Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

28 de janeiro de 2011

Feira livre

Teatro
Numa certa manhã de sol...
- Bom dia, freguês!
- Bom dia!
- É novo por aqui?
- Acabei de me instalar!
- Seja bem-vindo! Em que posso lhe servir?
- Uma máscara de respeitável pai de família.
- Um minuto, senhor... Aqui está. Quer aproveitar a máscara de respeitado trabalhador exemplar domesticado?
- Quanto está custando?
- Para o senhor que é novo, num custo especial que não chega a ser os olhos da cara; pode-ser?
- Coloca aí, vai!... Ah! Quero também uma máscara de um ativo crente filho de Deus. A que o senhor tem, acompanha terno, gravata e chapéu de Cowboy?
- Sim senhor, juntamente com um enorme anel imitando ouro. Se levar o kit completo, pode parcelar em até doze vezes, sem juros.
- Jura?
- Pelo sagrado sobrenome de minha família e o solo deste país!
- E quanto a forma de pagamento?
- Pode fazer no cartão de crédito ou num carnezinho abençoado.
- Não acredito!
- Pois pode crer!
- Ok! Então, vou levar!
- Mais alguma coisa, patrão?
- Deixe-me ver... Sinto que estou esquecendo algo...
- Contribuinte exemplar?
- Não, essa já tenho. Está um pouco antiga mas ainda dá para o gasto.
- Torcedor remido?
- Essa ganhei do meu avô!
- Não está pensando em trocar?
- Nada! Fiel até o fim da vida!... Deixe-me ver... Tenho certeza que estou esquecendo algo...
- Fique à vontade! Se eu puder lhe ajudar, basta fazer um sinal.
- Ok!... Ah! Lembrei!
- Pois, não!
- Quero uma de Filósofo Contemporâneo!
- Desculpe, patrão, mas essa, vou ficar devendo... É a primeira vez que me pedem nestes meus quarenta e quatro anos de feira livre! Mais alguma coisa?
- Não! Acho que por hoje é só! Por favor, a conta!
- Disse bem; por hoje é só! Nunca se sabe a máscara que estará em voga amanhã, não é mesmo?... Então, posso passar a régua?
- Desde que seja na justa medida, pode!
- Aqui está senhor!
- Tudo isso?...
- Sinto muito, senhor! Os tempos estão difíceis!
- Pois é: está cada vez mais caro pagar a conta de coisas que, para mim, em nada conta!

Nelson Jonas
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