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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

5 de março de 2011

A minha vez primeira!

Liberdade
Foto: Andrea Zafra - São Thomé das Letras

Já houve dia em que meus questionamentos existenciais obtiveram resolução. Foi o dia da minha primeira morte. Foi a primeira vez que morri. Aconteceu sem aviso prévio. Inesperadamente. Encontrou-me despreparado e desprevenido.

Eu continuava na carne, mas passei a ter uma visão panorâmica tão clara, tão concisa, tão livre de todos os mistérios e de todas as ocultações, livre de todos os segredos, que parecia estar, também, desprovida de encantos. Era uma percepção de fora da carne. Era estar na carne e experimentar todas as coisas de uma dimensão fora dela.

Mais nenhuma pergunta sem resposta. Mais nenhuma aprendizagem referente aos assuntos do mundo (e para além do mundo) estava velada aos meus olhos. Mais nenhuma matéria acadêmico-escolar era difícil de absorver e apreender. Mais nenhuma espécie de limitação do corpo e do físico.

Tudo aquilo que eu sempre busquei e acreditei estava, naquele momento, se manifestando e se desvelando de forma tão assustadoramente espontânea quanto natural. Era um momento singular.

Estava dentro de um ônibus, indo para o trabalho.

Nada de espetacular, nada especial, sem nenhum pré-preparo, a não ser uma vontade - intimamente silenciosa e ardente - de toda uma vida até então.

Um horizonte sem precedentes estava se descortinando diante dos meus olhos. Um horizonte cheio de possibilidades inimagináveis relativas ao poder de ação enquanto ser encarnado que eu era. Que eu continuo sendo. Um horizonte sem encantos... sem encantos conhecidos estava se abrindo diante de mim.

Recuei.

O desejo de toda uma vida estava se realizando naquele momento e eu não sabia o que fazer com ele. Não me julgava suficientemente capaz para suportar tamanha responsabilidade e poder. Não me julgava pronto para tanto ‘despertar’.

Só não prossegui com as possibilidades desconhecidas da nova vida que estava se manifestando naquele exato instante - de minha primeira morte em vida - porque preferi voltar a terreno conhecido, apesar de toda a dor e sofrimento decorrentes dessa volta.
AO REGOZIJO NO DESCONHECIDO PREFERI SOFRER NO CONHECIDO!

Esse foi o epitáfio na lápide da minha primeira morte e a conseqüente expulsão do PARAÍSO de minha segunda vida.

Na minha segunda vida passei a viver como um excomungado, alguém que experimentou o DESPERTAR, O NIRVANA, sem O ter assumido para os restos dos dias dessa segunda vida. Transformei, assim, a segunda vida em resto, por onde me arrasto, desterrado, peregrino, estrangeiro, nômade, eremita, órfão e tantas outras designações para a falta de uma continuada investidura de um estado despertado.

Consagrei-me um covarde por causa disso? Talvez...

Uma vez inoculado, como fui, com o vírus do ‘despertar’, somente uma overdose poderia funcionar como antídoto.

E, como meu último ato de coragem, empenho os restos dos meus dias em reavivar o estado DESPERTADO do qual fui agraciado um dia...

... um remoto dia da minha juventude transviada...


Liban Raach
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