O constante desfoque de atenção é sem dúvida alguma um dos maiores mecanismos de auto-proteção do ego. A dispersão do agora na imaginária ponte passado/futuro é uma constante. Estamos viciados nesse dispersão, a qual se tornou um forte condicionamento que cria a ilusão de que somos o conteúdo de nosso movimento mental acelerado e desconexo.
O ego busca por notoriedade, reconhecimento, prestígio, ama o aplauso, o tapinha nas costas, anseia pelo estrelato ou, caso contrário, se esconde feito caramujo, como avestruz ou como criança assustada, embaixo da cama. Nunca consegue ser um dentre os demais, precisa estar no topo do Himalaia, ou escondido num canto escuro da planície. No entanto, em qualquer uma das posições em que se encontre, prestígio ou anonimato, é profundamente avesso a uma real intimidade pois teme que através desta, não consiga bancar o necessário para a sustentação de sua falsidade. Nunca consegue um modo de se relacionar de forma assertiva e amorosa; evita qualquer tipo de contato que possa desmascarar seu script no jogo que todos jogam, quase sempre sem a menor consciência de que jogam. O ego está sempre excessivamente preocupado como a imagem que os outros possam fazer de si mas, não se preocupa com a imagem que faz dos outros; a formação de imagens é outro de de seus mecanismos de defesa. Esse processo contínuo de formação de imagens , mantém o ego sempre numa postura de negociável ajustamento, ajustamento esse que impede a presença de um estado de autenticidade e originalidade.
O ego esquece facilmente os danos que causa aos outros, em contrapartida, além de não esquecer e perdoar os danos sofrido pelo atrito causado pelo choque de instintos com outros egos, tem a tendência de ampliá-los de forma irreal, sempre com requintes de dados e crueldade. Mantém para si réguas com medidas diferenciadas.
Outro de seus mecanismos de defesa, está no fato de manter uma postura totalmente antagônica a simples idéia de que algo possa ser superior a si, a seu entendimento e a sua compreensão. Quando isso ocorre, opta ou pela hostilização, ou pela irrefletida e compulsória deificação. Para o ego, torna-se impossível a manifestação de uma relação harmônica com algo ou alguém que se mostre superior aos seus limites.
O ego vive num constante estado de exigências, sejam elas referentes aos outros ou a si mesmo, exigências estas que são a fonte de intermináveis conflitos, ansiedades, frustrações, ressentimentos e retaliações. O ego quer ter sempre suas necessidades atendidas de pronto, por isso, defronta-se com a realidade do que é, com as mais variadas formas de birra que, em últimos estágios, pode levar à insanidade de atos homicidas e até mesmo suicidas. Através dele, encontra-se a essência de toda corrupção e de toda contraversão.
Para a transcendência do estado ilusório de identificação com o ego, se faz necessário algo maior que o processo de análise, algo que podemos expressar aqui, como uma experiência direta, intransferível de nossa natureza real, experiência esta que não pode ser facultada, facilitada por terceiros e que também não opera nos limites da vontade e do desejo, os quais, são manifestações do próprio ego. Mas, fazendo uso do constante estado de dispersão inconsciente, o ego mantém sua linha de ação, impedindo assim, a manifestação de um estado de presença e paixão tão necessários para que algo de real sentido, valor e poder criativo se apresente. Nos limites do domínio do ego, de real, existe apenas a sua irrealidade.
Há uma frase muito conhecida, cuja essência não se faz conhecida quando vivemos nos apertados limites do ego: "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará". Em geral, apontamos esta frase para situações que concernem apenas para as situações resultantes do conflito entre egos. Proponho aqui, uma observação mais apurada do teor desta afirmação, uma vez que não pode haver liberdade em meio do que é limitado. Para tanto, deixo aqui a questão: a Verdade a que esta afirmação se refere, não seria a Verdade da existência de uma natureza livre do ego e a liberdade no que diz respeito a nossa identificação ilusória com a atual natureza egocentrada? Verdade e Liberdade não seria o resultado do conhecimento da realidade de um modo de ser não egocentrado por meio de uma experiência direta e não transferível, a qual não pode ser nomeada por não estar nos limites do tempo e espaço? Diante destas questões, o ego pode usar como mecanismo de defesa, rotular que tudo isso não passa de loucura, que a existência de um estado de ser livre de qualquer manifestação do ego não passa de uma "grande viagem", algo irreal. Quem já não ouviu a voz do próprio ego, gritando no interior da mente, quando exposto a momentos de meditação, meditação essa que aponte para o que não está condicionado, convencionado, frases parecidas com: "Não ouse olhar para isso! Você vai acabar enlouquecendo, vai acabar surtando! É melhor ficar pianinho e largar isso já"...?
Outra de suas falácias está em projetar e imputar suas próprias dificuldades e mazelas — muitas vezes inconscientes de si mesmo — aos outros egos ao seu redor. Isso é muito, mas muito comum. O ego nos mantém dormindo na idéia do que não somos, não permitindo que despertemos para a realidade daquilo que somos. Ele é profundamente barulhento e, por ser barulhento, é adepto do barulho, o qual espalha sem a miníma preocupação com o direito alheio ao silêncio. Para ele, quanto mais barulho, melhor, a não ser, quando ele — o ego — sente a necessidade de silêncio. Quando isso ocorre, o encontro entre um ego barulhento e um ego em busca de silêncio, um barulhento conflito se estabelece, uma vez que, ceder, é um verbo que não se encontra na cartilha do ego.
Finalizando, uma vida pauta, regida pela ilusória identificação com o ego, por maiores que sejam as conquistas no terreno material, por maiores que sejam as suas atividades, sempre terão como resultado o dissabor do vazio, do tédio, da insatisfação e da solidão. O ego é a estrada que aponta para a perdição do gênero humano.
Nelson Jonas R. de Oliveira