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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

19 de junho de 2013

Quando houver inteligência o nacionalismo desaparecerá

Nas várias crises anteriores, tratou-se sempre da exploração das coisas ou da exploração do homem; hoje, cuidamos da exploração das ideias, muito mais perniciosa, muito mais perigosa, uma vez que a exploração de ideias é de efeitos tão devastadores e destrutivos. Conhecemos agora o poder da propaganda, e esta é uma das maiores calamidades que podem acontecer: empregar ideias como meio de transformar o homem. É o que está ocorrendo no mundo de hoje. O homem perdeu toda a importância; os sistemas, as ideias tornaram-se importantes. O homem já não tem nenhuma significação. Pode-se destruir milhões de homens, desde que se produza certo resultado, esse resultado se justifica por meio de ideias. Temos uma soberba estrutura de ideias para justificar o mal, e isso, sem dúvida alguma, é fato inédito. O mal é o mal; nunca pode produzir coisa boa. (...) Quando o intelecto tem primazia, na vida humana, produz-se uma crise sem precedentes. 

Outras causas há, também, indicativas de uma crise sem precedentes. Uma delas é a extraordinária importância que se está atribuindo aos valores dos sentidos, à propriedade, ao nome, à etnia, à nação, à etiqueta que usamos.(...) O nome e a propriedade, a etnia e a nação, tornaram-se predominantemente importantes, vale dizer, o homem está preso ao valor sensorial, ao valor das coisas feitas pela mente e pela mão. Tão importantes se tornaram as coisas fabricadas pela mão ou pela mente, que, por causa delas, estamos matando, destruindo, massacrando, liquidando. Estamos nos abeirando de um precipício; cada uma de nossas ações está nos levando para lá; toda ação política, toda ação econômica, está fatalmente nos conduzindo ao precipício, arrastando-nos para aquele abismo caótico. A crise, por conseguinte, é sem precedentes e requer ação sem precedentes. Para afastar-nos dessa crise, para sairmos dela, é necessária uma ação atemporal, ação não baseada em nenhuma ideia, em nenhum sistema, porque a ação que se baseia em sistema ou ideia levará inevitavelmente à frustração. Uma ação dessa ordem só nos levará de volta ao abismo, por outro caminho. 

(...) O ponto a considerar é que, tratando-se de uma crise de caráter excepcional, faz-se necessária, para enfrentá-la, uma revolução no pensar; e esta revolução não pode realizar-se por meio de outra pessoa, de um livro, de uma organização. Ela tem de vir através de nós, cada um de nós. Só então podemos criar uma nova sociedade, uma nova estrutura, longe de todo esse horror, longe destas forças extraordinariamente destrutivas, que se estão acumulando, empilhando. E essa transformação se realizará quando você, como indivíduo, começar a conhecer-se em cada pensamento, cada ação, cada sentimento.  

Pergunta: O que virá, quando desaparecer o nacionalismo? 

Krishnamurti: A inteligência, sem dúvida. Mas me parece que não é isso que a pergunta está sugerindo. Ela implica: o que é que pode substituir o nacionalismo? — Toda substituição representa uma ato destituído de inteligência. Se abandono uma religião para abraçar outra, se deixo um partido político e mais tarde vou ligar-me a outra coisa qualquer, esta substituição constante denúncia um estado destituído de inteligência. 

Como abolir o nacionalismo? Isso só acontecerá depois de compreendermos todas as suas consequências, de o examinarmos, de nos compenetramos do seu significado nas ações exteriores e interiores. Exteriormente, ele é fator de discórdias, classificações, guerras e destruição, o que é evidente a qualquer observador. Interiormente, psicologicamente, esta identificação com uma coisa maior, com a nação, com uma ideia, constitui, sem dúvida, uma forma de auto-expansão. Se vivo numa aldeia insignificante, numa grande cidade, ou onde quer que seja, não sou ninguém; mas, se me identifico com o que é maior, com a nação, se me intitulo "brasileiro*" isso me envaidece, isso me envaidece, dá-me satisfação, prestígio, um sentimento de bem-estar; e a identificação com uma coisa maior, que é uma necessidade psicológica para aqueles que consideram essencial esta auto-expansão, gera também conflito e luta entre os homens. O nacionalismo, portanto, não só causa conflito exterior, mas também frustrações interiores. Quando compreendemos o nacionalismo, seu processo total, ele se extinguirá por si. A compreensão do nacionalismo resulta da inteligência, da observação atenta, do exame profundo do processo total do nacionalismo, do patriotismo. Desse exame nasce a inteligência, e não há então a substituição do nacionalismo por outra coisa. Se recorremos à religião, como substituo do nacionalismo, a religião torna-se outro meio de auto-expansão, outra fonte de ansiedade psicológica, e um meio de nos nutrirmos numa crença. Assim, toda espécie de substituição, ainda que nobre, é uma forma de ignorância. É o mesmo que mascar goma, ou pastilhas de bétel, ou coisa parecida, para substituir o uso do fumo; mas, se se compreender, na sua inteireza, o problema do fumar, dos hábitos das sensações, das exigências psicológicas, etc., desaparecerá por si o hábito de fumar. Só é possível a compreensão quando há desenvolvimento da inteligência, quando ela está funcionando; e a inteligência não está funcionando quando há substituição. A substituição é apenas uma espécie de auto-suborno, com o qual nos tentamos a deixar de fazer uma coisa, para fazer outra. O nacionalismo, com seu veneno, suas misérias e a luta que provoca no mundo, só desaparecerá quando houver inteligência, que não nasce do simples fato de passarmos em exames e estudarmos livros. A inteligência nasce quando compreendemos os problemas, à medida que surgem. Quando há compreensão do problema, nos seus diferentes níveis, não só no aspecto exterior, mas também nos aspectos interiores, psicológicos, então, nesse processo, surge a inteligência. Assim, quando houver inteligência, não haverá mais substituições; e quando houver inteligência desaparecerá o nacionalismo, o patriotismo, que é uma forma de estupidez.

Krishnamurti — A primeira e última liberdade 

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