Do décimo andar de um hospital, onde fui como
acompanhante, olhava eu pela janela e fui absorvido com a seguinte consideração:
— O que nos
impede de enxergarmos os agravos particulares recorrentes como se estivéssemos
olhando para eles do décimo andar de um prédio?
Assim estava entretido por esta questão quando reparei em
uma agitação entre motoristas dos carros que trafegavam na rua avistada lá de
cima. A julgar pelo dedo levantado e pelos movimentos bruscos de braços e mãos,
parecia uma discussão no trânsito – ocorrência tão frequente no ambiente urbano
que poderíamos elegê-la como um agravo recorrente.
De onde eu me encontrava, naquela janela do décimo andar,
testemunhei aquela ocorrência; sem sentir vestígio algum de ameaça suscitada
pelo medo, pois estava protegido nas alturas; e nem a frígida indiferença
típica da vertigem produzida pela ilusória posição 'elevada'.
Os instrumentos utilizados – quais sejam as discussões e
conflitos – para agravar as nossas condições particulares de vida logram retumbante
fracasso se atribuirmos a eles a mesma ordem de grandeza de quando estamos no
décimo pavimento de um prédio: tornam-se figuras miudinhas macaqueando gestos e
palavras. Por mais que façam, não oferecem a menor ameaça. Portanto, ficamos
sem nada a temer... sem absolutamente nada a temer!
É deveras gratificante perceber como a vida corresponde, de forma imediata e elucidativa, em questões
cruciais. Se não houve tal correspondência em nossa vida é porque falta, ainda,
a investidura crucial na questão que queremos evidenciar.
LibaN
RaaCh
"O perigo da
vertigem vem da ilusão de que essa sublime posição
seja obra do seu ego
personal, vem do erro fatal
de que a pessoa
humana tenha creado essa glória
no alto do
candelabro ou no cume do monte".
Huberto Rohden