PERGUNTA : O pensamento consegue ser consciente de si mesmo?
David Bohm: Essa também é uma pergunta bem sutil. Na superfície, parece que o pensamento não conseguiria ser consciente de si mesmo, se ele for apenas memória. Vamos dizer, então, que precisamos de algum tipo de consciência sobre o que o pensamento está fazendo — isso parece claro — mas é algo que não temos, em termos gerais. Eu usei a palavra "propriocepção" nos seminários anteriores para definir a "autopercepção do pensamento", e vamos retomar isso no decorrer deste seminário. Talvez o pensamento seja consciente de si mesmo. Mas isso nos levaria muito tempo para cobrir além do que já está preparado para está noite, portanto, por enquanto, acho que deveríamos olhar para isso em termos gerais.
Não parece inteiramente impossível abordarmos esta questão de alguma forma, mas é uma questão muito difícil. Eu sugiro que um dos motivos do porquê dessa dificuldade é que há uma falha no processo do pensamento.
O que me refiro como "pensamento" é a coisa toda — o pensamento, o "que foi sentido", o corpo, a sociedade como um todo partilhando pensamentos — tudo não passa de um único processo. É essencial para mim que isso não seja separado, porque tudo não passa de um único processo; o pensamento de alguém se torna meus pensamentos e vice-versa. Portanto, seria um equívoco e um engano separar meu pensamento, seu pensamento, meus sentimentos, estes sentimentos, aqueles sentimentos e assim por diante. Para alguns propósitos está tudo bem, mas não para o propósito que estamos discutindo agora.
Eu diria que o pensamento gera o que geralmente chamamos na linguagem moderna de um sistema. Um sistema é um jogo de coisas ou partes conectadas. Mas, a maneira como as pessoas geralmente usam a palavra hoje em dia significa algo de todas essas partes que são mutuamente interdepententes — não apenas por suas ações mútuas, mas por seus significados e por suas existências.
Uma empresa é organizada como um sistema — possui este departamento, outro departamento e aquele departamento. Eles não têm significado algum separadamente; eles somente conseguem operar juntos. Assim como o corpo também é um sistema — a sociedade é um sistema de alguma forma. E assim vai.
Do mesmo modo, o pensamento é um sistema. Nesse sistema não estão inclusos apenas o pensamento, o que foi sentido e os sentimentos, mas inclui também o estado do corpo; inclui a sociedade como um todo — à medida que o pensamento balança para a frente e para trás em um processo pelo qual vem evoluindo desde a antiguidade.
Um sistema está, constantemente, engajado em um processo de desenvolvimento, mudança, evolução e alterações estruturais, e assim por diante, apesar de haver certas características do sistema que se tornam relativamente fixadas. Chamamos isso de estrutura. Você pode observar que em uma empresa há uma certa estrutura. Às vezes, essa estrutura começa a desmoronar quando não funciona adequadamente, já que as pessoas podem mudar este curso.
Temos também um tipo de estrutura no pensamento — com algumas características relativamente fixas. O pensamento está constantemente evoluindo e com isso não podemos afirmar quando iniciou essa estrutura. Mas, com o crescimento da civilização, ele se desenvolveu muito rápido. Provavelmente, o pensamento era bem mais simples, antes da civilização atual, ao passo que agora se tornou muito complexo, ramificado e com muito mais incoerência do que tinha antes.
Logo, temos esse sistema de pensamento. No entanto, quero afirmar que esse sistema apresenta uma falha — uma falha sistemática. Não é uma falha aqui, ali ou lá, mas é uma falha em todo o sistema. Você consegue visualizar isso? Está em todo lugar e em lugar algum. Você pode dizer: "Eu vejo um problema aqui, então vou trazer meu pensamento para lidar com este problema". Mas, o "meu" pensamento é parte do sistema. Apresenta a mesma falha que a falha que estou tentando consertar, ou uma falha similar.
Nós temos essa falha sistemática, e você pode ver que é isso que vem acontecendo com todos esses problemas no mundo — tais como os problemas que foram criados com a fragmentação das nações. Dizemos: "Aqui está uma falha. Algo deu errado". Mas, ao lidar com isso, utilizamos o mesmo tipo de pensamento fragmentário que gerou o problema, apenas uma versão diferente do mesmo; portanto, isso não ajudará, e pode fazer até com que as coisas piorem. Você pode dizer que consegue enxergar todas essas coisas que estão acontecendo e então se perguntar: "O que eu devo fazer?" Você tenta pensar sobre o assunto, mas no entanto, seu pensamento já foi pervertido por essa falha sistemática. Então, para que serve essa chamada?
Livro : O Pensamento como um Sistema.
Autor : David Bohm