Crer é algo penúltimo – saber é último.
É necessário crer, mas é insuficiente crer.
Ninguém pode saber sem que primeiro creia. Ninguém pode
dar o último passo sem passar pelo penúltimo.
Se for difícil para o homem inteligente crer – dificílimo
é para o homem crente saber.
O simples entender ou inteligir mental é a vida ideal do
ego; é nessa zona da ciência intelectual que o homem profano vive e se diverte
habitualmente, e nessa zona pode a personalidade luciférica celebrar os seus
maiores triunfos, pode chegar mesmo ao mais intenso satanismo anti-espiritual,
se quiser.
Esse simples inteligir mental é perfeitamente compatível
com o não crer e, quando unilateral, leva mesmo à descrença total.
Com o despontar da crença, do crer volitivo, começa uma
espécie de agonia para o orgulhoso inteligir mental, porque este se vê obrigado
a aceitar algo que ele não pode analisar cientificamente, o que é humilhante
para o intelecto.
Mas essa agonia não termina em morte total do ego. Essa
morte total só se dá com a transição do ‘crer’ para o ‘saber’.
O ‘sapiente’ morreu tanto para a inteligência como para a
crença. Deixou de ser um inteligente e deixou de ser um crente. A sua sapiência
experiencial da Suprema Realidade devorou todas as irrealidades e
semi-realidades inferiores, do plano ‘inteligir’ e do ‘crer’.
Esse homem é um grande ‘liberto’, um verdadeiro ‘redento’,
redimido da velha escravidão do mundo dos objetos em que se movem os
inteligentes e os crentes. Esse homem deixou de ser ