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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

12 de fevereiro de 2011

O Ego como uma Afirmação de Separatividade

Entre o bem e o mal

O ego é uma afirmação de separatividade. Ele assume muitas formas. Pode assumir a forma de uma contínua memória auto-consciente que se expressa em lembranças como: "eu fiz isso e eu fiz aquilo", "eu senti isso e eu senti aquilo", "eu pensei isso e eu pensei aquilo." Ele também assume a forma de esperanças ego-centradas para o futuro que se expressam através de planos do tipo: "vou fazer isso e vou fazer isso", "vou sentir isso e vou sentir aquilo", "vou pensar isso e vou pesar aquilo". Ou ainda no presente, o ego manifesta-se na forma de um forte sentimento de ser alguém em particular, e afirma a sua distinção e separação de todos os outros centros de consciência. Embora provisoriamente sirva a um propósito útil como um centro de consciência, o ego, como uma afirmação de separação, constitui o obstáculo principal para a emancipação espiritual e para a iluminação da consciência.

O ego afirma a sua separatividade através de desejo, ódio, raiva, medo ou ciúme. Quando uma pessoa deseja a companhia de outras pessoas, ela tem plena consciência de estar separada delas e, assim, sente intensamente a sua própria existência separada. O sentimento de separação dos outros é mais grave onde existe um grande e intenso desejo. No ódio e na raiva também, a outra pessoa é, por assim dizer, expulsa do próprio ser da pessoa e é considerada não só como uma forasteira mas como definitivamente hostil à prosperidade do ego dela. O medo também é uma forma sutil de se afirmar a separação e ele existe onde a consciência da dualidade é inabalável. O medo age como uma espessa cortina entre o "eu" e o "você". E não só nutre uma profunda desconfiança em relação aos outros, mas, inevitavelmente, traz uma diminuição e retratação da consciência, de modo a excluir o ser do outro do contexto da vida da pessoa. Portanto, não só as outras almas, como também Deus deveriam ser amados e não temidos. Temer a Deus ou às Suas manifestações é reforçar a dualidade e amar a Deus e Sua manifestação é enfraquecê-la.

O sentimento de separatividade encontra a sua expressão mais pungente no ciúme. Há uma necessidade profunda e imprescindível na alma humana de amar e de se identificar com outras almas. Essa necessidade não é atendida em nenhua instância onde haja desejo ou ódio, raiva ou medo. No ciúme, além da não realização dessa necessidade profunda e imprescindível de identificação com outras pessoas, há uma crença de que alguma outra alma conseguiu se identificar com a pessoa a quem ela solicitava. Isso cria um protesto permanente e implacável contra ambos indivíduos por terem desenvolvido uma relação que a pessoa na realidade desejava reservar para si mesma. Todos os sentimentos exclusivos como o desejo, o ódio, o medo ou o ciúme provocam um estreitamento da vida e contribuem para a limitação e a restrição da consciência. Tornam-se diretamente instrumentais na afirmação da separatividade do ego.

Cada pensamento, sentimento ou ação que nasce da idéia da existência exclusiva ou separada, limita. Todas as experiências (pequenas ou grandes) e todas as aspirações (boas ou más) criam uma carga de impressões e nutrem o sentido de "eu". A única experiência que contribui para o enfraquecimeno do ego é a experiência do amor, e a única aspiração que contribui para a redução da separação é o desejo de tornar-se um com o Amado. Desejo, ódio, raiva, medo e ciúme são atitudes exclusivas que criam um abismo entre a pessoa e o resto da vida. Só o amor é uma atitude inclusiva, o que ajuda a ultrapassar esse abismo artificial e autocriado tendendo a romper a barreira de separação da falsa imaginação. No amor verdadeiro, o amante também anseia, mas anseia pela união com o Amado. Ao procurar ou experimentar a união com o Amado, o sentimento do "eu" torna-se fraco. No amor, o "eu" não pensa em autopreservação, assim como a mariposa não tem medo de se queimar na chama. O ego é a afirmação de estar separado do outro, enquanto que o amor é a afirmação de ser um com o outro. Assim, o ego só pode ser dissolvido pelo amor real.

