Bom dia. O dia começou e tu vens chegando. Querias escrever no caderno, mas o fazes neste teclado. Os cantos dos galos que anunciam a chegada próxima do sol. Os grilos. A manhã chegando. Mais um dia. De repente, percebes isto. Mais um dia. Ainda por aqui. As lembranças do dia anterior começam a chegar, e neste dia que começa, é como uma pururuca, as águas que chegam rio acima e as que aqui se encontram. O passado vindo e encontrando este presente, este lago que está aqui, esta superfície imóvel que começa a receber o afluxo do que foi ontem. Tudo que aqui está tem as suas raízes no passado.
Lembras de que ontem penavas nisso, como quem diz: quais são as raízes deste meu instante atual? Como o que faço se enraíza na minha historia de vida. As perguntas de Adalberto Barreto. Muitas vezes tens pensado nisto. Como essas perguntas vão entrando no teu pensamento, na tua forma de ver o mundo, de estar no mundo. E uma nova forma de viver vai ganhando espaço. Como o cavalo no qual se joga areia. Usa a areia para subir e sair do poço. A força das metáforas. Como na tua formação em Terapia Comunitária, aos poucos vais deixando que uma nova forma de sentir, de pensar e de agir, vá ganhando espaço. Notas isto em ti e nos outros companheiros que te rodeiam.
Entre todos, cria-se uma teia. E entre cada um e a sua família, seu grupo de referência, seu campo de ação. De repente, uma renovação. Algo antigo volta. Lembras do teu trabalho para o congresso da terapia Comunitária. A Terapia Comunitária como forma de ação social, como forma de ser, como forma de estar no mundo. É isso aí. Levar um diário permite registrar as nuanças. Aquilo tão tênue que se renova de um dia para outro. Uma cortina se abre. Podes ver algo novo. Algo começa a aparecer. Vai se desfazendo a rotina. A repetência ganha outra dimensão, outro lugar Já não é sempre igual. Como que o presente se encaixa no passado Há uma continuidade.
Este instante se apoia no que foi antes, no que foi ontem e antes de ontem. Uma sensação de solidez. A consciência vai acordando, vai tomando conhecimento. Renova-se a vida. O dia a dia vai começando a fluir de outra forma, mais fluente. Já não tens tantas expectativas. Aprendes a estar. Não apenas fazer, mas ser. Estando. Simplesmente estando. Já não te projetas num afazer contínuo e como que impossível de se deter. Numa corrida constante para fazer o que for, não importa o que nem para que. Paras. Te permites estar. Vais te permitindo estar. Lembras de como anteontem pudeste, à tarde, cortar a força da inércia, dessa mania de ter que estar sempre a fazer alguma coisa.
Paraste, sem te dar conta como nem por que. Paraste. Simplesmente te permitiste deixar de tentar estar fazendo sempre alguma coisa, e te detiveste. Foste para perto da piscina, e simplesmente ficaste ali, olhando para as flores em volta, o céu, as nuvens, a água. Paraste. Tudo mudou, com uma ação tão simples. Foi como entrar em outro espaço. É um outro espaço. O espaço do ser, o simplesmente estar. Tomaste conhecimento de tudo que estava ali. As plantas, o céu, as nuvens. Presença. O estar ali. É o espaço da presença. Do estar.
O dia vai começando e vais te despedindo destas lembranças tão gratas, que vais partilhar logo mais com essa imensa teia que já cobre práticamente o Brasil inteiro, parte da Argentina, Uruguay, Chile. Ouves os pássaros cantando. Um galo. A claridade se espalhando. A vida mansamente vem vindo e tu vens chegando. Bom dia.
Fonte: http://www.consciencia.net