Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

9 de agosto de 2011

Nem gurus, nem águas, nem céu

caminhante no deserto, upload feito originalmente por NJRO.



Depois que cansei de procurar 
aprendi a encontrar
Depois que um vento me opôs resistência, 
velejo com todos os ventos.
Friedrich Nietzsche

..........Desde criança, sistematicamente orientado para buscar Deus, o Deus do pacote pronto herdado de meus pais. Deus na TV, Deus na escola, Deus na família. Em nenhum tempo ou lugar, um único convite sequer para buscar pelo Nelson, perdido dentro de si mesmo, sobre as grossas camadas dos condicionamentos que lhe foram impostos e que, devido a peculiar imaturidade da idade, não teve como questioná-los. Depois, quando de uma profunda crise emocional iniciática, me deparo com os grupos anônimos — a qual faço questão de deixar expressa minha gratidão — que também me enfiou na cabeça a necessidade imperiosa de "acreditar", veja bem, "acreditar", — não um "experienciar, um sentir" — um acreditar num Poder Superior, num Deus criado pela minha concepção, ou seja pelas imagens que eu trazia em meu fundo psicológico adoentado, uma "ideia" de Deus através do mesmo fundo psicológico pelo qual havia chego naquela sala, totalmente fragmentado, rendido, destroçado. Um farrapo humano emocional. Mais uma vez, a importância estava em buscar algo fora para poder me salvar de mim mesmo. O desespero pelo alívio da dor, fez cristalizar essa "sugestão impositiva" da necessidade do externo, da necessidade de Deus, sugestão disfarçada pela capa de espiritualidade. Era comum a mesma fala que ouvi durante toda minha infância e adolescência: "se Deus quiser"... Sim, "se Deus quiser"... Como, naquele instante, não tinha para onde correr, optei pelo: Só tem tu então vai tu mesmo". E a partir de então, quando externava minha incapacidade de sentir essa tal coisa chamada "Deus", passei a receber vários recadinhos tentando me condicionar ao sistema de crença organizada dessas pessoas... Todos queriam ser meu "conversor" — nada declarado, sempre pelos bastidores das irmandades. Percebi que era impossível afirmar-se ateu e receber apoio para o entendimento do que se passava comigo. Então, vamos nos conformar, vamos caçar tal Deus. Lembro-me que uma pessoa me disse que Deus poderia ser uma das cadeiras da sala de reunião... Aquilo me soou como uma tremenda desinteligência, mas minha insegurança, não permitiu questionar. Nunca engoli essa história de que Deus era o grande responsável por eu parar de fazer escolhas não saudáveis esperando por resultados saudáveis. Sempre tive comigo que se existe um Deus, se existe um criador, este me deu uma bunda para me sentar, o cotovelo para apoiar minha cabeça e a mesma para meditar sobre os acontecimentos, os fatos da minha existência. Tinha lá no fundo de mim que, se eu era a doença, também tinha que ser o remédio. E isso, me fez buscar...
..........Em meio dessa busca, tantos nomes de homens e mulheres que aparentemente deram certo. Cada um prestou seu devido serviço neste processo de desfragmentação mental a qual eu estava acometido. A cada um deles, também a minha gratidão. No entanto, todos voltados para a mesma ideia da necessidade de um Deus... Isso até que me deparei com meu grande divisor de águas... Jiddu Krishnamurti. Sua mensagem, recebida um dia pelas mãos de um grande amigo, num período em que eu ainda não estava preparado para a mesma, encontrou profunda resistência ao ponto da instantânea rejeição. Passado alguns meses, recebo um e-mail com um texto dilacerador, cujo final, não trazia seu autor. Pela primeira vez na vida, lia algo que me jogava para mim mesmo e para a compreensão dos conflitos criados na vida de relação. Fiquei desesperado para saber seu autor e, para minha surpresa, deparo-me com o nome que há tão pouco tempo, havia irresponsavelmente descartado: Jiddu Krishnamurti. A partir de então, deu-se uma grande corrida pelos sebos de toda São Paulo, visto que nas livrarias, o que mais se encontra é livros de auto-ajuda, com receitinhas de rituais que em nada ajudam. Livros com segredos de como ganhar dinheiro sem o menor esforço também recebem várias prateleiras. No entanto, livros que realmente esclarecem, parece que só em sebo mesmo. Foram 112 livros... Todos me incentivando a prática da autoobservação sem escolhas, uma ideia totalmente destoante das leis que regem a sociedade: o culto a busca inconsequente no externo para a realização dos desejos como forma de auto-esquecimento da realidade em que se está inserido. 
