No começo é só confusão, de imagens, de coisas que a gente colheu ai na vida, coisas que a gente viu, viveu e até meio que inventou, vendo. Velho, vai vindo uma vontade forte de ajeitar tudo isso que fica pesando ai dentro da cabeça... Ajeitar aqui, ali e nessas dai é que nasce uma história...
Personagem Herácles no filme "Os Doze Trabalhos"
Tememos aquilo que não conhecemos; nunca soubemos lidar com a morte, momento a momento. Nunca tivemos uma educação para a percepção da morte em vida. Desde a mais tenra idade, encheram nossas mentes com crenças, rituais, códigos de conduta, todos mantidos através de constantes ondas de medo. O medo e a exposição à vergonha tóxica sempre foram a base da nossa assim chamada "educação". No entanto, isso que chamaram de educação, nunca passou de um ridículo processo de formatação comportamental à uma domesticação servil, domesticação essa que para muitos, por pouco não matou de vez a manifestação da autenticidade e espontaneidade criativa. Fomos sistematicamente influenciados através da constante vigilância, pelo controle, pela comparação, pela constante rotulação negativa baseada sempre, de forma inquestionada, numa arcaica e disfuncional escala de valores. Os mais velhos, sempre vistos como autoridades psicológicas, ditavam as regras, regras estas que quase sempre violavam, mas cuja violação sempre era abafada atrás de sete chaves no segredo de suas casas repletas de mentiras, segredos e negações. Por sua vez, estas autoridades nunca permitiram a discussão aberta dos problemas, muito menos o ambiente propício para o aprendizado de um questionamento inteligente. O não-democrático "É assim mesmo e pronto!" é o que quase sempre imperava, isso quando o mesmo não era seguido por abusos físicos e/ou verbais, tido por muitos como um excelente "corretivo". Toda manifestação de autônoma reflexão que contrariasse os valores convencionados, pré-estabelecidos, nunca era permitida, sempre era fortemente combatida e rotulada como "rebeldia". A grande maioria se calava, se conformava e se mantinha como mero "seguidor", enquanto pouquíssimos tinham a força necessária para se manter nessa postura de "rebeldia inteligente", visto que outros poucos optavam por uma rebeldia nada inteligente, através de transgressões visuais, materiais, adictícias que, com a excessiva exposição levaram ao embotamento da mente — em muitos casos a total desintegração física e a morte prematura. Qualquer tipo de "viagem" fora dos perímetros do conhecido eram fortemente combatida e desencorajada. As cores da beleza de novos paradigmas de liberdade e felicidade não eram vistos com bons olhos.
Fomos incentivados a nos manter longe do que nos era estranho, de quem nos era estranho, através de condicionamentos que, ao invés de desenvolver nossa percepção e inteligência, só petrificavam ainda mais a sistematização do medo que nos forçava ao conformismo estagnante. Eramos expostos a duplas mensagens conflitantes, apesar do alimentar constante de uma cultura forjada pelo medo, eramos ameaçados para nunca ter medo o que, em nossas mentes infantis, já se mostrava como um grande paradoxo. Quem nunca ouviu frases do tipo: "Se apanhar na rua, vai apanhar em casa!"?... Depois, na missa de domingo, "ame aos seus inimigos"... Como que ninguém enxergava tamanho contrassenso? Expressar pensamentos, sentimentos e emoções era algo permitido somente aos adultos — se bem que estes quando o faziam em público, o que diziam, não condizia com aquilo que apresentavam no interior de suas casas. Dessa forma, aprendemos a ver lucro na "sagacidade" e prejuízo na exposição da verdade. Aprendemos a criar e sustentar máscaras, mas, no entanto, eramos castigados quando nossas mascaras eram descobertas, ou, através de momentos de pureza, aos outros expúnhamos as máscaras dos nossos "adultos significativos". Qualquer sinal de pureza, espontaneidade, inteligência, autonomia de pensamento, sempre eram recebidos com olhares de desconfiança e repreensão.
Ao perceber a constante repetição desse insano modo de formação limitante, muitos de nós, começamos a nos fechar em nós mesmos, muitas vezes com isso, ganhando de pessoas desprovidas de sensibilidade e inteligência, rótulos como "criança esquisita" ou "criança problemática". Pensar, falar ou agir de forma contrária ao estabelecido, era visto como problema ou contraversão. O menor sinal de necessidade de espaço, abertura e mudança era logo rechaçado com conjecturas e racionalizações sempre alicerçadas no medo de ter os arcaicos limites transpassados. Com isso, aprendemos a não confiar, seja em nós mesmos ou nos outros. Aprendemos a não falar de forma aberta e franca a respeito de nossos conflitos, nossas dúvidas, nossos medos, por medo de sermos expostos de alguma forma. Fomos sistematicamente incentivados a fugir de questionamentos sérios que poderiam apontar para o embasamento de uma autêntica inteligência capaz de sanar crises há muito instaladas e por demais omitidas. Aprendemos a valorizar a decoreba da Tradição, dos sistemas, dos rituais, das convenções e a ver com olhos tortos, todo aquele que a tudo isso visse de forma diferenciada.
No entanto, a triste realidade é que, o que chamavam de amor educação, nunca passou de controle e castração. Em meio a tudo isso, nossos adultos acalentavam em nós um modo imaturo de ser, ao mesmo tempo que rotulavam como "problema" um modo de ser silencioso e reflexivo, algo tido como um comportamento problemático. Fomos incentivados a fugir da realidade, a fugir da tristeza, do tédio e da insatisfação e não para abraçá-los e, através deste abraço, maturar na aceitação e compreensão. Fomos incentivados a ver prejuízo na benção da desilusão e a classificar nossos ritos de passagem como uma doença, rotulando-os como depressão. Nossos equívocos eram tratados com castigos que ampliavam nosso medo, vergonha e desconfiança e não com um amoroso convite a reflexão conjunta. Fomos forçados a valorizar crenças, convenções e valores que, para nós, já naquela altura, não faziam o menor sentido. Fomos forçados a dar mais valor ao passado morto e as conjecturas do futuro do que a manifestação da vida no momento presente — o que foi e o vir-a-ser, no lugar daquilo que é. E assim nos tornamos superficiais, vazios, destituídos do genuíno amor que só pode se manifestar onde o medo não se faz presente. Não fomos incentivados, através de exemplos reais, a lidar de frente com os nossos medos, sofrimentos e conflitos e assim, não desenvolvemos a capacidade de ver a irrealidade dos mesmos e, consequentemente, desenvolvemos um modo reacionário diante de toda identificação com o falso. Passamos a ser cópias, a querer ser quem e o que não somos. Nos tornamos pessoas altamente influenciáveis diante de qualquer manifestação do pensamento condicionado arquitetado e sustentado por uma liderança cuja educação nos direciona em massa para a limitante e robótica domesticação servil. Em resultado, para os adultos devidamente formatados através da ferramenta chamada "negação", a continuidade do "silenciosamente seguir a disciplina", se tonou mais importante do que o "aberto desenvolvimento da inteligência criativa".
Tudo isto, até que poucos de nós fossemos salvos através da benção de uma depressão iniciática, que ao nos jogar no solo frio de nossos lares, nos apontou trilhas em direção aos enormes muros que nos libertaram da densa floresta da arcaica tradição e que, ao transpassar de seus muros, nos deparamos com o remédio para uma nova forma de ser e estar no mundo.
Um fraterabraço e um beijo no seu coração,
Nelson Jonas Ramos de Oliveira
(inspirado no filme "A Vila")