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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

2 de junho de 2016

Desconhecemos a realidade do Amor

Falemos agora um pouco do amor, sobre o que significa, e vejamos se atrás desta palavra, que tanta significação tem para nós, se atrás desta palavra e deste sentimento se oculta também aquele peculiar elemento de apreensão, de ansiedade, essa coisa que as pessoas adultas conhecem pelo nome de solidão. Falemos, pois, a respeito da palavra e do sentimento chamado amor.

Sabeis o que é amor? Sabeis como se acha o amor? Amais os vossos pais? Sabeis amar vosso pai, vossa mãe, vosso tutor, vosso mestre, vossa tia, vosso marido ou vossa esposa? Sabeis o que tal significa? Quando digo “amo os meus pais”, que exprime isso? Significa que nos sentimos protegidos na companhia deles, que estamos acostumados com eles? Verificai, enquanto falo, se o que digo se aplica à vossa pessoa e ao amor a vossos pais. Pensais que vossos pais vos estão protegendo, dando-vos dinheiro, teto, vestuário e alimentos, e tendes também o sentimento de estardes numa relação íntima com eles — não é verdade? Além disso, achais que podeis confiar neles. Eu não sei se confiais neles, mas vós o achais. Compreendei a diferença. Achais que podeis confiar, mas isso pode não ser bem exato; provavelmente não falais com eles tão desembaraçada e despreocupadamente como falais com os vossos amigos. Todavia, vós os respeitais, significando isso que os acatais, que eles mandam e vós obedeceis, que tendes o sentimento de uma certa responsabilidade perante eles, quando fordes maiores e eles estiverem velhos. Eles, por sua vez, vos amam e desejam ajudar-vos — pelo menos dizem que o desejam. Desejam ver-vos casados, para viverdes uma “vida moral”, como se costuma dizer, para que tenhais um marido que vos proteja, ou uma esposa que cuide de vós, cozinhe para vós e tome conta das crianças. Isso é o que se chama amor.

Não podemos averiguar se isso é o verdadeiro amor, porquanto o amor não se pode explicar por meio de palavras. Não é algo que vos venha com facilidade. É muito mais complexo e não é facilmente compreensível. Sem ele, a vida é estéril; sem ele, as árvores, os pássaros, o sorriso de homens e mulheres, a ponte sobre o rio, os barqueiros, os animais, nenhuma significação têm. Sem ele, a vida se torna superficial, sem profundidade. Sabeis o que significa a vida “sem profundidade”? Quer dizer que ela se torna como uma poça d’água. Num rio profundo podem viver muitos peixes e há muitas riquezas. Mas a poça d’água que vemos à beira da estrada seca rapidamente sob o sol ardente, e nada resta senão lodo e sujidade.

O amor, em regra, é uma coisa bem difícil de compreender. Porque, geralmente, ele é para nós algo “sem profundidade”. Atrás da palavra “amor” está emboscado o medo. Desejamos ser amados e, também, desejamos amar. Não é, portanto, de suma importância que cada um de nós cuide de averiguar o que é esta coisa extraordinária? Só o podereis averiguar, se estiverdes cônscios de como olhais os entes humanos, as árvores, os pássaros, os animais, o homem que tem fome, e também os vossos amigos, se os tendes, vossos gurus, vossos pais. Quando dizeis “amo meu pai, minha mãe, meu tutor, meu mestre”, que significa isso? Quando sentis reverência por alguém, quando achais que é vosso dever obedecer-lhe, e a pessoa também julga que deveis prestar-lhe obediência — isso é amor? Compreendeis o que estou dizendo? Quando olhais para alguém com acatamento, quando respeitais enormemente essa pessoa, isso é amor? Se venerais uma criatura, desprezais outra. Não é exato isso? Isso é amor? Ao sentirdes que deveis obedecer, que tendes um dever, isso é amor? Pode o amor ser uma coisa em que haja apreensões, em que haja inclinação para respeitar ou desprezar, em que haja obediência a alguém?