O ego é constituído por desejos de variados tipos. A impossibilidade de satisfação dos desejos é um fracasso do ego. O sucesso em alcançar os objetos desejados é um sucesso do ego. Através de desejos realizados, bem como através dos não atendidos, o ego é acentuado. O ego pode alimentar-se até mesmo de uma comparativa calmaria no surgimento de desejos e afirmar a sua tendência de separação por meio do sentimento de que ele não tem desejos. Quando há uma real cessação de todos os desejos, porém, há uma cessação do desejo de afirmar a separatividade sob qualquer forma. Por conseguinte, a liberdade real de todos os desejos traz o fim do ego. O ego é feito de desejos variados e a destruição desses desejos equivale à destruição do ego.

No entanto, o problema de apagar o ego da consciência é muito complicado, porque as raízes do ego estão todas na mente subconsciente na forma de tendências latentes, e essas tendências latentes nem sempre são acessíveis à consciência explícita. O ego limitado da consciência explícita é apenas um pequeno fragmento do ego total. O ego é como um iceberg flutuando no mar. Cerca de um sétimo do iceberg permanece acima da superfície da água e é visível para o espectador, mas a maior parte continua submersa e invisível. Da mesma forma, apenas uma pequena parte do ego real se manifesta na consciência sob a forma de um 'eu' explícito, a parte principal do ego real permanece submersa nos santuários escuros e inarticulados da mente subconsciente.

O ego explícito, que encontra a sua manifestação na consciência, não é de forma alguma um todo harmonioso, ele pode e deve se tornar uma arena para uma multidão de conflitos entre as tendências opostas. Ele tem uma capacidade limitada, entretanto, de permitir a emergência simultânea de tendências contraditórias. Duas pessoas tem que estar pelo menos se falando, se quiserem entrar em discussões articuladas. Se não estão se falando, elas não podem se pôr a discutir sobre um terreno comum. Da mesma forma, duas tendências que podem entrar em conflito consciente devem ter alguns pontos em comum. Se são muito diferentes, elas não conseguem encontrar admissão na arena da consciência, mesmo que como tendências conflitantes, mas têm de permanecer submersas no subconsciente até que ambas sejam modificadas através de tensões exercidas pelas diversas atividades relacionadas com a mente consciente.

Apesar de todo o ego ser essencialmente heterogêneo em sua constituição, o ego explícito na consciência é menos heterogêneo do que o ego implícito da mente subconsciente. O ego explícito opera como um todo formidável em comparação com as tendências subconscientes isoladas que buscam emergir na consciência. O ego organizado da consciência explícita se torna, portanto, uma barreira repressiva que impede indefinidamente vários componentes do ego implícito de acessarem a consciência. Todos os problemas do ego podem ser combatidos apenas através da ação inteligente e consciente. Portanto, a aniquilação completa do ego só é possível quando todos os componentes do ego passam pelo fogo da consciência inteligente.

A ação da consciência inteligente nos componentes do ego explícito é importante, mas por si só não é suficiente para obter os resultados desejados. Os componentes do ego implícito da mente subconsciente têm de ser trazidos à superfície da consciência de alguma forma e se tornarem partes do ego explícito, e, em seguida, serem submetidos à ação da consciência inteligente. Para que isso seja alcançado, tem de haver um enfraquecimento do ego explícito de maneira a permitir o aparecimento na consciência daqueles desejos e tendências que até então não podiam encontrar acesso na arena da consciência. Essa libertação das tendências inibidas gera, naturalmente, confusão e conflito no ego explícito. Portanto, o desaparecimento do ego é muitas vezes acompanhado por conflitos intensificados na arena da mente consciente e não por um alivio deles. No entanto, ao final da luta aguda e intransigente repousa o estado de equilíbrio verdadeiro e de incontestável harmonia que vem após o derretimento do iceberg inteiro do ego.

Escavar as raízes enterradas do ego das camadas mais profundas do subconsciente e trazê-las à luz da consciência é uma parte importante do processo de aniquilar o ego. A outra parte importante consiste na manipulação inteligente dos desejos depois que eles ganham entrada na arena da consciência. O processo de lidar com os componentes da consciência explícita não é de maneira nenhuma claro e simples, pois o ego explícito tem uma tendência de viver através de qualquer um dos opostos da experiência. Se for expulso de um oposto pela operação intensiva de consciência inteligente, ele tem a tendência de passar para o outro extremo e viver através dele. Com repetidas alternâncias entre os opostos da experiência, o ego escapa do ataque da consciência inteligente e busca perpetuar-se.

