O ritmo rápido da vida moderna e o movimentado alarido das cidades modernas impedem-nos de encontrarmos a nós mesmos. Precisamos sentar-nos como se estivéssemos no deserto, completamente sós, rodeados pelo silêncio, e diminuir o ritmo dos pensamentos, até que nos intervalos entre eles comecemos a perceber quem é o pensador. Mas não podemos ter pressa; precisamos ser pacientes. Ele não está lá fora, bem à frente, mas profundamente escondido no interior. No interior há uma luz no final do túnel escuro. Paul Brunton
Acordei nesta manhã de sol, meditando em como é possível fazer com que alguém experimente uma excelente iguaria, iguaria esta ainda totalmente desconhecida para tal pessoa, se esta, ao ser convidada para o baquete, insiste em levar consigo, em sua marmita cerebral, a azeda, congelada e já conhecida comida de seus dias passados? Como você pode ajudá-la a experimentar, sentir, desfrutar da delicia de tal sabor, se ela ao invés da comida, insiste na comparação de antigas receitas, na agressiva defesa de conceitos do que deva ou não ser uma boa comida? Como é possível lhe responder sobre a delicia de seu sabor, se para cada uma de suas perguntas, esta pessoa já traz sua resposta sempre baseada em achismos, conceitos, — que nem ao menos são pessoais —, são sempre emprestados de outros que se aventuraram no saborear de tal comida? Como você pode fazê-la experimentar de uma deliciosa e supra-nutritiva refeição, se ela, ao invés de buscar por refeição nutritiva, busca tão somente, desacreditar a validade da sabedoria do cozinheiro?
Quando se é agraciado pelo toque, pelo sabor delicioso dessas iguarias cósmicas sem iguais, você permanece silenciosamente sentado em seu devido lugar, não mais ocupando lugares indevidos e, nesse silêncio repousante, percebe a própria impotência diante de tal birra infantil que mantém a pessoa em seu estado de desnutrição, perdendo ainda mais energia através do discutir receitas, discussão esta, que não alimenta ninguém. Aqui, isso já faz parte de sua consciência, mas, como apontar para isso para aquele que não quer ver? Como apontar para isso se este ser humano insiste em se aferrar em suas reservas, reservas que são produto de uma mente com medo disfarçado, sempre tentando se auto-proteger? Não há como, porque aqui não há qualquer consciência, não há qualquer estado de abertura para o frescor do novo.
Quando a pessoa se encontra neste "estado mental engessado", não tem como dar um passo se quer em direção a esta Divina Comida. Pode-se usar da melhor forma, ultrapassar da melhor maneira a limitação das palavras, mas, de forma alguma ocorrerá a alegria de um encontro nutritivo, porque este ser humano, está atras de qualquer coisa, menos de um encontro real consigo mesmo, com sua real natureza. Como é possível fazer com que este ser humano desfrute do sabor de uma "farofa cósmica", se insiste em tagarelar sua "sabedoria" o tempo todo? Como que a farofa pode se manter em sua língua, para que ele se sinta atraída por ela? O pior, é que este ser humano, além de não experimentar a delicia desta farofa cósmica, com seu tagarelar infantil, acaba "golfando" a farofa em todos ao seu redor, e o pior de tudo, ele nem se sente incomodado em incomodar aqueles que, serenamente e de boa vontade, vem até ali, para o desfrute destas ilimitadas especiarias sem igual.
Como é possível sentir o sabor de qualquer coisa em sua boca, se insiste em mantê-la num estado de constante verborréia? Para sentir o sabor de algo com toda sua propriedade, para sentir o gosto de forma holística, você precisa se "entregar", precisa se "render" diante da nova "experiência sensitiva". A criança só experimenta o mingau, quando para de fazer birra, quando para de desviar sua boca e olhar da direção da amorosidade nutritiva de sua mãe. Por vezes, a birra é tanta, que a mãe, mesmo se condoendo, sente a necessidade de se afastar temporariamente, deixando a criança ali, solitária em sua birra, diante do prato que aos poucos se torna frio, e em sua frieza, muito mais difícil de engolir, muito mais difícil de desfrutar da delicia de sua quentura.
