Pela observação talvez se aprenda mais que dos livros. Livros são necessários para se aprender um assunto, seja matemática, geografia, história, física ou química. Nas páginas dos livros vem imprimido o conhecimento acumulado dos cientistas, dos filósofos, dos arqueologistas, etc. Esse conhecimento acumulado, que se aprende na escola, no colégio ou universidade - se a pessoa tem a sorte de ir para universidade -, tem sido acumulado através das idades desde os tempos muito antigos. Existe uma grande quantidade de conhecimento acumulado da Índia, do antigo Egito, Mesopotâmia, dos Gregos, dos Romanos e, naturalmente, dos Persas. No mundo ocidental, assim como no mundo oriental, esse conhecimento é necessário para se ter uma carreira, para se fazer qualquer trabalho, seja mecânico ou teórico, prático ou alguma coisa que a pessoa deve conceber, inventar. Esse conhecimento trouxe grande quantidade de tecnologia, especialmente no último século. Existe o conhecimento dos assim chamados livros sagrados, os Vedas, os Upanishades, a Bíblia, o Corão e as Escrituras Hebraicas. Assim existem os livros religiosos e os livros pragmáticos, livros que irão ajudar a pessoa a ter conhecimento, a ter habilidade, seja um engenheiro, um biólogo ou um carpinteiro.
A maioria das pessoas em quaisquer escolas, e particularmente nessas escolas, adquirem conhecimento, informação, e para isso é que as escolas têm existido até agora: para se adquirir uma grande quantidade de informação sobre o mundo lá fora, sobre os céus, por que o mar é salgado, por que as árvores crescem, sobre os seres humanos, sua anatomia, a estrutura do cérebro, etc. E também sobre o mundo ao redor, a natureza, o ambiente social, a economia e muito mais. Tal conhecimento é absolutamente necessário, mas o conhecimento é sempre limitado. Não importa quanto ele possa evoluir, adquirir conhecimento é sempre limitado. Aprender é parte do adquirir conhecimento sobre vários assuntos, de forma que a pessoa possa ter uma carreira, um trabalho que possa agradá-la, ou um trabalho que as circunstâncias, as exigências sociais a forçaram a aceitar, embora a pessoa possa não gostar muito daquele tipo de trabalho.
Como dissemos, aprendemos muito pelo observar, observar as coisas por perto, observar os pássaros, a árvore, observar os céus, as estrelas, a constelação de Orion, a Ursa Maior, a estrela Vespertina. Aprendemos apenas pelo observar, não somente as coisas ao redor, mas observando as pessoas, como elas caminham, seus gestos, as palavras que usam, como estão vestidas. Você não observa apenas o que está do lado de fora, mas observa a si mesmo, por que pensa isto ou aquilo, seu comportamento, como se conduz na vida cotidiana, por que os pais querem você que faça isso ou aquilo. Você está observando, não resistindo. Se resiste, você não aprende. Ou se você chega a algum tipo de conclusão, a alguma opinião que pensa que é correta e se agarra a isso, então, naturalmente, você nunca irá aprender. Liberdade é necessária para aprender, e curiosidade, um sentimento de querer saber por que você e os outros se comportam de uma certa maneira, por que as pessoas ficam bravas, por que você fica chateado.
Aprender é extraordinariamente importante porque o aprender não tem fim. Aprender por que os seres humanos se matam uns aos outros, por exemplo. Claro que existem explicações nos livros, todas as razões psicológicas por que os seres humanos se comportam de uma determinada maneira, por que os seres humanos são violentos. Tudo isso tem sido explicado em livros de todos os tipos por eminentes autores, psicólogos, etc. Mas o que você lê não é o que você é. O que você é, como se comporta, por que fica bravo, com inveja, por que fica deprimido, se você observa a si mesmo, aprende muito mais que dos livros que dizem o que você é. Mas veja, é mais fácil ler um livro sobre si mesmo que observar a si mesmo. O cérebro está acostumado a adquirir informação de todas as ações e reações externas. Não é muito mais confortável ser dirigido, que outras pessoas lhe digam o que deve ser feito? Seus pais, especialmente no Oriente, dizem com quem você deve se casar e arranjam o casamento, dizem que carreira você deve seguir. Assim o cérebro aceita o jeito mais fácil, mas o jeito mais fácil nem sempre é o jeito certo. Eu me pergunto se você notou que ninguém mais ama o trabalho que faz, exceto, talvez, uns poucos cientistas, artistas, arqueologistas. Mas a pessoa comum raramente ama o que está fazendo. Ela é compelida pela sociedade, pelos pais ou pelo impulso de ter mais dinheiro. Assim, aprenda observando muito, muito cuidadosamente o mundo externo, o mundo fora de você, e o mundo interior, ou seja, o seu próprio mundo
Parece que existem duas maneiras de aprender: uma é adquirindo uma grande quantidade de conhecimento, primeiro através dos estudos e então agindo a partir daquele conhecimento. Isso é o que a maioria das pessoas faz. A segunda é agir, fazer alguma coisa e aprender através do fazer, e isso também se torna acumulação de conhecimento. Realmente as duas maneiras são a mesma coisa: aprender de um livro ou adquirir conhecimento através da ação. Ambas são baseadas no conhecimento, na experiência e, como dissemos, experiência e conhecimento são sempre limitados.
