Investigá-lo, primeiro, no plano interior: porque, se não houver segurança interiormente, nossa relações com o mundo serão de todo diferentes; não mais nos identificaremos com nenhum grupo, nenhuma nação, nenhuma família mesmo.

Por conseguinte, cumpre-nos em primeiro lugar investigar a questão de se existe permanência, se existe um "estado de segurança". Isso significa que devemos, vós e eu, estar dispostos a investigar-nos, com agrado, com facilidade, sem autoridade, tanto exterior como interior: a autoridade da sociedade, ou a autoridade que estabelecemos para nós mesmo mediante a experiência, ou a autoridade que a tradição nos impôs. Somos educados para obedecer, porque na obediência encontramos segurança. E, para poder descobrir se existe verdadeiramente alguma segurança, a pessoa deve estar completamente livre de toda espécie de autoridade. Muito importa compreender isso, porque todas as religiões sustentam que existe uma entidade espiritual, permanente, chamada "alma", "Atman", ou o nome que preferirdes. E aceitamos tal coisa à força de propaganda, de condicionamento, impelidos por nossos temores, nossas exigências de segurança. Aceitamo-la como uma realidade viva, confortante. E há todo um mundo que diz: Tal coisa não existe, é mera questão de crença, sem validade nenhuma. É o mundo comunista, que chamais ateísta, ímpio — como se fosseis muito pios, só pelo fato de terdes uma crença!

Assim, o homem que deseja investigar cabalmente essa questão da segurança, deve estar completamente livre de todas as formas de autoridade; não falo da autoridade da lei, da autoridade do Estado, porém da autoridade que a mente busca ou estabelece num livro, numa ideia, numa experiência, na vida. Tende a bondade de ir-me seguindo, consciente ou inconscientemente. Só a mente que está livre da autoridade, pode começar a investigar esse imenso problema da segurança. De outro modo, nem vós nem eu podemos estar em comunhão, e eu preciso dizer-vos que, psicologicamente, não existe segurança.

Se procurais a segurança em Deus, trata-se de uma invenção vossa. Estais projetando vosso desejo num símbolo que chamais "Deus", sem validade alguma. Precisais, pois, estar livre da autoridade, neste sentido. A mente busca a autoridade, estabelece a autoridade num ideal, numa fórmula, numa pessoa, numa igreja, numa certa crença, e trata de ajustar-se e de obedecer. Disso ela precisa estar livre, não só consciente mas também — mais difícil ainda — inconscientemente. A maioria das chamadas "pessoas cultas" não creem em Deus, porque não consideram muito importante isso; têm ótimos empregos ou regular fortuna, e a crença em Deus é uma simples ideia antiquada. Portanto, atiram-na pela janela e vão continuando à sua maneira. Mas, o investigar o inconsciente e livrar-se do impulso inconsciente a buscar a autoridade é muito mais dificultoso.

(...) Encontramos também muita segurança, psicologicamente, emocionalmente, na identificação com uma ideia, com uma raça, uma comunidade, um dado movimento. Isto é, ligamo-nos a uma certa causa, a um certo partido político, a uma certa maneira de pensar, a certos costumes, hábitos, rituais, tais como o hinduísta, o parsi, o cristão, o muçulmano, etc. Ligamo-nos a uma dada forma de existência, uma dada maneira de pensar; identificamo-nos com um grupo, uma comunidade, uma dada classe ou ideia. Essa identificação com a nação, com a família, com o grupo, a comunidade, confere-nos também uma certa ideia de segurança. Sentis-vos muito mais seguros quando dizeis "sou hindu", ou "sou inglês", ou "sou alemão", etc. Essa identificação nos proporciona segurança. Disso também é necessário estar-se consciente.

Assim, quando fazeis a vós mesmo a pergunta sobre se há ou não segurança, o problema se torna extremamente complexo se não compreendeis diretamente a questão, se não lhe conheceis todos os aspectos colaterais. Porque é o desejo de segurança — quando provavelmente nenhuma segurança existe — que gera o conflito. Se, psicologicamente, se percebe a verdade de que não existe segurança de espécie alguma, em nenhuma forma, em nenhum nível, já não há conflito. Tendes então o poder que a vida vos confere; sois ativo, criador, vulcânico em vossa ação, "explosivo" em vossas ideias; a nada estais preso. Estais vivo! E a mente que se acha em conflito não pode, evidentemente, viver na claridade, com infinito sentimento de afeição e compaixão. Para amar, necessita-se de uma mente extremamente sensível. Mas, não podeis ser sensível, se estais perpetuamente com medo, perpetuamente ansioso, na insegurança e, por conseguinte, em busca de segurança. É, obviamente, a mente que se acha em conflito está a gastar-se, como qualquer máquina sujeita a atrito; torna-se embotada, estúpida, entediada.

Assim, pois, em primeiro lugar: existe segurança? Vós é que tendes de descobri-lo, não eu. Eu digo que, psicologicamente, não há segurança de espécie alguma, em nenhum nível, em nenhuma profundidade. Mas isso não é para vós uma realidade. Se o repetis, dizeis uma mentira, porquanto isso não é verdadeiro para vós. Portanto, deveis descobrí-lo, já que se trata de um problema urgente, pois o mundo está mergulhado num caos, se acha em aterradoras condições de desespero, violência, brutalidade. Dizendo "o mundo", refiro-me ao mundo em que viveis — não à Rússia, à China ou à Inglaterra; refiro-me ao mundo que vos cerca — a família, as pessoas com quem tendes contato. Esse é o vosso mundo. Nesse mundo, se observardes profundamente, encontrareis imenso desespero, ansiedade, degeneração, imitação constante. E, para compreender a vida em toda a sua vastidão, em toda a sua beleza e profundidade — não uma profundidade imaginária, uma beleza imaginária, porém a verdadeira, palpitante, vital e pujante beleza da vida, da existência, do viver — deve vossa mente achar-se, toda inteira, em um estado no qual não subsista uma só arranhadura de conflito. Tendes, pois, de descobrir por vós mesmos, como agora estais fazendo. Se pensais que interiormente há segurança, ficareis vivendo num perpétuo estado de conflito. Ficareis vivendo num perpétuo estado de imitação, de obediência, de ajustamento e, por conseguinte, jamais sereis livre. E vossa mente deve estar completamente livre; do contrário não pode viver, não pode compreender. Se a mente não está livre, não pode ver a beleza de uma árvore ou a formosura de uma nuvem, ou a beleza de um sorriso, num rosto.

Krishnamurti —O Despertar da Sensibilidade

17 de fevereiro de 2013

Por que preciso ter uma crise para aprender a lidar com o medo?

P: Você disse, Krishnaji, que a inteligência é a maior segurança para se enfrentar o medo. O problema é: numa crise, quando o medo inconsciente toma conta de você, onde é que há lugar para a inteligência? A inteligência requer a negação do mal que aparece no caminho. Ela requer que se ouça, que se veja e que se observe. Mas quando todo o ser está tomado por um medo incontrolável, por um medo que tem uma causa, mas uma causa que não é imediatamente perceptível, nessas circunstâncias, onde há lugar para a inteligência? Como lidar com os medo primitivos, arquetípicos, que estão na verdadeira base da psique humana? Um desses medos é o da destruição do eu, o medo de não existir.

K: O que é que estamos examinando juntos?

P: Como se deve lidar com o medo? O senhor ainda não respondeu essa questão. O senhor falou da inteligência como sendo o fator de maior segurança. Tudo bem: mas quando o medo domina, onde está a inteligência?

K: Você está dizendo que, no momento de uma grande onda de medo, a inteligência desaparece. E como se pode lidar com essa onda de medo quando isso acontece? É essa pergunta?

S: Vemos o medo como se fosse os ramos de uma árvore. Mas nós lidamos com esses medos, um a um, e não há liberdade quando se tem medo. Haverá algum modo de ver o medo sem os ramos?

K: K disse: "Vemos as folhas, os ramos, ou chegamos à verdadeira raiz do medo?"

S: Podemos chegar à raiz de cada ramo do medo?

K: vamos descobrir.

P: podemos chegar a ver o todo através de um medo.

