Parece que existem situações que são mais comuns do que parecem, independente da fase, do instante de consciência que estejamos vivenciando. Essas situações comuns, não são tão comuns como possa querer apresentar nosso limitado conhecimento. Estou aprendendo a sentir, muito mais do que raciocinar, que mesmo aquelas situações que não compreendemos no momento em que estão ocorrendo, tem lá sua devida função em seu existir. Por todos os locais em que passei nestas duas décadas de buscas para o encontro de minha unidade interna, de busca de respostas para os meus silenciosos conflitos internos, sempre me deparei com aquilo que, só por agora, nomeio como "pessoa perguntadora compulsiva conturbada e controversa". Deixe-me falar um pouco mais sobre o que vi no decorrer da minha relação com estas pessoas. Em todos estes locais, sempre percebi que existem pessoas que não estão nem um pouco preocupadas, ou melhor abertas, para ouvir algo, elas sentem uma profunda, inquietante e imperiosa necessidade de externar seus imperiosos, inquietantes e profundos sentimentos que lhe causam toda forma de compulsão, conturbação e um modo controverso de se apresentar diante da vida de relação. Hoje, fica claro que estas pessoas não se comportam deste modo por sentirem prazer neste tipo de comportamento, mas sim, por estarem num terrível, solitário e silencioso sofrimento interno.
Você pode estar me achando prepotente e talvez se perguntando: como você pode afirmar isso? Amorosamente lhe respondo: posso falar com conhecimento de causa, pois, por várias vezes, fui um deles. Por ter nascido num lar disfuncional, por ter sido educado num sistema educacional disfuncional, sempre me vi exposto a vergonha tóxica, vergonha esta que sempre limitou a minha necessidade de expressão, minha necessidade de expor minhas dúvidas, meus medos, minhas vergonhas, minhas alegrias, minhas descobertas, de modo assertivo, não agressivo. Vivi em ambientes, onde sempre, de forma direta ou indireta, tive cerceada, minha liberdade de expressão. É fácil ter-se uma idéia do que isso pode significar para um ser humano em termos de resultados psicológicos, espirituais, o quanto que isso nos fragmenta interiormente. Desculpe-me pelo exemplo, mas, foi este que agora me ocorreu.... Imagine você, ter a amarga experiência de comer um peixe estragado... Imagine o mal estar decorrente deste triste acontecimento... Todos nós sabemos o que é a e experiência de comer algo que não cai bem em seu estomago... O mal estar, a tontura, o enjoo, a náusea, as dores de cabeça a ânsia, a letargia física, o impulso para vomitar, seguido do medo de vomitar... Mais uma vez, me perdoe pelo exemplo!... Você sente o mal estar, mas, devido as lembranças que carrega na memória, relativas ao terrível mal estar ocasionado durante vômitos passados, você se segura até não poder mais... Então, você se rende, se prostra e coloca tudo para fora de um modo em que não faz o menor uso do pensamento... É sujeira para tudo quanto é lado... Fica aquele cheiro horrível no ar, que infecta as narinas de todos os presentes... No entanto, o alivio é imediato. Pois bem, o mesmo se dá no que diz respeito "as comidas psicológicas por demais estragadas" que nos fizeram engolir — e que nos fizemos engolir através de escolhas insensatas — durante tantos anos de nossas vidas. Estas pessoas, estão se sentindo mal. Elas não precisam ser atacadas por nós, pois estão sofrendo, estão pagando seu próprio preço em sofrimento, por ainda não terem adquirido a consciência de um outro modo de se expressarem. Elas não podem mais se sujeitar a continuar caladas, elas precisam falar... Foram anos e mais anos de castração... Precisam vomitar seu mal-estar.
Em menor ou maior grau, todos nós sabemos bem o que essa faze significa, essa faze da "pessoa perguntadora compulsiva conturbada e controversa"... Uma pessoa que sofre, é uma pessoa conturbada e, sendo conturbada, tem que ser controversa, não há outro modo. Se houvesse, não haveria confusão em seu interior. Todos nós sabemos bem o que é aquela necessidade de ser aceito, de ser notado, de ser notavél, todos nós sabemos o que é essa contradição que não nos outorga a verdadeira liberdade do espírito humano. Não nascemos para ser notados ou mesmo, para ser notáveis, nascemos tão somente para experimentar a delicia de apenas ser... Ser, neste Ser que nos faz ser. Como diz um amigo, isso é simples, porque é muito simples. No entanto, tente afirmar esta simplicidade para aquele que ainda é vitimado por esta compulsão, por esta compulsão pelo papaguear em todo canto que encontre oportunidade... Essas pessoas, nesse momento, o que mais querem, é tão somente falar, elas precisam disso, elas precisam se esvaziar... Como diz a antiga sabedoria chinesa, uma xícara só serve um bom chá, quando se encontra vazia. Essas pessoas, precisam se esvaziar... O problema, é que muitas delas, depois de se esvaziarem, não se dão ao trabalho de olhar para o "vazo sujo", que é uma representação de sua própria mente, para reconhecerem o "alimento pútrido" que por tanto tempo mantiveram dentro de si. Ao evitarem essa auto-observação, que inicialmente pode ser dolorosa, pode trazer mal-estar, pode fazer subir "cheiros desagradáveis", se impedem de reconhecer aquilo que lhes faz mal, e sem esse reconhecimento, continuam a se alimentar de forma indevida.
