Agora, parece moda discutir o "ideal" estado de ser para que alguém seja ou não um "iluminado", um "realizado", alguém que "mereça" ou não a nossa desfocada atenção. Pela internet, pelas inúmeras rede sociais, pelo vários grupos espiritualistas e em tantos livros, essa parece ser uma das pautas preferidas do momento. É interessante verificar essa postura: boa parte está morrendo afogado no brejo escuro e fétido de suas certezas, quando vem alguém lançando uma bóia salva-vidas, ao invés de fazerem uso da mesma, passam a rejeitá-la porque suas cores, não são as ideais, o comprimento da corda em que está amarrada, bem como a sua espessura, não estão de acordo com os dados apresentados por seu guru favorito, e por não fazer parte de sua predileção, rejeitam a bóia porque não gostaram do modo como o "salva-vidas" está vestido, não gostaram do tom de sua fala, não gostaram do modo como o deconhecido salva-vidas lhes atira sua bóia salvadora. Afinal de contas, em suas certezas, salva-vidas que é salva-vidas tem que ter secular renome internacional. Preferem se debater intelectualmente do que fazer o único movimento realmente necessário em direção a um solo seguro: um esforço consciente em direção da própria liberdade. Essa me parece ser uma das grandes traves que impedem a clareza de visão, essa me parece ser uma das grandes pedras de tropeço que impedem aquilo que, em suas certezas, chamam de "realização", que impedem a tal "iluminação" daqueles que se julgam conhecedores e sérios buscadores.
Aqui do meu canto, no desfrute deste bem-aventurado momento, neste momento onde esta chama quente, no centro do peito, a tudo ilumina, silenciosamente observo a pergunta que se manifesta:
Qual o sentido de dedicar tempo e energia para criar uma idéia a mais, uma imagem a mais de como deveria ou não, ser um "ser iluminado", um ser "auto-realizado"?
Se a questão da iluminação está em ser "auto-realizado", qual a inteligência em se concentrar nas idealizadas qualidades do "outro-realizado"?
No que pode facilitar o processo pessoal, processo este que é intransferível, de se tornar consciente, através da percepção direta de nossa real natureza, no que facilita esse papaguear sobre as possíveis qualidades necessárias para um "ser iluminado"?
Alimentar projeções, idealizações referentes ao que seja ou não caraterísticas de um ser iluminado, no que pode nos ajudar na percepção direta deste estado de ser, estado de ser este que, em nossa prepotente soberba, julgamos poder qualificar?
Desde quando, o conjecturar sobre a amperagem ideal de uma lampada, pode iluminar a sala escura de nossa mente e coração?
Com outras palavras, quando o carteiro bate em sua porta, o que você faz? Recebe logo a mensagem que lhe é endereçada, ou antes de aceitá-la fica "medindo o carteiro" para ver se ele possui ou não as imaginativas qualidades para ser um carteiro "digno" de sua atenção? O que importa: receber e conferir o conteúdo da mensagem ou discutir o imaginado modo de ser do mensageiro?
De que adiantam, infantis citações afirmativas de quem foi ou não um ser iluminado? No que esse tipo de afirmação, "Jesus, Buda, Maomé, Krishnamurti foi um grande iluminado", pode facultar a um ser humano ainda preso na escuridão de seu acervo de conhecimento livresco, ainda preso na escuridão de seu conhecimento de terceira mão, outorgado por instituições com coloridos pedaços de papel com pequenas estampilhas douradas, no que isso adianta para que este ser humano possa revelar por si mesmo a realidade desse estado, estado este que com seu limitado conhecimento livresco, nomeia de "iluminação", de "realização"?... Quando é que vai cair a ficha de que Jesus, Buda, Maomé, Krishnamurti e muitos outros já viveram seu momento? Quando vamos arregaçar as mangas com real seriedade em direção a realização de nosso momento divino? Quando vamos abrir mão de nossa adolescência espiritual para saber por experiência direta, as qualidades de bem-estar provenientes da maturidade espiritual, da maturidade que pacientemente e amorosamente nos espera através do contato consciente com o Ser que nos faz ser?
Quando vamos abrir mão dessa infantil busca por mais certezas? Afinal, de pessoas colecionadoras de certezas, os cantos escuros dos sanatórios já estão cheios...
Desde quando, bafo de boca, por mais espiritualista que seja, pode cozinhar um ovo que nos brinde com real nutrição? O mais interessante de tudo isso, — que seria cômico se não fosse trágico — é que a grande maioria que se dedica nesse "papaguear iluminista", nitidamente está a morrer de fome, mas, imaturamente prefere se ater nas discussões quanto a melhor receita, a receita "ideal" que possa se mostrar realmente nutritiva. Não percebem que, enquanto no alarde da disputa de suas certezas, na disputa da "idéia" da melhor receita, não dão o passo tão necessário em direção da cozinha do próprio Ser ainda não realizado, deste próprio Ser que são.
Divagações sobre a possível ou não realização do outro é outra pedra de tropeço, pedra esta colocada em nosso acidentado caminho pelo nosso tão acariciado e protegido intelecto. Esse tipo de divagação não tem o poder de nos "realizar", de nos "iluminar", o único poder que tem é o poder de nos manter presos em outra forma de auto-ilusão, auto-ilusão esta criada pelo nosso fétido pântano de certezas.
O fato é que, a todo tempo e espaço, semeadores de homens e mulheres saem para semear... E novamente me veem a pergunta: o que nos cabe? Discutir as qualidades necessárias, o comportamento ideal para um semeador, ou voltar o foco de nossa atenção para aquilo que me parece ser realmente o essencial para que um plantio nutritivo aconteça: limpar o solo que somos de toda erva daninha nascida de nossas crenças, imagens, conceitos, achismos, conjecturas, desgastadas certezas e preconceitos?... O que você vai fazer agora diante desta pergunta que se apresenta através de um ser que agora não está nem aí para essa história de ser ou não iluminado: vai se debruçar sobre ela dedicando a necessária paixão, ou vai correr até seu "iluminado" preferido de plantão, para conferir o que ele responderia diante de tal pergunta?
Quando vamos ousar largar nossas muletas psicológicas, quando vamos deixar de brincar de ser um "sério buscador", quando vamos dedicar tempo e energia necessários para a percepção de nossas pedras de tropeço, de nossas traves que nos impedem uma visão clara e imediata e assumir o tão necessário trabalho para deixar de sofrer, para deixar de bater cabeça e, com alívio, conhecer em si, esse estado de Ser que é toda liberdade, felicidade, alegria, amor, compaixão e simplicidade?
Já sei!... Estas perguntas, não merecem a devida atenção, afinal, o barbudo aqui, não está nos moldes de um ser iluminado, não foi aprovado em seu detector "iluminometro", em seu "gurumetro"... Então, amigo, em meio desta benfazeja quentura, só posso lhe desejar boa sorte. Seja feliz com seu acervo de certezas e suas mazelas ocultas... E, "boa viagem"!
Um fraterabraço e um beijo em seu coração!
Nelson Jonas R. de Oliveira
Nelson Jonas R. de Oliveira