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Do mesmo modo desejamos a ordem externa, na política, no mundo dos negócios. Por essa razão existem os ditadores, tiranos, governos totalitários que prometem a ordem total, na qual a ninguém é permitido pensar. Ensinam-lhe aquilo que você deve pensar, da mesma maneira como lhe ensinam o que pensar quando você pertence a uma igreja ou a um grupo que acredita num certo idealismo. A tirania da igreja é tão brutal como a tirania dos governos. Mas gostamos dela, porque desejamos a ordem a qualquer preço. E a temos. A guerra produz uma ordem extraordinária num Estado. Todos cooperam para a mútua destruição.
Assim, é importante compreender essa obsessão pela ordem. A sujeição de nossa própria confusão à autoridade, interna ou externa, produz a ordem? Você compreende a pergunta?
Vejo-me confuso e não sei o que fazer. Minha vida é estreita, limitada, confusa, infeliz — encontro-me num estado de contradição e não sei o que fazer. Assim sendo, dirijo-me a alguém, a um instrutor, a um guru, santo, salvador; e provavelmente alguns de vocês vieram aqui com igual propósito. Assim, por causa da sua confusão você escolhe o seu líder, e quando você atua motivado pela confusão, sua escolha só pode criar mais confusão. Você se abandona à autoridade — e isso significa que não deseja pensar, não deseja descobrir por você mesmo o que é verdadeiro e o que é falso. Descobrir o que é verdadeiro e o que é falso é dificílimo; temos de estar muito ativos, muito vigilantes. Mas, como em geral somos preguiçosos, insensíveis, não profundamente sérios, preferimos que nos digam o que devemos fazer; e para isso temos os santos, os salvadores, os instrutores, para dirigirem nossa conduta interior; e exteriormente temos os governos, os tiranos, os generais, os políticos, os especialistas. E esperamos que, seguindo-os, nossas tribulações gradualmente terminarão e, por conseguinte, teremos ordem.
Certamente, a palavra "ordem" implica tudo isso, não? Ora, a exigência de ordem produz ordem? Considere isso, por favor, pois desejo examinar esse ponto. A meu ver, a autoridade e o poder, de qualquer espécie que sejam, são destrutivos. O poder, em qualquer forma, é maléfico, porque estamos confusos; porque não sabemos, queremos ser ensinados.
(...) Para mim o que importa é perceber a existência da desordem exterior e interior, e que a exigência de ordem é simplesmente exigência de segurança, garantia, certeza. E infelizmente não existe segurança, nem interna, nem externa. Os bancos poderão falir, poderá haver guerra, há a morte, os valores da bolsa poderão sofrer uma queda desastrosa — tudo pode acontecer, e coisas terríveis já estão acontecendo. Como vemos, a exigência de ordem é exigência de segurança; e é isso o que todos, velhos e moços, queremos. Não temos muita preocupação quanto à segurança interior, porque não sabemos como proceder para obtê-la, mas esperamos alcançar pelo menos a segurança exterior, com bons bancos, bons governos, uma tradição duradoura. A mente assim, torna-se gradualmente satisfeita, embotada, segura, confinada na tradição, e essa mente, como é bem óbvio, nunca descobrirá o que é verdadeiro ou o que é falso; é incapaz de enfrentar o tremendo desafio da existência.
(...) Viver num mundo exterior onde não existe segurança, e viver num mundo interior onde nenhuma tradição existe, onde não existe amanhã nem hoje — isso significa que a pessoa se torna desequilibrada, completamente insana, ou extraordinariamente viva e saudável.
Isso não é questão de escolha. Não se pode escolher entre a segurança e a insegurança; mas é fácil perceber que não existe segurança interior, psicológica. Nenhum estado de relação oferece segurança; e por mais fortemente que estejamos apegados a uma certa doutrina, crença, a isso sempre está associada a dúvida, a desconfiança, o medo. Uma investigação desta natureza é necessária, quando existe paixão pela ordem.
Tampouco, não é verdadeiro o contrário disso: que devamos viver na desordem, no caos. Isso é apenas uma reação. Você sabe que vivemos e atuamos por efeito de reação. Todas as nossas ações são reações. Não sei se já notou isto. E se vemos que a ordem não é possível, pensamos então, invariavelmente, que deve haver o oposto, a desordem, a reação à ordem. Mas se é percebida a verdade de que a exigência de ordem implica tudo o que acabamos de apontar, então, do descobrimento do que é verdadeiro resulta a ordem verdadeira. Estou sendo claro? Vou expressá-lo de maneira diferente.
Certamente, a paz não é a ausência de guerra. A paz é coisa diversa. Não é o intervalo entre duas guerras. Para descobrirmos o que é a paz, precisamos estar completamente libertados da violência. Para nos libertarmos da violência, requer-se tremenda investigação da violência. Isso significa perceber realmente que na violência estão implicados compulsão, ambição, desejo de sucesso, perfeita eficiência, autodisciplinamento, e o seguimento de certas ideias e ideais. Certamente, forçar a mente a ajustar-se — não importa se a um padrão nobre ou desprezível — implica violência.
Dizemos que, se não nos ajustarmos, haverá caos. Mas tal afirmativa é uma reação, você não acha? A violência não é uma coisa superficial; o sondá-la requer muita investigação. A cólera, o ciúme, o ódio, a inveja, tudo isso são expressões da violência. Estar livre da violência é estar em paz, não achar-se num estado de desordem. Eis porque o conhecimento de si mesmo não é simplesmente uma questão de se considerarem as coisas ocasionalmente, pelo espaço de uma manhã, e não cuidar mais disso pelo resto da semana. O conhecimento de si mesmo é uma questão muito séria.
Assim, compreender a ordem é muito mais importante do que a reação pela qual dizemos: "Se não houver ordem, haverá caos" — como se o mundo em que vivemos fosse uma maravilha, belo e deslumbrante, sem caos nem sofrimento! Basta olhar a nós mesmos, para vermos como somos interiormente pobres. Somos vazios de afeição, de simpatia, de amor, somos feios, e muito facilmente influenciáveis; e há sempre essa busca de companhia, a impossibilidade de estarmos sós.
É importante, pois, considerarmos a ordem em sua totalidade, e não apenas pedacinhos dela, aqueles que preferimos. E é dificílimo vermos uma coisa totalmente — como se vê a árvore inteira. Falei um pouco extensamente a respeito da ordem, da autoridade, do ajustamento; e, se você puder ver isso de maneira total, verá então como o cérebro, a mente, se livra dessa exigência de ordem e, portanto, do desejo de seguir — seja um herói nacional, o mito ou a outros absurdos, seja o seu instrutor preferido, guru, santo, etc.
Krishnamurti — O Passo Decisivo