Diz-se que, insanidade, é fazer as mesmas coisas esperando por resultados diferentes... Pois bem, isso serve tanto para estas pessoas, como para nós mesmos... Somos muito rápidos em nossas reações emocionais negativas diante de tais acontecimentos onde estas pessoas compulsivas se encontram presentes... Para muitos de nós, falta o recolhimento relâmpago no silêncio do Ser, onde, através deste recolhimento, surge em nós, aquela assertividade amorosa e abarcante, assertividade esta, que muitas vezes, é o remédio que estas pessoas necessitam: ouvidos e bocas amorosas, ouvidos e bocas que validem, através da compaixão, todo aquele sofrimento que eles, por ainda estarem inconscientes, não consegue digerir. Os que conseguem ser agraciados com alguém portador de uma escuta atenta — que foi o meu caso e a quem sou profundamente agradecido — se encontram repentinamente, atravessando um portal que as leva a níveis superiores de bem-estar e consciência. Outros, menos felizardos, ao se depararem com nossa nefasta resistência, de forma inconsciente, acrescem ainda mais em seu conturbado interior, mais grossas crostas de vergonha, rejeição e agressão, agressão esta, tanto para consigo mesmo, como para com os outros. Claro que uma pessoa que vive neste tipo de sofrimento solitário, não tem a menor possibilidade de se importar com a manutenção do bem-estar comum. Ela sofre de uma tremenda dor, de uma tremendo mal-estar e, com certeza, vai vomitá-lo em cima de quem lhe estiver mais próximo.
O pior de tudo, é que este tipo de comportamento, por muitos, é alimentado mesmo quando se depararam com novas abordagens psicológicas, filosóficas, espirituais. Tudo que encontram pelo caminho, por todos os locais e livros que se apresentam diante de seu olhar adoentado, ao invés de ser usado para a libertação de si mesmo, é usado como uma enorme pedra de tropeço, ou como um ferrolho que impede a abertura deste portal de consciência superior. Esta "pessoa perguntadora compulsiva conturbada e controversa", para o seu sofrimento e dos demais que a cercam, continua acreditando que "espiritual bafo de boca cozinha ovo cósmico". Demora muito tempo para que estas pessoas percebam que "ação é a palavra mágica", e quando me refiro a ação, me refiro a ação que é uma "não-ação": refiro-me a rendição silenciosa que é a solução para a instalação de uma escuta de mente e coração abertos, sem o que, não há como sair desse circulo vicioso do perguntar compulsivo, que é o fruto estragado gerado por anos e anos de excessiva exposição a ambientes disfuncionais.
No entanto, o que sinto ser muito mais importante, muito mais importante do que o entendimento quanto aos possíveis motivos que fazem com que estas pessoas se comportem desta maneira compulsiva e conturbadora, é o entendimento de como nos comportamos diante delas... Elas nos proporcionam, de modo gratuíto, — por isso é uma Graça —, uma maravilhosa lição de auto-conhecimento, isto é claro, se estamos na prática da atenção plena, caso contrário, novamente nos identificamos com nossos pensamentos e, mais do que depressa, temos uma "recaída pensamental" e passamos a exercer aquilo que aprendemos em nossa educação disfuncional: rotular, rejeitar, castigar, punir, banir, gerar ostracismo ou outras tantas manifestações egocêntricas de desamor, de não compaixão. Se não estamos atentos, se não estamos centrados neste espaço interno de silêncio e amorosidade, igualmente como estas pessoas, passamos a atacar o mensageiro sem receber de mente e coração abertos, a mensagem de cura, que através dela, chega até nós. Quase sempre nos esquecemos de que, para muitos dos nossos mal-estar, em muitas etapas do nosso desenvolvimento consciencial, o melhor remédio é aquele que para nós, traz na alma um gosto profundamente amargo. Em vista disso, cada dia tenho mais vivo dentro de mim, este bem-aventurado sentimento que se instalou quando da queda da minha resistência interna: Por menos que eu agora compreenda... Está tudo certo! Tudo segue um amoroso plano, plano este que minha limitada mente não consegue compreender. Se quiser compreender, preciso me prostrar e, em silêncio, trazer minha mente, em direção a esta chama quente que faz arder meu coração. Só aqui, o remédio de que tanto preciso, não possui aquele conhecido e tão evitado gosto amargo. Com esta consciência em mente e coração, não há mais espaço para o desejo de ser notado ou de se fazer notável. Com esta consciência, o grande lance é apenas continuar caminhando e, nesse caminhada, ser e desfrutar da leveza e amorosidade manifesta pela sua real natureza!
Um fraterabraço e um beijo em seu coração.
Nelson Jonas Ramos de oliveira
Nelson Jonas Ramos de oliveira