QUASE TODOS NÓS
ESTAMOS APEGADOS a uma certa parte insignificante da vida, e pensamos que,
através dessa parte, descobriremos o todo. Sem sairmos de nosso quarto, achamos
que podemos explorar toda a extensão e toda a amplidão do rio e perceber a
riqueza dos verdes prados que o margeiam. Vivendo em estreito aposento,
pintamos uma pequena tela e pensamos ter "tomado a vida pela mão” e
compreendido o significado da morte. Mas, tal não aconteceu. Para que aconteça,
temos de sair para o ar livre. Mas é-nos extremamente difícil sair para o ar
livre, deixar nosso pequeno aposento de estreita janela, para vermos as coisas
como são, sem julgar, sem condenar, sem dizer "Disto eu gosto e daquilo
não gosto” — porque a maioria de nós pensa que através da parte será possível
compreender o todo. Examinando um raio, esperamos compreender a roda, não é verdade?
São precisos muitos raios, e mais o cubo e o aro, para termos a coisa chamada
"roda”; e precisamos ver a roda toda para podermos compreendê-la. Do mesmo
modo, precisamos perceber o inteiro processo do viver, se realmente desejamos
compreender a vida.
Espero estejais seguindo o que estou dizendo, porque a
educação deve ajudar-vos a compreender o todo da vida, e não apenas
preparar-vos para obter um emprego e seguir a rotina habitual — casamento,
filhos, segurança, e vossos pequenos deuses. Mas, para suscitar a educação
correta necessita-se de muita inteligência, discernimento, e por essa razão é
tão importante que o próprio educador seja educado para compreender o processo
total da vida, e não cuide meramente de ensinar-vos de acordo com determinada
fórmula, velha ou nova.
A vida é um maravilhoso mistério — não o mistério de que
falam certos livros ou certas pessoas, porém um mistério que cada um de nós tem
de desvendar por si próprio. Eis porque tanto importa compreenderdes o que é
pequeno, limitado, mesquinho, e passardes além.
Se não começais a compreender a vida desde jovens,
crescereis muito feios, interiormente; sereis estúpidos e vazios, ainda que,
exteriormente, tenhais dinheiro, andeis em carros de luxo e pareçais muito
importante. Por isso é tão relevante que saiais de vosso quarto para ver a amplidão
do firmamento. Mas, isso não podeis fazer se não tendes amor — não "amor
físico’’ ou "amor divino’’, porém amor, puro e simples: amar os
pássaros, as árvores, as flores, vossos mestres, vossos pais e, além do país, toda
a humanidade.
Não será uma verdadeira tragédia se não descobrirdes, por
vós mesmo, o que é amar? Se não conhecerdes o amor agora, nunca mais o
conhecereis, porque, quando ficardes mais velhos, o que se chama "amor”
será uma coisa muito feia — uma propriedade, uma espécie de mercadoria que se
compra e vende. Mas, se começardes agora a ter amor no coração, se amardes a
árvore que plantais, o cão vadio que afagais, então, quando crescerdes, não
permanecereis no pequeno aposento de estreita janela, mas saireis para amar a
totalidade da vida.
O amor é realidade; não é emoção, efusão de
lágrimas; não é um sentimento. O amor, em si, é sem sentimentalismo. Este é um
ponto muito sério e importante: que deveis amar enquanto estais jovens. Vossos
pais e mestres talvez desconheçam o amor, e foi por esta razão que criaram um
mundo terrível, uma sociedade perpetuamente em guerra contra si mesma e com
outras sociedades. Suas religiões, suas filosofias e ideologias são todas
falsas, porque sem amor. Eles só percebem uma parte; estão a olhar pela
estreita janela, que poderá apresentar uma vista aprazível e extensa, mas que
não é toda a amplidão da vida. Sem esse sentimento de intenso amor, não podeis
ter a percepção do todo; por conseguinte, sereis sempre um ente digno de
comiseração e, ao chegardes ao fim da vida, não tereis senão cinzas, um
amontoado de palavras ocas.
Krishnamurti em, A cultura e o problema humano