Um olhar para os nossos jovens
Roberto Crema
Do Colégio Internacional dos Terapeutas - Unipaz
A crise que testemunhamos é de demolição, lição do demo. Lição da fragmentação, do egocentrismo, da exclusão, da falta de escuta, da perda dos valores fundamentais da espécie. É também uma crise da crisálida, de transição, de espasmos de parto de uma nova consciência. Há motivos de sobra para as nossas lágrimas e, também, para os nossos risos.
Como afirma a sabedoria chinesa, crise significa perigo e oportunidade. Para os despreparados, representa estresse e colapso. Para os bem centrados, significa um trampolim para o aprendizado e a evolução. Se não podemos evitar a demolição já em curso, sempre podemos nos preparar para a tarefa de reconstrução, inspirando-nos no lótus, que brota do lodo e o transforma em flor. Transmutar os escombros de nossas torres de Babel do suposto-poder, em pedras de suporte para a edificação de um novo viver, mais integrado, solidário e digno, eis um portentoso desafio do novo milênio.
Diante destes cenários, onde antigas profecias convergem com sóbrios discursos científicos, é imprescindível cuidar de nossos jovens, os Navegantes de um Renovado Mundo, a ser desvelado e edificado. O sintoma talvez mais tocante e desolador de nossos descaminhos é o crescente e alarmante índice do suicídio infanto-juvenil. Uma estatística recente informa que, nos Estados Unidos, quarenta crianças se suicidam, diariamente... Crianças estão matando crianças e se matando, eis uma face do terror de nossos tempos, pela qual, cada um de nós é responsável.
Cuidar de nossos jovens é, antes de tudo, abrir a nossa escuta para os seus desejos, os seus sonhos, os seus temores, os seus arrepios, os seus amores. Ser capaz do diálogo aberto e franco. Como afirmam todos os bons terapeutas, pelas palavras do Dalai-Lama, Não se pode dissipar as trevas da ignorância enquanto não se acender a chama da escuta.
Cuidar de nossos jovens é conspirar por uma nova educação que, além de um rudimentar adestramento intelectual, possa colocar a alma e a consciência na sala de aula. Necessitamos, prementemente, de uma alfabetização psíquica, através de um currículo que inclua a subjetividade e facilite o desenvolvimento das inteligências emocional, onírica, ética, noética, relacional e essencial. Como conclama a própria Unesco, através de recentes e paradigmáticos documentos, urge desenvolver a abordagem transdisciplinar em educação, através de seus quatro pilares: educar para conhecer, educar para fazer, educar para conviver e educar para Ser. Necessitamos, portanto, de uma pedagogia iniciática que, através de uma via interior, facilite que o Aprendiz possa inclinar o coração para aprender a aprender, esclarecendo e nutrindo suas sementes vocacionais, para que possa fazer render os seus naturais e autênticos talentos. Somente os vocacionados estarão preparados para os tremendos desafios deste século, cujas caudalosas águas já navegamos! É com esta visão integral que desenvolvemos, na Unipaz de Brasília, a Formação Holística de Jovens e a Formação de Jovens Líderes.
Cuidar de nossos jovens é, sobretudo, dar um testemunho de um existir mais íntegro e transparente, mais terno, sábio e fraterno. Menos discursos e mais exemplos, menos palavras e mais ações. Gosto de lembrar de um simpósio que assisti num congresso internacional de psicologia transpessoal, sobre tecnologia do sagrado, ocorrido em 1986, focado no tema da violação infantil. Denominado de As Crianças do Trauma, foi coordenado por Christina Grof. Uma terapeuta americana, Nancy Puhlmann, de forma sábia e contundente, iniciou uma fala, vigorosa e tocante, com estas palavras, que busco resgatar através de um exercício livre de memória: Pertenço a uma família onde, em três gerações, as mulheres se suicidaram no mesmo dia, na mesma hora, do mesmo jeito. Eu não tive bisavó, eu não tive avó, eu não tive mãe. Quando criança, sofri abusos, físicos e emocionais. Eu estava totalmente perdida, quando encontrei um homem. Ele não tinha nenhum diploma. Era representante de uma nação indígena. Este homem olhou para os meus olhos e me disse: Ninguém pode machucar o seu Espírito, exceto você! E tudo o que eu sei, aprendi com ele. Depois fiz um doutorado, para que vocês me ouçam... Ela terminou a sua palestra, com um poema que uma menina fez para a sua mãe:
No caminho simples,
a pequena menina disse à sua mãe:
Eu estou seguindo suas pegadas, mãe,
e não quero cair.
Às vezes, eu as vejo, nitidamente.
Outras vezes, mal posso enxergá-las.
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir.
Eu sei que há muito tempo,
Você percorreu caminhos difíceis que não queria percorrer.
Conte-me tudo sobre este tempo, mãe; pois eu preciso saber.
Às vezes, quando eu duvido, eu não sei o que fazer.
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir.
Um dia, quando eu crescer,
Você é quem eu gostaria de ser.
Então eu terei uma pequena garotinha,
Que vai querer me seguir.
Eu quero poder saber conduzi-la à Verdade!
Caminhe um pouco mais firme, mãe!
Para eu poder lhe seguir...
Trata-se, simplesmente, de caminhar cada dia um pouco mais firme e ereto. Cada dia, ser um pouquinho menos mentiroso, menos terrorista, menos desintegrado. Cada dia, ser capaz de um pouco mais de veracidade, de amor, de fraternidade. Caminhe um pouco mais firme, pai, mãe, político, empresário, educador, cientista, artista, sacerdote, terapeuta!... Para que valha a pena os jovens também caminharem ao nosso lado. Para que possamos, juntos, reinventar o mundo e realizar, plenamente, o esplendor da Utopia Humana.