K: Eu entendo. Você está dizendo que há medos conscientes e medos inconscientes, e que os medos inconscientes se tornam extraordinariamente fortes em certos momentos e, nesses momentos, a inteligência não está atuando. Como se pode lidar com essas ondas de medo incontrolável? É isso?

P: Esses medos parecem assumir uma forma material. É uma coisa física que domina você.

K: perturba-o neurológica e biologicamente. Vamos examinar melhor! O medo existe, conscientemente ou em profundidade, quando há um sentimento de solidão, quando há um sentimento de abandono total por parte dos outros, um sentimento de isolamento completo, uma sensação de que não existimos, um sentimento de desamparo total. E, nesses momentos, quando o medo profundo surge, obviamente a inteligência não existe e nasce um medo incontrolável e indesejável.

P: Podemos achar que enfrentamos os medos que conhecemos e, inconscientemente, continuar presos a eles.

K: isso é o que estamos dizendo. Vamos falar sobre isso. Podemos lidar com os medos físicos, que são conscientes. Os filamentos da inteligência podem trabalhar com eles.

P: Você pode até mesmo permitir que esses medos floresçam.

K: E, então, nesse verdadeiro florescimento, há inteligência. Agora, como você lida com o outro medo? Por que o inconsciente — usaremos a palavra "inconsciente", por enquanto — retém esses medos? Ou o inconsciente os acolhe? Ele os retém, eles existem nas profundezas bem conhecidas do inconsciente; ou é uma coisa que o inconsciente adquire do ambiente? Além disso, porque o inconsciente retém os medos? Serão eles parte inerente do inconsciente, da história racial, tradicional do homem? Eles fazem parte da herança genética? Como você lida com o problema?

P: podemos discutir o segundo aspecto, que é o medo que nasce do meio ambiente.

K: Antes de tudo, lidemos com o primeiro. Por que, de algum modo, o inconsciente os retém? Por que consideramos as camadas mais profundas da consciência como o depósito, o resíduo do medo? Elas são impostas pela cultura em que vivemos? Pela mente consciente que, não sendo capaz de lidar com o medo, impele-o para baixo e, por isso, o faz permanecer no nível do inconsciente? Ou é a mente que, com todo o seu conteúdo, não resolveu seus problemas e está assustada por não ser capaz de resolvê-los? Quero descobrir qual é a importância do inconsciente. Quando vocês disseram que essas ondas de medo vêm, digo que elas sempre estão lá, porém, numa crise, você se torna consciente delas.

S: Elas existem na consciência. Por que o senhor diz que elas estão no inconsciente?

K: Antes de tudo, a consciência é constituída pelo seu conteúdo. Sem o seu conteúdo a consciência não existe. Um de seus conteúdos é esse medo básico, e a mente consciente nunca tenta resolvê-lo; ele existe, mas a mente nunca diz: "Eu tenho que lidar com o medo". Nos momentos de crise, essa parte da consciência é despertada e se apavora. Mas o medo sempre está lá.

P: Eu não acho que seja tão simples. O medo não é uma parte da herança cultural do homem?

K: O medo sempre existe. Faz parte da herança cultural? Ou é possível que alguém nasça num país, numa cultura que não aceita o medo?

P: Não existe essa cultura.

K: É óbvio que não existe. E, portanto, estou me perguntando: o medo faz parte da cultura ou é inerente ao homem? O medo é uma sensação de não ser, tal como existe no animal, tal como existe em toda coisa vivente; o medo de ser destruído.

P: Trata-se do instinto de autopreservação que toma a forma de medo.

K: Será que toda a estrutura das células está com medo de não ser? Esse medo existe em todas as coisas vivas. Mesmo uma formiguinha tem medo de não existir. Vemos que o medo existe e faz parte da existência humana, e que qualquer um se torna bastante consciente dele numa crise. Como se lida com o medo no momento em que surge uma onda de medo? Por que esperamos pela crise? Estou apenas perguntando.

P: O senhor não pode evitá-la.

K: Um momento. Nós dizemos que o medo sempre existe, que ele é parte da nossa estrutura humana. A estrutura biológica, psicológica, toda a estrutura do ser está com medo. O medo existe, é parte do mais minúsculo ser vivo, da célula mais diminuta. Por que esperamos que haja uma crise para tomarmos consciência dele? Essa é a forma mais racional de aceitá-lo. Pergunto: por que preciso ter uma crise para aprender a lidar com o medo?

