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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

26 de junho de 2013

Não sabemos o que significa pensar claramente

A sociedade está progredindo, evolvendo. Há os que entravam esse progresso, que retrocedem, voltando a toda espécie de ideias tradicionais, antiquadas. Sua mente não é contemporânea, não marcha na direita da sociedade. Porque vivem na esfera das ideias, dos conceitos, das abstrações, forçam a sociedade num padrão — como fazem os comunistas, os socialistas, e certas pessoas neste país. Tem padrões, conceitos, que procuram impor aos demais; por conseguinte, não são espíritos contemporâneos. Por “espírito contemporâneo” entendo a mente que está perfeitamente a par da presente situação mundial, não só do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista político, científico, moral, psicológico; da situação deste mundo, que vemos dividido entre Oriente e Ocidente, e dos potentíssimos meios de destruição ora existentes. Tudo isso são fatos; e desses fatos devemos nos abeirar com uma mente fresca, capaz de compreender e de aprender, e não com uma mente tradicional, impelida por padrões.

Assim, pois, antes de começarmos a examinar esta questão do medo, vocês precisam descobrir certas coisas, por si mesmos, como entes humanos — não como indivíduo, porque a individualidade vem muito mais tarde. Só virá a individualidade quando forem completamente humano, sem o atual fundo animal de ambição, de avidez, de inveja, de ódio, etc. Quando a mente está liberta de tudo isso, ela é, então, apenas a mente individual. E, alcançando esse estado mental individual, ocorre algo extraordinário, e terão a capacidade de ultrapassá-lo, Vocês podem presumir que são dotados de uma alma, que são independentes, que são “Eu Superior”, etc.; tudo isso são meras palavras, sem significação, porque vocês são simples resultado do ambiente. Estão lhes ensinando certos padrões de pensamento, vocês vivem numa determinada tribo social, ou raça, ou grupo, ou família; tais padrões lhes condicionam a mente, e vocês ficam a repeti-los. Mas a mente que está desperta, que exige, que questiona, que está consciente de todas as coisas da moderna existência — essa mente deve ter intensa capacidade de humildade. Esta, a humildade, não representa um estado de menosprezo próprio, um estado de aceitação, de aquiescência, de ajustamento — pois, num tal estado, a mente não é mente. Vocês devem pensar com muita clareza, para questionarem muito clara e penetrantemente, não só o orador, porém todo o mundo — seus líderes políticos, religiosos, econômicos — de modo que a mente de vocês se torne aguçada pelo aprender. Mas esse aprender lhes é negado ao seguirem a autoridade.

Não sei se ainda não notaram esta veneração da autoridade, existente em vocês e ao redor de vocês, principalmente nos países que tem antipatiquíssimas tradições, nos países superpovoados. A palavra “autoridade” deriva-se de uma palavra que significa: “aquele que dá origem a alguma coisa, aquele que origina”. Nós não somos originais, porque não sabemos, não compreendemos o que significa pensar claramente, independentemente do que foi dito por Sankara, por Buda, ou outro qualquer. Para o indivíduo pensar claramente, por si próprio, não deve haver nenhuma autoridade. Mas, por desgraça, principalmente neste país (talvez também noutros, mas estamos nos referindo a este país) a autoridade predomina. Não estamos comparando este país com nenhum outro país; esta é uma velha manha dos políticos: quando se diz que o país está corrupto, o político replica que ele é melhor, menos corrupto do que outro país; acham eles, os políticos, que estão fazendo maravilhas... Mas, estamos falando de uma coisa completamente diferente. Não estamos comparando. Estamos vendo os fatos. E, para se verem os fatos, não se deve comparar — como é possível comparar? E para se verem os fatos. Não intelectualmente, exige-se muita afeição, muita compaixão, amor intenso, empatia. Mas, é negada essa afeição, esse amor, quando se venera a autoridade.

