Quando ocorre a escuta atenta, não corre-se para a pergunta desatenta; quando há a escuta atenta, há o ouvir que vê e, nesse ver dá-se o compreender que transmuta o estado da mente e coração. Somos sempre muito rápidos no vício de falar e muito lerdos na arte de escutar. Somos ávidos para soltar nossa voz com todos seus achismos, suas certezas e seus conhecimentos, conhecimentos estes que encobrem nosso conflituoso e solitário estado de ser, estado de ser este repleto de perguntas conflitantes em busca de mais certezas e seguranças. Boa parte de nós, sofre de uma profunda alergia, a alergia da escuta atenta. Não damos o espaço necessário para que as palavras lançadas em nossa direção, reverberem forte e decisivamente em nossa mente e coração. É por causa desse vício de falar, desse vício de se posicionar, vício esse que é fruto da doentia e conflituosa necessidade de auto-afirmação, que nunca permitimos que, no encontro com aquele que nos fala, um verdadeiro auto-encontro se apresente. Como, pelo vício do falar, boicotamos a manifestação de um real encontro, nos mantemos por longo e desnecessário tempo estagnados no mesmo ponto onde ocorre toda forma de sofrimento, sofrimento este resultante de nossas mazelas ocultas. Essa alergia da escuta, esse compulsivo e inconsciente impulso em direção a recusa do ouvir que vê, essa dificuldade de dar o devido tempo para o reverberar da fala alheia em nosso conflitado interior é que nos mantém prisioneiros na limitada esfera das palavras, da análise, dos conceitos, dos achismos, da subjetividade, das conjecturas de nossas incertas certezas. Enquanto nos mantemos viciados na palavra, impedimos a nós mesmos o contato consciente e direto com aquele "Algo" que transpassa os limites de todo som, de toda palavra. Enquanto nos mantemos viciados na terceirização de nossas perguntas que não buscam por fundamentais respostas, impedimos a manifestação dessa libertadora resposta primária, resposta essa, nunca encontrada fora da esfera do coração. Pela cultura a que fomos excessivamente expostos, aprendemos a dar muita importância a busca na exterioridade, a dar importância ao debate, ao defender bandeiras e discutir idéias limitadas a "pessoais" pontos de vista. Não nos ensinaram que um ponto é apenas um ponto. Fomos amestrados para levar tudo para o campo da pessoalidade. Não nos ensinaram na prática do silêncio, não nos incentivaram ao mergulho na interioridade do Ser. Somos alérgicos ao silêncio, somos alérgicos a quietude, somos alérgicos a deixar reverberar em nosso interior, qualquer palavra que transpasse nossas limitadas e doentias certezas, certezas estas que sempre nos mantiveram num constante estado de ser dependente de uma insegura postura defensiva com seus reativos ataques retalhadores. Como vivemos na constante defesa de nossas certezas, defesa essa natural de nossa identificação com nossa irreal natureza, nunca permitimos o reverberar que cria um pequeno, mas decisivo abalo nas grossas paredes de nosso soberbo orgulho, abalo que traz a trinca por onde a luz de nossa real natureza se faça manifesta. Somos muito rápidos em querer expor nossos pensamentos, a querer macular o espaço necessário para a ação do silêncio. Não fomos ensinados a vivenciar, juntos, o poder curativo da abertura ao silêncio, abertura essa que revela a ilusão de toda "pessoalidade" . Ao contrário, sentimos uma profunda inquietude quando, juntos, o silêncio se manifesta. Quando isso ocorre, nosso corpo reage, nos sentimos impelidos a falar qualquer coisa e, como na fala do finado poeta, falamos demais por não ter nada a dizer. Quando somos vitimas dessa alergia do escutar, quando somos alérgicos a qualquer tipo de reverberação alheia, somos sempre os últimos a chegar e os primeiros a querer nos manifestar de forma compulsiva e, quase sempre, de forma conflitante. Quando somos vitimas dessa alergia do escutar somos impetuosos em nosso perguntar e profundamente preguiçosos para debruçar sobre nossas próprias perguntas, perguntas estas, que não buscam por outra coisa a não ser a confirmação de nossas incertas certezas. Sem a presença dessa abertura a escuta atenta com sua saneadora reverberação, nos mantemos sempre na arrogante, automática e reativa postura do "sabedor", do sabedor que nada mais sabe, além de sua própria solitária e mascarada dor.
Nelson Jonas R. de Oliveira