P: Caso contrário ele não existe; posso enfrentar alguns medos de forma inteligente. Há quem enfrente o medo da morte. É possível encará-lo com inteligência. É possível encarar outros medos de maneira inteligente?

K: Você diz que pode encarar esses medos de modo inteligente. Duvido que você os enfrente assim. Duvido que você possa fazer uso da inteligência antes de ter resolvido o medo. A inteligência só aparece quando não existe o medo. A inteligência é luz e você não pode lidar com a escuridão quando não há luz. A luz só existe quando não há escuridão. Estou perguntando se você pode lidar com o medo de modo inteligente quando ele existe. Afirmo que não. Você pode racionalizá-lo, pode ver a natureza dele, evitá-lo ou ir além dele, mas isso não é inteligência.

P: Eu diria que a inteligência reside numa percepção do medo que surge, sem interferir com ele, sem moldá-lo, sem se afastar dele, até que ele acabe se extinguindo. Mas o senhor diz que onde há inteligência não há medo.

N: Nesse caso o medo não aparecerá?

K: Não deixamos que o medo apareça.

N: Acredito que o medo sempre surge. Nós é que não permitimos que ele floresça.

K: vejam vocês, estou examinando com cuidado toda reação diante de uma crise. O medo existe; por que você precisa de uma crise para despertá-lo? Você diz que uma crise acontece e você acorda. Uma palavra, um gesto, um olhar, um movimento, um pensamento, esses são os desafios que você diz que causam o medo. Pergunto: por que esperamos pela crise? Estamos pesquisando. Você sabe o que a palavra "pesquisar" significa? Significa "delinear". Portanto, estamos delineando, não estamos dizendo isso ou aquilo. Estamos entendendo isso e estou perguntando: por que espero por uma crise? Um gesto, um pensamento, uma palavra, um olhar, um sussurro, qualquer uma dessas coisas é um desafio.

N: Eu não procuro a crise. A única coisa da qual estou ciente é que ela surge e que fico paralisado.

K: por que você fica paralisado? Porque o desafio é necessário para você. Por que você não toma contato com o medo antes do desafio? Você diz que a crise desperta o medo. A crise inclui o pensamento, o gesto, a palavra, o sussurro, um olhar, uma carta. É um desafio que desperta o medo? Digo a mim mesmo: por que as pessoas não deveriam despertar para o medo sem um desafio? Se o medo existe, ele precisa ser despertado. Ou ele está dormindo? E se ele está dormindo, por que está assim? A mente consciente receia que o medo possa despertar? Ela o fez dormir e recusou-se a olhar para ele?

Vamos devagar; estamos avançando com a velocidade de um foguete. A mente consciente ficou apavorada ao perceber o medo e, portanto, mantém o medo sob controle? Ou o medo está lá, desperto, e a mente consciente não o deixa florescer? Vocês admitem que o medo faz parte da vida humana, da existência?

P: Senhor, o medo não tem existência independente, à parte da experiência externa, sem os estímulos da experiência externa.

K: Espere, duvido disso; não aceito a sua afirmação. Você está dizendo que sem os estímulos externos o medo não existe. Se isso é verdadeiro para você , deve ser para mim também, porque sou um ser humano.

P: Incluo nisso os dois estímulos: o externo e o interno.

K: Eu não distingo o externo do interno. É tudo uma única atividade.

P: O medo não tem existência independente dos estímulos.

K: Você está fugindo do assunto, Pupul.

P: O senhor está perguntando: por que você não olha, por que não encara o medo frente a frente?

K: Eu digo a mim mesmo: "Devo esperar por uma crise para que esse medo desperte?" Essa é toda a minha pergunta. Se ele existe, quem o pôs para dormir? É porque a mente consciente não pode resolve-lo? A mente consciente está interessada em resolvê-lo e, não sendo capaz, coloca-o para dormir, reprime-o. E quando acontece uma crise a mente consciente fica abalada e surge o medo. Portanto, eu digo a mim esmo: por que a mente consciente deve reprimir o medo?

