A aurora chegava lentamente; as estrelas ainda brilhavam e as árvores ainda estavam recolhidas; nenhum pássaro piava, nem mesmo as pequenas corujas que voavam ruidosamente pela noite fora, de árvore em árvore. Estava tudo estranhamente silencioso, à excepção do bramido do mar. Sentia-se o aroma de muitas flores, das folhas em decomposição e do solo húmido; o ar estava muito calmo e o perfume estava em todo o lado. A terra esperava pelo amanhecer e pelo dia que chegava; havia expectativa, paciência e uma estranha serenidade. A meditação continuou com essa serenidade e essa serenidade era amor; não o amor de alguma coisa ou de alguém, nem das imagens ou dos símbolos, das palavras. Era simplesmente amor, sem sentimentalismo nem emocionalismo. Era algo completo em si mesmo, despojado, intenso, sem raiz, sem direcção. O som daquele pássaro longínquo era esse amor; ele era em si mesmo a direcção e a distância; estava ali sem tempo e sem palavras. Não era uma emoção que se desvanece e pode ser cruel; o símbolo, a palavra podem ser substituídos, mas não a coisa real. Sendo despojado, o amor era extremamente subtil e sem oferecer qualquer resistência, e por isso indestrutível. Tinha a força inatingível daquela outra realidade, o incognoscível, que chegava através das árvores e estava para além do mar. A meditação era o som daquele pássaro, um som nascido do vazio e era o bramido do mar espraiando-se sobre a areia. O amor só pode existir no vazio total. A aurora, ainda não iluminada, estava ainda longe no horizonte, e as árvores escuras estavam ainda mais escuras e cheias de intensidade. Na meditação não há nenhuma repetição, nenhuma continuidade do hábito; há a morte de todo o conhecido e o desabrochar do desconhecido. As estrelas tinham-se apagado e as nuvens despertavam com o Sol que chegava.
Krishnamurti's Notebook, Edit. Gollankz, Londres, 1976