Toda verdade passa por três estágios.
Primeiro, ela é ridicularizada.
Segundo, é violentamente combatida.
Terceiro, é aceita como sendo auto-evidente.
Arthur Schopenhauer
Com relação aos conflitos humanos, vivemos como que num constante "apagar de incêndios", no entanto, não nos entregamos com seriedade e paixão ao salutar trabalho de compreender toda a estrutura causativa de todos os incêndios, de todos os conflitos. Sem a compreensão da estrutura causativa dos incêndios, permitimos o processo de continuidade dos mesmos, em suas variantes, além de nos manter sempre dependentes do esforços de terceiros para a tentativa de apagar o foco momentâneo. Sem a compreensão direta da estrutura causativa dos conflitos, sempre criamos novos focos e, essa criação, ocorre quando, distraídos, o pensamento entra em cena criando toda forma de identificação.
A compreensão da idéia de "eu" só pode ocorrer quando se está num estado de quietude, de comunhão com esse "eu", o que não significa estar — com esse "eu" — identificado. Estar em comunhão com o "eu" implica em observação completa, não identificadora, onde os nervos, cérebro, corpo, toda estrutura está quieta. Nesse estado de quietude, pode-se observar toda a estrutura do "eu" sem que ocorra a dispersiva identificação causadora de toda forma de conflito. Para se viver sem conflito de espécie alguma, se faz necessário a compreensão direta da estrutura e natureza do "eu" — que é a estrutura causativa de toda forma de conflito, o qual deteriora a mente, tornando-a embotada, insensível. A idéia de "eu" só tem continuidade, quando se dá a identificação do pensamento com esse "eu". Para observar o "eu", necessita-se de tremenda sensibilidade — os nervos, os olhos e os ouvidos, todo o ser deve estar vivo e, contudo, a mente deve estar quieta. Desse modo, pode-se observar a estrutura do "eu", todo seu mecanismo, tal como é e não passar disso. O importante é observar sem a interferência analítica do pensamento; perceber, por si mesmo, sem qualquer forma de doação psicológica de fora, todo o processo do "eu" com suas consequentes contradições geradoras de conflito. É preciso perceber todo esse mecanismo, toda essa estrutura, em ação, com toda sugestão de reação retroalimentadora e mantenedora da idéia de "eu". Para ser possível a observação de tudo isso, se faz necessário que a mente esteja sensível, profundamente sensível.
Para aprender sobre esta estrutura causativa do "eu" é preciso se abrir a escuta de si mesmo, por si mesmo. Estar em comunhão com a própria mente; estar observando o funcionamento do "eu" e como surge o problema. É preciso entrar em contato consciente consigo mesmo e isso só é possível, de modo significativo, quando sentido com profunda calma, ou seja, sem a presença de qualquer forma de resistência ao que se apresenta. É preciso averiguar como surge a idéia de "eu" e como o pensamento o perpetua. Sem a compreensão do mecanismo que cria e mantém a idéia de "eu", torna-se impossível a manifestação de um estado de ser totalmente livre de conflitos.
É pensando constantemente como um "eu" que lhe damos continuidade. Se faz necessário a compreensão desse processo "autocentrado", no seu todo, a compreensão por si mesmo da natureza de sua continuidade. Para isso, se faz necessário um estado de perfeita comunhão com esse "eu", sem que ocorra identificação — a qual surge com a interferência do pensamento. O que significa "estar em comunhão"? Significa que não há barreira de pensamento entre observador e aquilo que está sendo observado. O observador não está se identificando com o "eu". Para que haja comunhão, não pode existir, simplesmente, barreira alguma. Para que haja comunhão que gera a compreensão direta é preciso que haja escuta sem esforço — sem qualquer tipo de tensão nervosa. Isso significa escutar, com naturalidade, em silêncio, toda estrutura do movimento do "eu". Essa é uma das nossas maiores dificuldades, porque, uma das características do defensivas do "eu" se dá através do processo de "argumentação mental", a qual ergue uma barreira de palavras e imagens. É importante apreender a estar em comunhão consigo mesmo, sem resistências, de modo que seja possível seguir todos os pequenos movimentos do pensamento e sentimento, sem procurar corrigi-los, sem nenhum tipo de julgamento, — observar, testemunhar apenas — sem que ocorra qualquer tipo de identificação.
Para descobrir a verdade relativa a estrutura causativa do "eu", é preciso que ocorra a comunhão com essa estrutura, tão profundamente arraigada em nós e que constantemente se manifesta sob diferentes formas na ponte do tempo psicológico passado/futuro. Na compreensão dessa ponte do tempo psicológico, a estrutura do "eu", sem esforço, desmorona. É preciso ver para não mais crer, uma vez que, a crença, faz parte da estrutura causativa do "eu". Quanto mais funciona a estrutura causativa do "eu", tanto mais ocorre o desgaste da sensibilidade da mente e, sem a sensibilidade da mente, torna-se impossível a comunhão com a natureza do ser, somente possível quando livres da idéia do "eu".