Considerem bem o que o orador está dizendo; não concordem com ele. Observem o que está ocorrendo na própria vida de vocês, porque a obediência à autoridade é uma das origens do medo. Temos o Guita ou outro livro, e tal livro é nossa autoridade; essa autoridade é completamente sem significação, em relação à existência contemporânea(³). Porque a mente tem medo de afastar-se daquilo que pensa ser o real (“o real”, conforme afirmado por um certo grupo ou por certas pessoas), ela aceita. Vocês aceitam a autoridade, não só espiritualmente — se me permitem o emprego desta palavra, — mas também politicamente, religiosamente, em todos os sentidos. A autoridade não existe apenas sob um certo aspecto — a autoridade ou o domínio da mulher sobre oi marido ou do marido sobre a mulher. Todos queremos o poder; e o poder está associado à ambição, e esta é uma forma de expressão individual. Todos desejamos “nos expressar”; quer dizer, desejamos ser alguém neste mundo — como escritor, pintor, político, líder religioso, etc., etc. Assim, pois, a mente que está escravizada à autoridade — à autoridade da mulher, do marido, da sociedade, do povo — a mente que venera a autoridade é incapaz de afeição, de amor, ou de aprender. Vocês podem seguir outro homem, mas pelo fato de o seguirem, não resolverão o sofrimento de vocês. Ele poderá lhes dar a possibilidade de fugir do sofrimento de vocês, do desespero, lhes oferecendo uma esperança, mas essa esperança pode ser ilusória, irreal, fútil. Temos tanto medo da existência, que desejamos certa esperança, e, assim, corporificamos na autoridade essa esperança.

Por conseguinte, para compreender o medo, deve a mente compreender a autoridade, o desejo de preenchimento pessoal e a ânsia de poder. A função confere poder. Isto é, vocês têm a capacidade de fazer certa coisa — capacidade para governar, para montar máquinas, administrar uma casa com ordem, asseio, simplicidade — e isso lhes confere uma função. Mas, infelizmente, à função está associada a categoria, ou seja, posição, dinheiro. Assim, a mente que deseja aprender dever ter essa humildade... já ia dizendo “humildade bastante agressiva”. “Humildade agressiva” é naturalmente uma expressão contraditória; mas entendam bem o que quero dizer, isto é, que essa mente deve ter a intensidade da não-consentimento, uma vez que a humildade é a companheira da liberdade. E se não há liberdade, vocês não tem a possibilidade de aprender. Assim sendo, para compreenderem o medo, vocês devem compreender todo o processo da autoridade — o que não implica a desobediência... Vocês têm de pagar impostos. É importante compreender porque obedecemos, mas isso não significa que devemos desobedecer. Vocês obedecem porque, psicologicamente, interiormente, vocês têm medo: podem perder o emprego se não se mostrarem cordiais e subservientes para com certo “homem importante”, o gerente ou o ditador, o patrão ou o guru; ou perder seus valores espirituais, etc.

(...) Vocês necessitam, todos os dias, de uma mente fresca para compreenderem suas famílias, suas esposas ou maridos, os filhos; necessitam de uma mente fresca para aprenderem a executar eficientemente o trabalho de vocês. Estamos, pois, tentando compreender os problemas. Trata-se de seus problemas e por conseguinte, vocês não têm apenas de escutar palavras, de recitá-las, aceita-las, ou dizer que “é isso mesmo”, ou ter opiniões.

Cumpre, pois, distinguir — quando se compreende a autoridade — porque obedecemos à lei e porque obedecemos psicologicamente. Devemos também compreender o que é função e o que é posição. Porque, através da função queremos posição. O que mais nos interessa não é a função, porém a posição. Porque a posição — nos conferindo certos privilégios se torna muito mais importante do que a função. Mas, se se considera apenas a função — e nenhuma consideração se dá à posição — nesse caso, o cozinheiro é tão importante como o Primeiro-Ministro. Ambos estão apenas desempenhando funções e, assim, vocês formam sobre os dois uma mentalidade inteiramente diferente: vocês não dão pontapés no cozinheiro nem bajulam o Primeiro-Ministro. Tratam ambos como funcionários — e não como máquinas — como entes humanos sujeitos a errar. Mas no momento em que lhes vêm a ideia de posição, começa então o desrespeito; e, quando começa o desrespeito, estão perdidos; mostram respeito a um e desrespeito a outro. A mente que compreende, em seu todo, esse processo psicológico da autoridade, deve examiná-lo, porque aí se encontra uma das raízes do medo.

Krishnamurti — Uma nova maneira de agir - Cultrix

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