..........Logo nos primeiros livros, deu-se um poderoso conflito que por pouco não me deixou prostrado num canto de um sanatório qualquer: o conflito resultante da morte de Deus. O Pânico de me ver sem o apoio uma família "religiosa" e de uma irmandade que coloca como "sugestão" a necessidade da fé, da confiança e aceitação num Poder Superior — sugestão dada do mesmo modo que se sugere pular de um avião com um paraquedas nas costas (grande sugestão!) — era um Pânico (sim com P maiúsculo) que por pouco não me levou a cometer uma loucura. E aqui fica toda minha gratidão a minha esposa, que neste período foi a pedra de apoio para poder mover meu mundo para uma nova dimensão. Nesse período era só eu, ela e os livros do K. Passamos a ser motivo de piadas constantes por parte de familiares e amigos destas irmandades. Passamos também a ser vistos como "pessoas perigosas", "pessoas não gratas", pessoas de quem se fazia necessário o afastamento. Não deu outra, acabaram nos afastando mesmo. Na irmandade de Neuróticos Anônimos, o ostracismo se deu de forma bastante política, de modo bastante velado, por parte de sua diretoria, inicialmente partindo da retirada do serviço que eu prestava, de caráter profissional, como diagramador e ilustrador de sua revista bimestral, chamada "Novos Horizontes". Já na outra irmandade, o DASA, o ostracismo veio de forma "quase que violenta", por ocasião de um Encontro Estadual. Nesse período, isso me gerou muito ressentimento, uma vez que eu era um dos sérios servidores de confiança, sendo que nesta última irmandade, fui um dos seus co-fundadores em meu estado. Hoje, mais maduro e psicologicamente independente, só tenho mais é que agradecer. Estes dois grupos, ao me fecharem a porta, me lançaram num "Novo Horizonte" livre de qualquer forma de dependência emocional, sexual e afetiva. Percebi que se tivesse lá continuado, seria como a grande maioria: um homem só pela metade. Digo isso visto que ali, apesar de afirmarem ao contrário, não se é permitido a autonomia de expressão de sentimentos, a autonomia do livre pensar; tudo pode ser expresso até o ponto que não fira suas Tradições ou os ouvidos dos que sofrem de egosensibilidade, como diz um recente amigo. Se quisesse ficar por lá, teria que me sujeitar ao mesmo mecanismo que quase acabou comigo dentro da minha família, escola e sociedade: negar meus reais sentimentos em nome do pseudo-apoio e segurança, só para fazer parte de um grupo. Na altura dos acontecimentos, aquilo já não me era mais possível. Aqui, os anônimos se fizeram uma abençoada página virada. Estava diante do meu riacho do Ipiranga, estava mais do que na hora de gritar por minha liberdade e sair em carreira solo.
..........Em nenhum dos lugares por onde passei, a enfase estava na compreensão do si mesmo, por si mesmo. Sempre havia alguma forma de muleta psicológica, alguma forma de ajustamento, regras e tradições a serem seguidas, ou algo do tipo um padrinho espiritual, um mentor ou um guru. Isso, para quem sofreu sérios abusos emocionais no período de infância adolescência, por parte das pessoas significativas que lhe representavam autoridade, nunca soou bem. Sempre fui arredio a qualquer forma de doutrinação, tendo por exemplo, o fato de minha vida escolar ter sido uma verdadeira tragédia. Tragédia para muitos, para mim, uma verdadeira benção. Se a doutrinação escolar tivesse "dado certo" comigo, seria hoje, com certeza mais um desses especialistas movidos pelo dinheiro e não pelo coração, pois esse é o insano modelo de educação sustentado até hoje: um sistema de educação que não nos prepara para uma vida amorosa de relação, mas para uma cruel disputa pelo dinheiro, quase sempre conquistado através de corruptos resultados. 
..........Apesar do "progresso" alcançado por intermédio dos estudos das percepções de Krishnamurti, eu ainda me sentia sedento... Foi nesse período que me deparei com a obra de Sri Nisargadatta Maharaj... Se Krishnamurti foi um divisor de águas, o "Tio Nisa", foi meu divisor de céus... Uma nova dimensão se abriu diante de meus olhos, dimensão esta que também ocasionou outra forma de ostracismo, desta vez dos poucos amigos que junto comigo e minha esposa, nos dedicávamos aos estudos de Krishnamurti. Creio que devemos ter sido visto como "traidores"... Sobrou apenas um irmão, o querido "Henrique Lobo", a quem sou grato pela lealdade de sua amizade, o carinho e o compartilhar de suas descobertas nas esferas do Advaita. Com o estudo dos textos de Krishnamurti, Nisa, Mooji, Osho, meu mundo virou um enorme deserto do real... Me levaram a um ponto em que olhava para minha esposa e perguntava qual era o sentido de caminhar até ali para morrer desidratado? O que estaria faltando? Onde estaria errando dentro de toda minha seriedade investida? Essas eram algumas das minhas perguntas, para as quais num encontrava respostas... Mas elas não demoraram a chegar... E elas chegaram através de um contato que me colocou de frente com a minha "pedra de tropeço": a minha resistência ao novo e a minha resistência de buscar dentro de mim, sem qualquer tipo de apoio externo, minha resistência ao enfrentamento de minha realidade interior. E aqui, minhas águas e meu céu, só por agora, estão se fazendo deliciosamente um.      

Nelson Jonas R. de Oliveira
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