S: Senhor, o instrumento da mente consciente é a análise, a capacidade de reconhecimento. Com esses instrumentos, ele é incapaz de lidar com o medo.

K: Ela não pode lidar com ele. Mas o que é necessário é a verdadeira simplicidade, não análise. Portanto, a mente consciente não pode lidar com o medo; ela diz: quero evitá-lo, não posso olhar para ele. Olhe bem o que você está fazendo. Você está esperando que uma crise o desperte e a mente consciente, durante todo o tempo, está evitando as crises. Ela está evitando, raciocinando, racionalizando. Somos mestres nesse jogo. Portanto, digo a mim mesmo, se o medo existe, ele está desperto. Você não pode adormecer uma coisa que faz parte da nossa herança. A mente consciente se abala quando acontece uma crise. Portanto, lide com ele de uma forma diferente. Essa é a minha posição. Isso é verdade? O medo básico é o da não-existência; ele é uma sensação de incerteza, de não ser, de morrer. Por que a mente não descobre esse medo e se arruma com ele? Por que ele deve esperar por uma crise? Você está com preguiça e, portanto, não teve a energia necessária para chegar à raiz dele? O que estou dizendo é irracional?

P: Não é irracional. Eu estou tentando ver se é válido.

K: Dizemos que tudo o que é vivo tem pavor de não existir, de não sobreviver. O medo faz parte de nossas células sanguíneas. Todo o nosso ser tem pavor de morrer, pavor de ser morto. Portanto, o medo de não existir faz parte da nossa estrutura psicológica, bem como da biológica; e eu me pergunto por que uma crise é necessária, por que o desafio deve se tornar importante? Oponho-me ao desafio. Quero estar à frente do desafio e não atrás dele.

P: Não podemos concordar com o que o senhor está dizendo.

K: Por que não? Vou-lhe mostrar. Eu sei que vou morrer, mas intelectualizei, racionalizei a morte. Portanto, quando digo que a minha mente está bem à frente da morte, ela não está. Ela só está bem à frente do pensamento — que não está muito à frente.

P: verifiquemos a realidade disso. Alguém encara a morte, sente que está um passo à frente e se move; e de repente percebe que não está à frente dela.

K: Entendo. Tudo é o resultado de um desafio, tenha isso acontecido ontem ou há um ano.

P: Assim, a pergunta é: com que instrumento, com que energia, de que dimensão alguém vê, e o que esse alguém vê?

K: Eu quero ser bem claro. O medo faz parte da nossa estrutura, de nossa herança. Biológica, psicologicamente, as células cerebrais têm pavor de não existir. E o pensamento diz: "Não vou considerar isso". Assim, quando acontece o desafio, o pensamento não pode acabar com ele.

P: O que você quer dizer quando afirma que o pensamento diz: "Não vou considerar isso?"

N: O pensamento quer considerar isso também.

K: O pensamento não pode considerar o fim de si mesmo. Quanto a isso, ele só pode racionalizar. Pergunto a vocês: por que a mente espera por um desafio? Isso é mesmo necessário? Se vocês disserem que é necessário, então vocês estão esperando por um desafio.

P: Digo que não sei. Só sei que o desafio surge e o medo aparece.

K: Não, o desafio desperta o medo. Atenhamo-nos a isso; pergunto a vocês: por que vocês esperam por um desafio? Para despertar o medo?

P: Essa pergunta é um paradoxo. O senhor diria que não espera o desafio, mas suscita o desafio?

K: Não, sou totalmente contrário ao desafio. Vocês estão compreendendo mal. Minha mente nunca aceitará o desafio. O desafio não é necessário para despertar o medo. Dizer que estou adormecido e que o desafio é necessário para me despertar é uma afirmação errada.

P: Não, senhor. Não é isso que estou dizendo.

K: Então ela está acordada. Agora, o que está dormindo? É a mente consciente? Ou é a mente inconsciente, adormecida, da qual algumas partes estão acordadas?

P: Quando estou acordada, estou acordada.

N: O senhor acolhe o medo?

K: Se você está acordado, nenhum desafio é necessário. Portanto, você rejeita o desafio. Se, como dissemos, a morte faz parte da nossa vida, então estamos acordados o tempo todo.

