É impossível para mente repleta de conhecimento, conhecimento este adquirido em árdua e por vezes solitária caminhada por quarenta anos de deserto, por si mesma fazer com que as ácidas águas do Mar Vermelho da razão e do intelecto se abram diante de seus olhos apresentando uma direção e um terreno nunca antes imaginado. Para esta mente que chega no beco sem saída da lógica, só se apresenta, por um lado, este ácido mar da razão, e por outra lado, o antigo deserto, tendo bem próximo de si a possibilidade do eminente ataque do enorme exército a serviço do império do pensamento condicionado, exército este, que luta para manter esta mente cativa neste imenso deserto do intelectualismo.
Neste difícil momento da caminhada, não é nada fácil "acreditar" naquele que mantém a "fé" e que de braços erguidos aponta para uma direção contrária, para uma direção que não tem como única opção se permitir a um novo confronto com o imenso e poderoso exército do império do pensamento condicionado. O mais natural para esta mente, ao invés de uma aberta escuta atenta, é se manter em confronto com esses tais "místicos", com esses homens de "fé", com esses homens de "crença". Isso é bastante natural para quem se vê prisioneiro em meio ao deserto, faminto e sedento prisioneiro, exausto por carregar em sua mochila, a desnecessária carga de conhecimento adquirida em seu passado, passado este no qual se viu identificado por anos e anos com uma imagem auto-criada que não tem nada a ver com sua real natureza. Essa imagem irreal por qual o buscador solitário se viu identificado por anos e anos é o que o manteve feito prisioneiro por anos, a puxar imensos blocos de pedras, blocos de pedras que serviam tão somente para a edificação das enormes torres separatistas do condicionamento humano. Para muitas destas mentes, foram precisos anos e anos de chibatadas, anos e mais anos pisando no barro desse sistema de crença que sempre produziu fome sede, anos e anos de desidratação sobre os fortes raios solares do intelecto e da razão. Aqui, apesar desta mente não se aperceber, a Graça já se fez manifesta, se fez manifesta por meio de uma rebeldia inteligente, rebeldia esta que faz com que esta mente faça um movimento em direção a liberdade, mesmo que esta liberdade implique no ostracismo que aponta para o deserto do real.
Não é fácil abrir mão de todo conhecido, de todo acervo de memórias, imagens e conhecimento para se aventurar nesta caminhada solitária em direção a verdadeira liberdade do espírito humano. Em meu caso, foram necessários 47 anos de deserto, um deserto formado por uma mente iluminada pela razão, pela lógica, num corpo totalmente desidratado por não ter em si um coração que é um poço de água de amor. Durante meu deserto, fui acolhido na tenda de um "pastor de homens", pastor este a quem sou profundamente grato e cujo nome é Jiddu Krishnamurti. Ao contrário do que muitos dizem, não posso responsabilizar Krishnamurti, pelo estado ácido de minha mente, pelo estado ácido com que, ao contrário de sua mensagem, eu vivia a me relacionar com as pessoas formando um novo tipo de imagem, uma imagem fundamentada nos conceitos que minha mente formulou em cima dos escritos de Krishnamurti. Sem que eu percebesse, ao invés de observar de forma livre, sem a criação de imagens, ao invés de observar o "Monte de Sinais" que Krishnamurti apontava, sinais estes que sempre apontavam na direção de um coração amoroso e abarcante, eu ainda me mantinha viciado naquele olhar de prisioneiro, prisioneiro do que me era conhecido. Foram necessários 8 anos de estudos na tenda deste pastor. Todos os meus contatos sofriam com meu olhar, que na realidade, era um olhar sempre destorcido pela acides de meu conhecimento, pela dureza de minha medição, medição esta acompanhada de uma disfarçada soberba, pela qual, com uma rapidez fora do comum, rotulava a todos que não se enquadravam nas imagens que eu fazia sobre o que seria o modo correto de ser e estar na vida. Ainda como prisioneiro, sem saber o real significado das palavras felicidade e liberdade, eu vivia a criticar, a rotular, a tecer comentários desamorosos a respeito de todos aqueles que não se comportavam conforme a minha solitária e insatisfatória cartilha. Neste período, a única coisa que consegui com tal comportamento na vida de relação, foi me manter neste deserto separatista do conhecimento intelectual. Não tinha como ser diferente a minha reação diante da idéia da possibilidade de um Deus, afinal, eu já tinha o meu Deus, que era o Deus da minha limitada razão, do meu limitado e separatista intelecto humano.
Sou um dos abençoados por ter encontrado um homem que, ao não me revidar com resistência, amorosamente abriu o mar vermelho dos meus hemisférios cerebrais, que abriu um novo caminho até então nunca imaginado, um caminho que só aqueles que não são prisioneiros do intelecto podem por ele atravessar em direção a um novo solo firme, o solo firme e seguro da autonomia e autenticidade psicológica, onde o grande alimento é o maná diário da percepção amorosa. Para as mentes que se mantém firmes nesta observação, nesta constatação amorosa, que se dá momento a momento, não mais se faz necessário a criação e adoração das "imagens de ouro dos insensatos", imagens estas criadas pela memória da antiga e irreal segurança do passado conhecido de lutas pela razão, lutas estas, sempre travadas com as limitadas armas do intelecto. Neste momento é pela firmeza da paixão que conhecemos um solo sagrado onde transborda o leite e o mel do amor e da compaixão.
Aqui fica meu humilde e amoroso convite à todo aquele que estiver exausto por tanto caminhar neste deserto do real, sob o forte sol da lógica e da razão: ouse um olhar para o desconhecido, ouse largar ao solo sua pesada mochila de conhecimentos. Novas possibilidades estão bem próximas de se fazerem realidade. Ouse, e muito mais lhe será revelado. Ouse, pela descoberta de sua Real Natureza.
Nelson Jonas R. de Oliveira
Link do áudio: http://www.4shared.com/audio/6LBJyF7Q/Nelson_Jonas_-_quarenta_anos_n.html
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