PENSO QUE, se pudermos compreender o
que significa “estar em paz”, o que significa a paz, haverá a possibilidade de
se compreender o verdadeiro significado do amor. Supomos que a paz é algo que
se obtém com a mente, com a razão; mas pode a paz resultar de algum processo de
quietação, de controle, de domínio do pensamento? Todos desejamos a paz. Para a
maioria de nós, “paz” significa estar livre de importunação, de intromissões,
cercar a nossa mente com uma muralha de idéias. Esta questão é de grande
importância em nossas vidas; porque, ao vos tornardes mais velhos, tereis de
encarar estes problemas concernentes à guerra e à paz. Será a paz algo que a mente
deva perseguir, pegar, e domesticar? A paz, como em regra a entendemos, é um
lento declínio; onde quer que estejamos, aparece a estagnação; pensamos, que se
nos apegamos a uma ideia, se levantamos muralhas de segurança, de proteção, de
hábitos, de crenças; se cultivamos um princípio, uma determinada tendência, uma
determinada fantasia, um determinado desejo, encontraremos a paz. É o que quer
a maioria: evitar canseiras e viver, sem esforço, numa condição qualquer de
estagnação. Quando reconhecemos a impossibilidade de ter essa espécie de paz,
forcejamos para conseguir paz, para encontrar algum canto no universo ou em
nosso ser, para onde possamos arrastar-nos, e viver fechados na escuridão do
“eu”. É isso o que queremos, em geral, nas relações com nossos maridos, nossas
esposas, pais, amigos. Inconscientemente, queremos a paz a qualquer preço, e
por isso a buscamos.
Pode a mente porventura encontrar a paz? A mente não é,
ela própria, uma fonte de perturbação? A mente só é capaz de juntar, acumular,
negar, afirmar, lembrar e seguir. Será a paz, que é tão essencial — porque sem
ela não se pode viver, não se pode criar — será à paz algo realizável por meio
de lutas, de renúncias, de sacrifícios espirituais? Compreendeis o que estou
dizendo? Quando nos tornarmos mais idosos, se não formos sensatos e não nos
conservarmos vigilantes, — ainda que agora, na juventude, tenhamos
descontentamento, esse descontentamento se canalizará para alguma forma de pacata
resignação diante da vida. A mente está sempre procurando criar, em alguma
parte, algum hábito, crença ou desejo, onde possa viver isolada e em paz com o
mundo. Mas ela não pode achar a paz, porque só é capaz de pensar dentro dos
limites do tempo — seu passado, seu presente, seu futuro — o que foi, o que é,
e o que será — sempre condenando, e julgando, e pesando, alimentando suas
próprias vaidades, hábitos e crenças. A mente nunca pode estar em paz, ainda
que às vezes se refugie numa paz ilusória. Mas isso não é paz. Ela pode
hipnotizar-se com palavras, com a repetição de frases, com o seguir meramente a
alguém, com o saber; mas não se mantém em paz, porque ela mesma é o centro de
atração, e, por sua própria natureza, a essência do tempo. Assim, a mente, com
que pensais, com que calculais, com que planejais, com que comparais, não pode
encontrar a paz.
A paz não é produto da razão; e, todavia, se observais as
religiões organizadas que conheceis, vereis como todas elas preconizam a paz
que é produto do pensamento. Mas a paz é algo tão criador quanto a guerra é
destrutiva, tão pura quanto a guerra é corruptora; e para termos essa paz,
precisamos compreender a beleza. Eis porque tanto importa que, na juventude,
estejamos rodeados de beleza, a beleza dos edifícios, das proporções harmônicas,
da exata apreciação, do asseio, da lúcida conversação — de modo que,
compreendendo o que é belo, saibamos o que é o amor, e que a beleza do coração
é a paz do coração.
A paz nasce no coração e não na mente.
Cumpre, pois, compreender o que é a beleza. Muito importa a maneira como
falais; porque as palavras que empregais, os gestos que fazeis, revelam o grau
de excelência do vosso coração. Porque a beleza é algo indefinível,
inexplicável. Só podemos chamá-la ou compreendê-la com o espírito tranquilo.
Assim, quando jovens e sensíveis, é essencial que crieis
— tanto vós como os responsáveis pela mocidade, pelos estudantes — é essencial
criardes essa atmosfera de beleza. A maneira de vestir, a maneira de sentar-se,
a maneira de falar e comer, tanto quanto as coisas que nos circundam, são de
grande importância. Porque, ao crescerdes, ireis encontrar todas as fealdades
da vida — edifícios feios, gente feia, malícia, inveja, ambição, crueldade — e,
se não houver nos vossos corações o sentimento da beleza, solidamente
alicerçado em vós mesmos, podeis ser facilmente arrastados pela monstruosa
correnteza da vida; e ver-vos-eis empenhados na luta pela obtenção da paz que é
produto da mente. A mente cria a ideia da paz, procura cultivar essa ideia e
fica emaranhada na rede das palavras, das fantasias, das ilusões.
A paz, por conseguinte, só poderá vir ao compreendermos o
que é o amor. Porque, se temos a paz unicamente na segurança, financeira ou de
outra natureza, a paz proporcionada pelo dinheiro ou por certos dogmas, ritos e
repetições, não existirá criação; não existe em nós nenhum impulso para
realizarmos no mundo uma revolução fundamental, radical; porque essa paz só
significa estagnação e resignação. Mas, quando compreenderdes a quietude em que
existe amor e beleza, compreenderdes a sua extraordinária originalidade, tereis
então essa paz — aquela que a mente não pode alcançar. Eis a paz criadora, a
que implanta a ordem dentro em nós, dissipando toda confusão. Mas essa serenidade
não resulta de esforço nenhum. Manifesta-se quando estamos em constante
vigilância, sensíveis tanto para o feio como para o belo, para o bom e para o
mau, para todas as vibrações da vida. Porque a paz é uma coisa de rara
grandiosidade e extensão, e não uma frivolidade da imaginação. Ela só pode ser
compreendida com a plenitude do coração.
Krishnamurti em, Novos Roteiros em Educação
Krishnamurti em, Novos Roteiros em Educação