Quando nos deixamos convencer da necessidade em prover sustento e conforto a nós mesmos e a nossos familiares ao preço de uma devoção integral a tarefas ditas profissionais, cometemos violência contra nós mesmos.
Quando preenchemos todos os intervalos do nosso dia com alguma atividade, aplicamos chibatadas em nossa aptidão natural em “observar e absorver”, parafraseando Eduardo Marinho.
Quando aceitamos ser adulados por algum feito empresarial ou mercadológico, infligimos açoites em nossas feições ainda humanizadas, feições estas que o grupo de aduladores ajuda a enterrar de vez.
Quando nos deixamos afetar pela neurose no trânsito ou no transporte coletivo, reforçamos a agressividade e a violência contra nós mesmos porque - erradamente - entendemos como falta de alternativa a submissão impotente a estas circunstâncias. Não contentes em nos acotovelarmos no ônibus e no metrô, passamos a nos acotovelar de carro para carro.
Se somos autores destas tantas perversidades, por que estranhar sermos agredidos pelo político e suas maracutaias, ou pelos tribunais e seus prazos perpétuos?
Se o nosso modo de viver está permeado por estes aguilhões auto-impostos, tornando-nos vocacionados a dar espetáculos de faquir, como podemos nos aperceber das invasões subliminares, da absoluta invalidez para o bem-estar social ou pessoal dos espetáculos esportivos, agenciados pela mídia?
A maior graça de um jogo de futebol está em jogar; os demais estão fora do jogo, são peças fora do tabuleiro, aliviando a falta de graça do próprio viver aos urros e com murros. Acrescentam o título de “Burros” à série das agressões. (Esta rima se tornou irresistível – perdoem-me os torcedores fanáticos. Saberão levar na esportiva?).
E a partir destes maus-tratos recorrentes, a animosidade fica profundamente impregnada em nossos modos. Tão encravada em nosso imo que passamos a achar normal o assistir televisão e o enfrentar trânsito diariamente. Não é?
Liban Raach