O ego só mantém uma postura de boa vontade com relação ao próximo, caso veja no contato com esse próximo, alguma fonte de conveniência. Sua assim chamada boa vontade, de forma alguma se manifesta de modo incondicionado — sempre, em oculto, encontra-se alguma forma de interesse. Nunca há de fato, uma postura de respeito e reverência. O ego está sempre preocupado, sempre medindo a tudo e a todos, o modo como o outro pensa, fala e age, sempre medido de forma ácida os comportamentos de terceiros. No entanto, em relação ao próprio modo de ser e de estar na vida de relação, se apresenta sempre de maneira complacente, o que faz com que se mantenha totalmente ignorante a respeito de si mesmo e de toda sua bestialidade.
O ego só consegue ver no "outro", um outro ego, isso porque o ego, é a única realidade da qual possui conhecimento. Se conhece algo superior a si, é tão somente um outro ego, do qual, quase sempre, decorre a manifestação da inveja, do ressentimento e o complexo de inferioridade. Nada conhece sobre a realidade da essência contida nas palavras, compaixão, amorosidade e piedade — com relação as mesmas, só tem ideais do que representam. Não há nada de divino em seus sentimentos, sendo que os mesmos se encontram sempre nos apertados limites da personalidade ilusória, responsável pela nefasta e separatista postura formadora de imagens e do idealismo comportamental do vir-a-ser. De real, de espontâneo, de natural, de transbordamento ético, o ego nada sabe; tudo é mero jogo de conveniências. Desconhece a tolerância amorosa, o que conhece é a tolerância condicionada à alguma forma de interesse. Ele é rancoroso, vingativo e retaliador. Não consegue de modo algum se colocar no lugar do outro, perceber seu momento, suas necessidades, seus direitos, ao contrário, está sempre em busca de constantes privilégios. O outro, para o ego, só existe quando pode lhe oferecer algo de seu interesse; ele exacerba seus direitos, sem se importar com os direitos alheios. Como é dominado pelas mais variadas formas de medo, o ego não tem como ser assertivo, muito menos, exercer justiça e ordem.
O ego não tem autonomia pois é um escravo da moda, vivendo da imitação que o mantém num estado de servidão domesticada. Ele transforma tudo em mera cópia e ignora tudo que se apresente como original e ainda não convencionado pelo ego social. Em vista disso, vive preso na dinâmica das formas, das imagens idealizadas, pelo ego social. Quanto maior sua identificação, maior é a sua prisão. Sua postura quase sempre se alicerça na massiva e barulhenta influência externa e não na escuta atenta ao intuir interno. Por isso, sem o mínimo de consciência, em sua feliz infeliz ignorância, se mantém parte integrante da presente e descomunal massa de manobra do ego social. Sua existência sem vida, não pertence a si, mas a outros egos, dele, totalmente desconhecidos. Desconhece as mãos que conduzem os cacoetes de seus movimentos previamente ensaiados. O ego se encontra tão enredado em si mesmo, que em virtude desse enredamento, não consegue se aperceber das poderosas forças psíquicas exteriores pelas quais tem influenciado seu movimento reativo, competitivo e separatista.
Para o ego, é muito mais fácil julgar e rotular o modo de ser, pensar e agir do outro, do que tentar compreendê-lo, entrar em seu mundo, observar sua história com todas as influências que o trouxeram até o presente momento. Para ele, é humanamente impossível, calçar os sapatos do outro e com eles, caminhar que seja por um curto período de tempo. Mas, ao contrário, exige que os outros deem atenção aos seus sapatos e que se submetam a marchar sob o julgo do seu compasso, o que também se mostra como uma fonte de inesgotável conflito.
O ego é profundamente arredio à escuta da voz interior que aponta para a insatisfação que clama por um modo superior de estar na vida de relação. Ele impulsiona para o conformismo, a estagnação e ao servilismo domesticado, os quais impedem a livre manifestação do real amor e não daquilo que o ego tem por amor.
Se para o ego já é humanamente impossível não viver em busca de imaginários inimigos externos e de alimentar a maledicência em relação aos mesmos, que dirá conseguir amar aqueles que fazem dele seu inimigo externo e que vivem igualmente a maldizê-lo. O ego adora uma disputa e horas e horas de comentários direcionados ao outro ausente, pois nisso, se alimenta e se protege.
Nelson Jonas Ramos de Oliveira