P: Não o tempo todo. Não temos consciência do medo. Mas ele está lá, o tempo todo, debaixo do tapete. Porém, você não olha para ele.

K: Digo que ele está debaixo do tapete, levante-o e olhe-o. Ele está lá. Este é o meu argumento. Ele está lá e acordado. Portanto, não é preciso um desafio para fazê-lo acordar. Eu sinto pavor o tempo todo, de não existir, de morrer, de não atingir a meta. Este é o medo básico da nossa vida, do nosso sangue, e ele existe, sempre se observando, se guardando, se protegendo. Mas ele não está totalmente desperto. Não está, nem sequer por um momento, adormecido. Portanto, o desafio não é necessário. O que você faz com relação a ele e como você lida com ele, isso vem depois.

P: Esse é o fato.

A: Vendo tudo isso, o senhor não aceita o fator da não-atenção?

K: Eu disse que ele está acordado; não estou falando sobre atenção.

A: O medo está ativo, atuante.

K: É como uma cobra no quarto: ela está sempre lá. Posso procurar em todos os cantos, mas ela está lá. A mente consciente está interessada em como lidar com ela, e como não pode fazê-lo, ela se afasta. É quando a mente consciente recebe um desafio e tenta enfrentá-lo. Você é capaz de encarar uma coisa viva? Para isso não é necessário um desafio. Mas devido ao fato de a mente consciente ter-se escondido do medo, o desafio é necessário. Certo, Pupul?

N: Pensamos nisso apenas como uma possibilidade; essa sombra ainda está na mente.

K: reflita sobre a questão; não se apresse em tirar conclusões. Você se apressou em tirá-las. Minha mente recusa o desafio. A mente consciente não permitirá que o desafio a desperte. Ela está acordada. Mas vocês admitem o desafio. Eu não. Ele não faz parte da minha experiência. A questão seguinte consiste em saber se quando a mente consciente está desperta para o medo, ela não é capaz de convidar algo que existe. Vá devagar. Não tire conclusões em momento algum. Assim, a mente consciente sabe que o medo está lá, alerta. Então, o que vamos fazer a seguir?

P: Há aí uma inadequação.

N: Eu estou acordado.

K: Você não está compreendendo absolutamente. É a mente consciente que tem pavor disso. Quando ela está acordada, não sente pavor. Em si mesma, ela não sente pavor. A formiga não sente pavor. Se ela for esmagada, será apenas isso. É a mente consciente que diz que sinto pavor disto, de não existir. Mas quando sofro um acidente, por exemplo, se meu avião espatifa, não há medo. No momento da morte, digo: "Sim, agora sei o que significa morrer". Mas a mente consciente, com todos os seus pensamentos, diz: "Meu Deus" Vou morrer, não quero morrer, não posso morrer, tenho de me proteger" — é dessa coisa que tem pavor. Você já observou uma formiga? Ela nunca fica aterrorizada; se alguém a mata, ela morre. Agora, você então entende alguma coisa.

N: O senhor já observou que, se colocarmos um pedaço de papel na frente de uma formiga, ela se desvia dele?

K; Ela quer sobreviver, mas não está pensando em sobreviver. Assim, voltando ao assunto, é o pensamento que cria o medo. É só o pensamento que diz: "Vou morrer, estou só. Não atingi o meu objetivo". Veja isto: essa é a eternidade intemporal, essa é a eternidade verdadeira. Veja como isso é extraordinário. Por que deveria eu estar assustado se o medo faz parte do meu ser? É apenas quando o pensamento diz que a vida deve ser diferente que há medo. A mente pode permanecer completamente imóvel? A mente pode estar completamente estável? Então surge essa coisa. E quando essa coisa está desperta, qual é então a raiz central do medo?

P: Isso já aconteceu com o senhor?

K: Várias vezes, muitas vezes, quando a mente está completamente estável, sem nenhuma aversão, sem aceitar ou negar, sem racionalizar nem fugir, não há nenhuma atividade de qualquer espécie. Chegamos à raiz dela, não é mesmo?

Krishnamurti — Diálogos sobre a visão intuitiva - Cultrix

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