Assim tanto o educador quanto o estudante deveriam descobrir o que é de fato aprender. Por exemplo, você aprende de um guru, se é um guru saudável, correto, e não um fazedor de dinheiro, não desses que querem ser famosos e correr o mundo para fazer fortuna através de suas teorias meio desequilibradas. Descubram o que é aprender. Hoje em dia aprender está se tornando mais e mais uma forma de entretenimento. Em algumas escolas ocidentais, quando eles acabam a escola primária, a escola secundária, os estudantes nem mesmo sabem ler ou escrever. E quando sabem ler e escrever e aprendem sobre vários assuntos, acabam sendo apenas pessoas medíocres. Sabem o que a palavra medíocre significa? O significado da raiz da palavra é ir até a metade da montanha, nunca atingindo o topo. Isso é mediocridade: nunca exigir a excelência, o ponto mais alto de si mesmo. E aprender é infinito, realmente não tem fim. Assim, de quem você está aprendendo? Dos livros? Do educador? E talvez, se a sua mente é brilhante, pelo observar? Até agora parece que você está aprendendo do que vem de fora: aprendendo, acumulando conhecimento e a partir desse conhecimento você está agindo, estabelecendo uma carreira e assim por diante. Se você está aprendendo de si mesmo - ou melhor, se você está aprendendo observando a si mesmo, seus preconceitos, suas conclusões definitivas, suas crenças, se você está observando as sutilezas do próprio pensamento, sua vulgaridade, sua sensibilidade, então você se torna o que ensina e o que é ensinado. Então você não depende de ninguém interiormente, de nenhum livro, de nenhum especialista - embora, é claro que se você está se sentindo mal com algum tipo de doença, você deve ir a um especialista, isso é natural, isso é necessário.
Mas depender de outra pessoa, não importa quão excelente ela seja, o impede de aprender sobre si mesmo e o que você é. E é muito, muito importante aprender o que você é, porque o que você é produz essa sociedade que é tão corrupta, imoral, onde a violência se espalha enormemente, essa sociedade que é tão agressiva, cada um buscando seu próprio sucesso, sua própria maneira de preenchimento. Aprender o que você é não através dos outros, mas pelo observar a si mesmo, sem condenar, sem dizer “Isto é assim mesmo, eu sou assim, não posso mudar” e continuar. Quando você observa a si mesmo sem nenhuma forma de reação, de resistência, então o próprio observar atua; como uma chama, ele queima toda a estupidez, todas as ilusões que a pessoa tem.
Assim, aprender se torna importante. Um cérebro que cessa de aprender se torna mecânico. É como um animal amarrado em uma estaca que pode se mover apenas de acordo com o comprimento da corda, a correia que está amarrada na estaca. A maioria de nós está amarrada a uma estaca peculiar de nós mesmos, uma estaca e uma corda invisíveis. Você se movimenta dentro das dimensões da corda e é muito limitado. É como um homem que fica pensando em si mesmo o dia inteiro, sobre seus problemas, seus desejos, seus prazeres e o que ele gostaria de fazer. É conhecida essa constante ocupação consigo mesmo. É muito, muito limitada. E essa própria limitação engendra várias formas de conflitos e infelicidades.
Os grandes poetas, pintores, compositores nunca estão satisfeitos com o que fizeram. Estão sempre aprendendo. Você não pára de aprender depois de passar nos exames e começar trabalhar. Existe grande força e vitalidade em aprender, especialmente sobre si mesmo. Aprender, observar a ponto de não haver nenhum lugar que não tenha sido descoberto, observado em si mesmo. Isso é realmente ser livre do seu próprio condicionamento particular. O mundo é dividido pelos condicionamentos: você como indiano, você como americano, você como inglês, russo, chinês, etc. A partir desse condicionamento existem as guerras, a matança de milhares de pessoas, a infelicidade e a brutalidade.
Assim, tanto o educador quanto quem está sendo educado estão aprendendo no sentido profundo dessa palavra. Quando ambos estão aprendendo, não existe nem educador nem alguém para ser educado. Existe apenas aprender. Aprender liberta o cérebro e o pensamento do prestígio, da posição, do status. Aprender traz igualdade entre os seres humanos.
(Carta extraída do livro de Krishnamurti “Letters to the Schools” vol II, pgs 74 – 80, escrita em 15/11/83)