Enquanto o ser humano se deixar envolver pelo movimento do mundo e pela sua relação com ele - e isso acontece até ao fim da Antiguidade, porque o seu coração ainda tem de lutar pela libertação das peias mundanas -, não será ainda espírito, porque o espírito é sem corpo e não tem ligação com o mundo e com o corpóreo: para ele, não existe mundo nem dependência da natureza, mas tão-somente espiritualidade e relações espirituais. Por isso o homem teve de tornar-se primeiro frio e despreocupado, completamente independente, tal como a cultura céptica o apresenta, tão indiferente em relação ao mundo que nem a sua derrocada o afetava, antes de poder sentir-se privado do mundo, ou seja, espírito. É esse o resultado do gigantesco trabalho dos Antigos: o ser humano passa a tomar consciência de si como ser sem ligações e sem mundo, como espírito.
Só agora, quando deixou para trás todos os cuidados com o mundo, ele é para si tudo em tudo, é apenas para si, ou seja, é espírito para o espírito, ou melhor: agora, a sua única preocupação é com o espírito.
Na astúcia de serpente e na inocência de pomba, próprias do cristianismo, as duas faces da libertação antiga do espírito, o entendimento e o coração, apresentaram-se de tal modo acabadas que reaparecem como novas e modernas, e nem uma nem a outra se deixam confundir pelo que é mundano e natural.
Os Antigos elevaram-se, assim, até às alturas do espírito, e procuraram espiritualizar-se. Mas o indivíduo que queira agir pelo espírito sentir-se-á atraído para tarefas completamente diferentes daquelas que antes podia assumir, tarefas que ocupam verdadeiramente o espírito, e não apenas o sentido comum ou o sentido apurado, a perspicácia, que apenas se esforça por exercer o seu domínio sobre as coisas. O espírito só se preocupa com o espiritual, e busca em tudo as «marcas do espírito»: para o espírito crente, «tudo vem de Deus" e as coisas só lhe interessam na medida em que revelam esta origem; ao espírito filosófico tudo se lhe apresenta com o selo da razão, e só lhe interessa na medida em que consegue descobrir nas coisas essa razão, ou seja, o seu conteúdo espiritual.