É bastante difícil descrever a devastação que a intrusão do pensamento técnico produz em nosso espírito. Assim é por causa das influências tão constantes da tecnologia. Seu influxo pode ser uma benção, por tornar-nos mais independentes diante das forças ameaçadoras da natureza; ao mesmo tempo, porém, corremos o risco de sermos dominados pelo instrumento e pela máquina. Precisamos dominar essa antinomia inerente à tecnização ou o furacão do incessante desenvolvimento técnico nos arrastará à catástrofe atômica final. O paradoxo característico da tecnologia consiste nisso: o que convém à máquina (automóvel, fábrica) ganha, aos poucos, maior importância e valor do que o bem estar do homem e da humanidade.
O desenvolvimento da tecnologia, dos inúmeros instrumentos mecânicos que servem às nossas fantasias, fez a humanidade recuar para o sonho infantil do poder ilimitado. Aí está ele sentado, o pobre ser humano, circundado de aparelhos e dispositivos que enchem seu aposento. Apenas aperta um botão e torna seu mundo diferente. Que poderio! E que mais alto poder ainda ambiciona! Entretanto, que perigo para seu espírito!
O desenvolvimento da tecnologia pode perturbar a luta do homem pela maturidade de seu próprio espírito. A aplicação prática da ciência e os instrumentos destinavam-se, originalmente, a oferecer ao homem maior proteção contras as forças físicas exteriores. Protegiam seu mundo interior; liberavam tempo e energia para a meditação, a concentração de espírito, o divertimento e o pensamento criador. Gradualmente, os próprios instrumentos que o homem fabricou dele se assenhorearam e, em lugar de libertá-los, reconduziram-no à servidão. O homem embebedou-se com a habilidade mecânica, tornou-se um viciado da tecnologia. Esta desperta nas pessoas uma atitude infantil, servil, sem que elas se apercebam disso. Quase todos nós passamos a ser escravos dos nossos automóveis. Paradoxalmente, a segurança técnica faz crescer a covardia. Já quase nada mais nos incita a enfrentar as forças exteriores da natureza e as que estão dentro de nós — as do instinto. Isso porque esse mesmo mundo técnico tomou o lugar desse mágico desafio que, a princípio, a natureza nos fazia.
É a subserviência à tecnologia em si mesma que constitui uma investida contra o pensamento. A criança que desde muito jovem se defronta com modernos instrumentos, aparelhos e dispositivos de tecnologia — o rádio, o motor, o aparelho de televisão, o cinema — é INADVERTIDAMENTE condicionada por milhões de associações, sons, quadros, movimentos, de que não participa. Não tem precisão de pensar nessas coisas. Estão elas em comunicação muito direta com seus sentidos. A moderna tecnologia ensina o homem a aceitar o mundo que lhe cai sob os olhos, não tem tempo para recolher-se e refletir. É engodado pela tecnologia que o faz cair entre suas rodas e movimentos. Não tem descanso, nem meditação, nem reflexão, nem conversação — os sentidos estão continuamente sobrecarregados de estímulos. A criança não aprende mais a interrogar o seu mundo; o cinema e a televisão oferecem-lhe respostas já de todo prontas. Mesmo os livros não lhe oferecem nenhum convívio humano — ninguém lê para ela; os personagens do cinema e do rádio contam-lhe histórias à sua maneira. O conhecimento que assim lhe é imposto pelos meios técnicos não lhe solicita que pense a propósito do que vê e ouve. A conversação se tornou uma arte abandonada. A idade da máquina avança impetuosamente, não deixando tempo para a leitura tranquila e para encontros com as artes criadoras. Observa-se, entretanto, uma contracorrente, na campanha do "faça você mesmo". Temos aí, provavelmente, um ressurgimento do espírito criador e um desafio ao engenheiro que criou o robô.
Num mundo supertécnico, não existem mais o corpo e o espírito. A vida passa a ser nada mais do que uma parte de um vasto processo de pensamento técnico e químico. As equações matemáticas se intrometem nas relações humanas. Por exemplo, a doutrina da culpa por associação, ensina-nos uma equação simples, segundo a qual os inimigos dos nossos inimigos tem que ser nossos amigos e que os amigos dos nossos inimigos tem que ser nossos inimigos — como se fosse possível apreciar seres humanos pela simples adição de sinais positivos e negativos.

