"Como todo mundo, quando eu era jovem, sonhava com o samadhi — conta Arnaud Desjardins — Depois, entendi que o mais importante não é tentar ir tão alto, senão não cair tão fundo. Deixei de sonhar com os estados alterados de consciência e, no lugar disso, desejava que em meus piores estados de ânimo (medo, ira, todo tipo de debilidade), não caísse tão profundo".
A desilusão na vida espiritual é o desmantelamento de todas as ilusões. É uma lição de humildade na qual se descobre não só que a vida espiritual não é o que se acreditava e que a iluminação não é o que se pensava, senão também que o nível de realização não é o que você imaginava e que nem sequer você mesmo é quem imaginava. A desilusão não é "má" ou "negativa", mas sim o processo necessário e inevitável de desmantelar o aferramento do ego.
A partir de uma perspectiva, toda vida espiritual é um processo de desilusão: cada bolha inflada do ego que explode é desilusão; cada idéia a respeito da iluminação que se mostra vazia é desilusão; cada falsa suposição a respeito da própria iluminação que que faz manifesta é desilusão. Na realidade, cada realização compartilhada pelos instrutores neste livro poderia se dizer que é um descrição dos frutos da desilusão. Deveríamos nos considerar afortunados se nos desiludimos por incontável vezes no caminho espiritual, pois de outro modo permanecemos prisioneiros da irrealidade e vivemos e morremos sob o mesmo feitiço da ilusão que tem hipnotizado todo mundo dormente, incluindo seus pseudomestres e seus pseudoestudantes.
A Sadhana da Desilusão é a prática de abrir-se continuamente à realização aprofundante de que as coisas não são o que parecem. Isto é já a Sadhana, é a prática espiritual. A desilusão é o caminho que tem seguido todos os santos, mestres e praticantes. Descobrindo o processo de desilusão, Ray Bradbury sugere: "O primeiro que se aprende na vida é que você é um tonto. O último que se aprende é que você é o mesmo tonto. Às vezes acredito que entendo de tudo. Logo, volto a ser consciente". (Ray Bradbury - Caminho com Coração - 1999)
Os amplos e sublimes ensinamentos de São João da Cruz tem muito o que oferecer no que diz respeito a compreensão e a valorização da desilusão. Seus escritos A noite escura da alma incluem várias descrições do processo lento e do constante polir em que se revelam os distintos níveis da ilusão.
Assim como a escada tem degraus para que os homens possam subir, os tem também para que possam descer; é semelhante a esta secreta contemplação, pois as mesmas comunicações que produzem a ascensão da alma até Deus humilham esta diante de si mesma. Pois as comunicações que procedem de Deus possuem esta propriedade, que ao mesmo tempo humilha a alma e a exalta. Porque, neste caminho, ir até embaixo e ir até acima e ir acima e ir para baixo, pois quem se humilha é exaltado e quem se exalta é humilhado...(São João da Cruz - A Noite escura da Alma)
A verdadeira vida espiritual é para poucos. Muitos buscadores são autênticos e se esforçam, mas a confrontação com o ego que se exige é mais do que a maioria das pessoas está disposta a suportar ou é capaz de fazer. A desilusão não é uma sadhana com a qual muitos se envolvem voluntariamente, a menos que a força de sua convicção interior para fazer o que for necessário lhes impulsione a isso. Porém, os indivíduos que resistem à desilusão tampouco tem saboreado de seus frutos. Se alguém quer a Realidade, a Verdade, Deus, então, quer a desilusão, pois não há outro caminho.
Mariana Caplan
Fonte: A Metade do Caminho - A Falácia da Iluminação Prematura - Mariana Caplan - Editorial Kairós