Em nossa cozinha, temos uma enorme janela, cuja medida é de 3 X 2 metros, com uma colorida vista, onde pássaros nos brindam com seus cantos a cada manhã. Quando corremos suas venezianas, entre elas, fica um espaço de um metro. Ontem a tarde, enquanto eu me deliciava com um bom copo de achocolatado, uma bela borboleta, se debatia contra a transparente veneziana, tentando alcançar a liberdade do infinito céu azul. Se debatia freneticamente, ali, no mesmo lugar, limitando seu movimento a poucos centímetros. Vendo seu esforço infrutífero, aproximei meu dedo indicador para ver se ela aceitava por ajuda. No entanto, ela, assustada, se afastava diante de qualquer aproximação minha. Quanto mais eu me aproximava, mais ela se debatia. Percebi então, que aquele não era o melhor momento para facilitar sua liberdade; ela ainda precisava chegar a um ponto de exaustão. Pouco antes de sair para buscar minha esposa Deca, no metrô, voltei novamente à cozinha, desta vez, para beber um pouco de água. A bela borboleta, agora, se apresentava quieta, bem no parapeito interno da janela. Fui lentamente aproximando meu dedo indicador direito, posicionando-o bem a frente de suas compridas antenas. Lentamente, fui aproximando meu dedo, até tocá-la, até que, em poucos segundos, a bela e exausta borboleta apoiou suas perninhas sobre meu dedo. Mais que depressa, lancei-a em direção ao fim de tarde que se iniciava. Fiquei ali desfrutando da beleza, da leveza e da graciosidade de seu voo em liberdade.
Diante desta experiência, aparentemente trivial, uma grande lição se apresentou para mim. Somos todos muito semelhantes aquela pequena e bela borboleta. Por anos e anos, frutos da hereditariedade cultural e da crença, vivemos no mundo da horizontalidade, feito vorazes e inconscientes lagartas, consumindo a tudo e todos que se apresentavam em nossa direção. Consumimos tanto, até chegar a um ponto de saturação, onde, buscamos pelo isolamento, isolamento este tão necessário para um processo de maturação, um processo de transformação, transformação esta que se dá através do “digerir e descartar”, de toda forma de alimento, que um dia se fez nutritivo, mas que agora, nos impede de um modo leve, livre e solto de viver. Nesse processo, saímos de nosso casulo consciencial, agora com novas asas, com uma nova visão de mundo. Mesmo assim, por vezes, vemos nossa liberdade limitada pelas grossas placas de vidro das venezianas do intelecto e da razão. Por causa de nosso excessivo e exaustivo movimento, falta-nos a capacidade de observar um “pouquinho mais ao lado”. Igualmente a pequena e bela borboleta, inicialmente, rejeitamos qualquer tipo de “apontamento” que possa facilitar a revelação da direção que nos possibilite a liberdade de movimento. Sem que ocorra o ponto de saturação, sem que ocorra a total rendição e entrega, não há como se ver livre das grossas e transparentes placas de vidro do intelecto e da razão, através das quais, de modo frustrado e por vezes, dominados pela dor da inveja, observamos o livre movimento de alguns poucos pelo mundo de relação. Sem este bem-aventurado momento de rendição, rendição esta que nos liberta desta tendência de criar neurótica e conflitante resistência, resistência esta sempre em defesa de uma solitária e infeliz felicidade atrás das coloridas grades de nossa prisão mental, prisão mental que nos impede do desfrute de verdadeiras e nutritivas relações, não há como conhecer a felicidade e a liberdade de voos dotados de infinitas possibilidades.
Se você que agora lê este texto, há muito deixou de ser compulsiva lagarta, se já experimentou por breve que seja a delícia de se aventurar na verticalidade do Aberto, de ser "tocado" pelo Aberto, mas, que agora, talvez por falta de uma observação mais apurada, atenta, se vê momentaneamente preso nas limitações de seu conhecimento, de sua razão, se anseia pela mesma liberdade que, em meio a sua impotência, perturbado, conflitado, assiste a outros dela desfrutar, a você agora lanço este amoroso desafio: solte-se, relaxe e observe a direção para onde amorosos dedos lhe apontam. Eles estão por todos os lados. A liberdade e a felicidade estão logo aí, bem aí, onde você agora, exausto se encontra. Só é preciso um pouquinho de boa-vontade, um pouquinho de humildade, um pouquinho de rendição, para se deparar com as abertas e espaçosas venezianas de seu coração, coração este que, em chamas, nos liberta dos limites da lógica e da razão. Portanto, solte-se, liberte-se e descubra desta vida, o que ela tem de melhor.
Um fraterabraço e um beijo em seu coração!
Nelson Jonas R. de Oliveira