Decidi fazer um trato de convivência pacífica com a sociedade, convencido pelos ditos de Jiddu Krishnamurti de que 'eu sou a sociedade e a sociedade sou eu'. Um trato com a massa modelável da sociedade. Aqueles que são torcedores assíduos de algum time de futebol. Que pagam ingresso para assistir à final da "Libertadores" ou assistem em casa e, durante o jogo, sentem-se "libertos" da tensão cotidiana soltando urros e dando murros, cujos ídolos são autores de frases memoráveis como "fingi que fui, mas não fui e acabei fondo..." ou " comigo, ou sem migo..."!
E imaginar que os autores destas pérolas são referência para a molecada que, sinceramente, torço para não serem o futuro deste país.
Estes indivíduos são, em sua esmagadora maioria - na maioria esmagada, melhor dizendo -, trabalhadores de 'carteira assinada', avassalados por salário, que lhes garante o uso comedido das atividades de comer, dormir, locomover-se, estudar e divertir-se. Porque o uso desmedido, ou o abuso, de qualquer uma das atividades acima introduz tal indivíduo 'abusado' em período indeterminado de dívida. Para ser mais fiel à sensação do 'abusado', introduz nele pelo orifício retal o tormento indefinido de uma dívida.
Tal indivíduo enumeraria uma fartura de razões para sua falta de razão e falta de fartura, pelo inevitável da dívida (promoção imperdível, facilidade de crédito, utensílio doméstico essencial...).
Em nome de vida doméstica tranquila, domestica a sanha visceral por plenitude e liberdade evitando ser rotulado de rebelde improfícuo e inócuo. Porém, imprescindível à garantia da tranquilidade, seja no ambiente doméstico ou no altar do coração, é uma espécie de postura indomável e inamoldável.
No momento em que consigo me desidentificar dos estímulos internos, ou externos, adoto postura de observador. De quem observa o que está se passando fora de mim e como isso influencia o que está acontecendo dentro de mim, despreocupado em justificar meus atos ou a ausência deles. Quando as razões são vistas sem a preocupação em dar razão, ou não, ao ato, sem julgamento, chega-se à verdade. E a verdade tem poder libertador.
Uma vez liberto dos critérios consolidados ao bem do julgamento, adquiro o estado do não-julgar, o estado de desprendimento dos valores e respectivos tabus, o estado de bravura pelo confronto dos medos desenterrados na atitude observadora, despojada de qualquer interesse pessoal.
Então, ergo a taça e transbordo um urro com toda força dos meus pulmões:
Libertadores, libertem-me!
Liban Raach