Quando se entra nesta desconhecida dimensão do Ser, ocorre a percepção imediata da infantilidade de alimentar controvérsias públicas. Isso pode ser bom para a auto-afirmação de crianças rebeldes, mas não para adultos responsavelmente amorosos. Neste estado de Ser, neste estado livre de todos os estados, há uma percepção clara, imediata, da impotência das palavras diante daqueles que estão vivendo uma forte crise de "congestão alimentar da comida vencida de terceiros". Quando estes birrentos ataques provenientes de mentes engessadas se apresentam diante de nós, o melhor é se sentar, relaxar e desfrutar da aula gratuíta sobre a prepotência, a acidez, a sagacidade e a desnutrição de um intelecto aguçado, um intelecto que se acha sabedor de todas as perguntas e respostas, mas que, no entanto, não consegue se abster das mesmas, e por não conseguir invade todos os espaços possíveis numa tentativa de disseminar a contaminação de seu conflitado estado de ser, àqueles que possivelmente se encontrem distraídos, se encontrem adormecidos, não atentos a prática do contato consciente com esta Presença que lhe habita. Aqui, como em demais situações, o silêncio é sempre a melhor resposta. Deixar nas mãos do irmão que sofre, que insiste em não desfrutar deste banquete cósmico, a marmita mental hermeticamente fechada com a pressão da lógica e da razão, com seu conteúdo de comida gelada e estragada, parece ser a única opção saudável.
É possível abrir um espaço, criar um "restaurante cósmico", um lugar para saciar a fome e sede dos caminhantes que nela ousem entrar, no entanto, não é possível forçá-los a olhar de mente aberta para o cardápio, cardápio este que não tem palavras, nem imagens. De nada adianta desperdiçar tempo e energia falando sobre a delicias das especiarias, para alguém que nem sabe o que foi ali fazer. O melhor é esperar pelo devido tempo em que suas conflituosas energias se desgastem, esperar pelo momento em que soltem a pesada mochila do conhecimento, que se prostem sobre a mesa fazendo um sinal de que realmente buscam por nutrição. Se estiverem realmente buscando por nutrição, numa fração de segundos, perceberam que elas mesmas são o alimento, o cozinheiro e o degustador. Só aqui, todas as receitas são jogadas fora. Caso contrário, diante da madura postura de um silêncio amoroso, diante de um ambiente onde sua agressão solitária não encontre eco, elas talvez ainda mais solitárias e conflitadas do que quando ali chegaram, seguirão seu caminho e, quem sabe, se ainda existir espaço em sua "marmita mental", com a lembrança de um lugar onde talvez possam encontrar por real nutrição.
Nesta etapa da caminhada, é preciso estar atento, uma vez que sempre baterá em sua porta, caminhantes com seus pesados fardos de conhecimento. Não é preciso acrescentar ainda mais peso em sua solitária jornada. Estes caminhantes não precisam de nossas palavras, eles só precisam de um tempo, um tempo para relaxarem seus pés, para relaxarem sua compreensão. Eles só precisam de um amoroso silêncio. É só disso que precisam: só Ser, só sentir o Ser que lhes faz ser. Só precisam de uma fração de silêncio e, se esta fração de silêncio ocorrer, mais rápido que a velocidade da luz, a consciência da Consciência se faz presente. E quando isto ocorre, dá-se uma explosão de riso, diante das lembranças daquele birrento estado de Ser, estado de Ser, repleto de achismos, conceitos, idéias e de perguntas que não buscam por respostas. É só a partir daqui, que a vida passa a ser um grande banquete cósmico um grande banquete místico, um delicioso banquete onde podemos confiar, desfrutar e relaxar no colo desta Presença que nos habita. Quando isto ocorre, não existe mais a pergunta: “Quem é Deus?” Quando isto ocorre, não há mais você, não há mais perguntas. Só há Aquilo que É.
Um fraterabraço e um beijo em seu coração.
Nelson Jonas R. de Oliveira