O ego é como a cabeça de Hidra e se expressa de inúmeras maneiras. Ela vive sob qualquer tipo de ignorância. O orgulho é o sentimento específico através do qual se manifesta o egoísmo. Uma pessoa pode se orgulhar das coisas mais sem importância e bobas. Há casos conhecidos, por exemplo, de pessoas que deixam suas unhas com um comprimento anormal e as preservam a despeito disso causar enorme transtorno para elas, por nenhuma outra razão além de afirmar sua separação dos outros. O ego tem que ampliar suas conquistas de forma grotesca, de modo a viver nelas. A afirmação direta do ego através de auto-exibição na sociedade é muito comum, mas se tal afirmação direta é proibida pelas regras de conduta, o ego tem uma tendência de buscar o mesmo resultado ao fazer calúnia dos outros. Retratar os outros como maus para glorificar a si mesmo para sugerindo uma comparação, que o ego estaria disposto a fazer, mas muitas vezes restringe-se de fazer.

O ego é ativado pelo princípio da auto-perpetuação e tem uma tendência de viver e crescer por todos e quaisquer meios que não estiverem fechados para ele. Se o ego enfrenta restrições em uma direção, ele procura compensar a expansão em outra direção. Se ele for dominado por uma inundação de noções e ações espirituais, ele até mesmo tende a apoderar-se dessa própria força, que foi originalmente posta em jogo para expulsar o ego. Se uma pessoa tenta cultivar a humildade a fim de aliviar-se do peso monstruoso do ego e consegue fazê-lo, o ego pode, com uma rapidez surpreendente, transferir-se para esse atributo da humildade. Ele se alimenta através de repetidas afirmações como: "eu sou espiritual", assim como nas fases primárias ele alcançava o mesmo objetivo através de afirmações como: "eu não sou interessado em espiritualidade." Assim, surge o que poderia ser chamado de um ego espiritual ou um ego que sente a sua separação através da realização de coisas consideradas boas e altamente espirituais. Do ponto de vista verdadeiramente espiritual, esse tipo de ego é tão limitador quanto o ego primário e grosseiro, que não faz tais pretensões.

De fato, nos estágios mais avançados do caminho, o ego não busca manter-se através de métodos abertos, mas se refugia nas próprias coisas que são exercidas para enfraquecê-lo. Essas táticas do ego são muito parecidas com as de uma guerrilha e são mais difíceis de contra atacar. Destituir o ego da consciência é necessariamente um processo complexo e não pode ser alcançado através do exercício de uma abordagem constantemente uniforme. Uma vez que a natureza do ego é muito complicada, um tratamento igualmente complicado é necessário para se livrar dele. Sendo que o ego tem possibilidades quase infinitas para tornar a sua existência segura e criar auto-ilusão, o aspirante descobre ser impossível competir com o infindável surgimento de novas formas do ego. Ele pode esperar ter êxito em lidar com os truques enganosos do ego somente com a ajuda e graça de um Mestre Perfeito.

Na maioria dos casos é apenas quando o aspirante é conduzido a perceber a futilidade de todos os seus esforços que ele se aproxima de um Mestre. Por si mesmo, ele não pode avançar em direção ao objetivo, o qual ele mal visualiza e procura. A persistência obstinada do ego o exaspera, e nessa percepção clara de desamparo que ele se rende ao Mestre como seu último e único recurso. A auto-entrega constitui uma admissão aberta de que o aspirante agora abandonou toda a esperança de resolver os problemas do ego por si próprio e que ele depende exclusivamente do Mestre. É como dizer: "eu sou incapaz de acabar com a existência miserável desse ego. Por isso, busco você para intervir e matá-lo." Essa etapa, por fim, acaba por ser mais proveitosa do que todas as outras medidas que poderiam ter sido tentadas em prol do enfraquecimento e subsequente aniquilação do ego. Quando pela graça do Mestre, a ignorância que constitui o ego é dissipada, ocorre o alvorecer da Verdade, que é a meta de toda a criação.

Meher Baba
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