Dizendo amar alguém, não estais na dependência dessa pessoa? É justo que, enquanto jovens, dependais de vosso pai, vossa mãe, vosso mestre, vosso tutor. Porque sois jovens, precisais de quem cuide de vós, necessitais de roupas, de morada de proteção. Na juventude, necessitais sentir que sois mantidos juntos, que alguém vela por vós. Mas, ainda depois de velhos, esse sentimento de dependência continua, não é verdade? Já o não notastes nos entes mais idosos, nos vossos pais, nos vossos mestres? Já não notastes como dependem de suas esposas, de seus filhos, de suas mães? Muitos continuam, depois de adultos, a apegar-se a alguém, a sentir a necessidade de dependência. Se não têm o amparo alheio, se não são guiados por alguma pessoa, se não têm um sentimento de conforto e segurança junto a outrem, sentem-se solitários, não é assim? Sentem-se perdidos. A dependência de outra pessoa chama-se amor, mas, se observardes atentamente, vereis que toda dependência significa temor, e não amor. Porque têm medo de estar sós, medo de pensar nas coisas por si próprios, medo de sentir, observar, descobrir o integral significado da vida, sentem que amam a Deus. Por conseguinte, dependem disso que chamam Deus. Mas uma coisa criada pela mente não pode servir-nos de arrimo; não é Deus, não é o desconhecido. O mesmo acontece com relação a uma idéia, uma crença. Creio numa coisa, e essa crença me proporciona grande conforto; amo esse ideal e me conservo fiel a ele. Mas, tirai-me o ideal, tirai-me a crença e minha dependência dela, e vejo-me perdido. Igualmente, tal se verifica se tenho um guru. Estou na sua dependência, espero algo dele; existe, pois, um temor, uma ânsia. E o fato se repete quando dependeis de vossos pais ou mestres. É justo que o façais enquanto jovens; mas, se continuardes nessa dependência depois de adultos, ela vos tornará incapazes de pensar, de ser livres. Onde há dependência, há também temor, e havendo temor, há a autoridade; não há amor. Quando vossos pais vos mandam fazer algo, cumpre obedecer. Tendes de seguir certas tradições, aceitar certos empregos, ter certas ocupações. Em nada disso há amor. E ao dependerdes da sociedade, aceitando-lhe a estrutura tal como é, isto não é amor, porque a sociedade está corrompida. Não é preciso investigar muito para verificar esse fato. Percorrei uma rua, e vede quanta pobreza, quanta abjeção e miséria existem.

O homem ambicioso, a mulher ambiciosa, não sabem o que é o amor; e nós somos governados por ambiciosos. É por isso que não existe felicidade no mundo. É muito importante que, enquanto cresceis, percebais bem isso e vos esclareçais para o descobrimento dessa coisa que se chama amor. Podeis ter uma casa bem rica, um jardim maravilhoso, uma boa posição, muitos vestidos e roupas, um bom emprego; podeis ser, o todo-poderoso Primeiro Ministro; mas, sem o amor, são vãs todas essas coisas.

Por conseguinte, o que deveis fazer agora — e não quando fordes mais velhos, porque então nunca descobrireis nada — é averiguar como é que amais os vossos pais, ou o vosso guru; deveis descobrir a significação de tudo isso, e não aceitar meramente uma palavra; pois impende esclarecer bem as palavras, para ver se atrás delas se oculta alguma realidade — sendo realidade aquilo que sentis verdadeiramente e não o que supondes sentir: sentir a realidade do ciúme quando tendes ciúme, a realidade da cólera se tendes cólera. Quando dizeis “não devo ser ciumento”, isso é apenas uma variante do desejo, sem nenhum significado. Se fordes suficientemente honestos para com vós mesmos, de modo que possais descobrir com toda a exatidão e clareza o vosso sentimento, o vosso verdadeiro estado — não o vosso estado ideal: como deveis agir, como deveis sentir numa data futura, mas o que efetivamente sentis neste momento — há então a possibilidade de modificá-lo. Mas o dizer “preciso amar meus pais, preciso amar meu guru, preciso amar meu mestre” nada significa, não é verdade? Porque na realidade sois bem diferentes; dizeis uma porção de palavras, e ficais escondidos atrás delas. Não é, pois, próprio da inteligência averiguar o que existe atrás das palavras, atrás da acepção comum das palavras? Palavras tais como “dever”, “responsabilidade”, “Deus”, “amor”, adquiriram muita significação tradicional; mas o homem que é inteligente, verdadeira e profundamente instruído, procura saber o que existe atrás das palavras. Se, por exemplo, eu vos dissesse que não creio em Deus, ficaríeis extraordinariamente chocados, não é verdade? Diríeis: “Credo, que ideia horrorosa!” Vós credes em Deus, não? Pelo menos, pensais que credes. Isto tem pouca significação — vossa crença ou descrença.

O importante é elucidar a palavra, a palavra que chamais amor, para verdes se de fato amais os vossos pais e se vossos pais vos amam deveras. Porque se amásseis realmente os vossos pais, ou vossos pais vos amassem, outro seria o mundo. Não haveria guerras, não haveria divergências de classes, nem ricos e pobres. Sem esta coisa denominada amor, podeis fazer tudo para ajustar a sociedade economicamente, em bases justas, mas nunca conseguireis criar uma estrutura social isenta de conflito e de sofrimento. Por conseguinte, cumpre examinar tudo isso atentamente; e então, talvez, descobrireis o que é o amor.

Krishnamurti em, Novos Roteiros em Educação
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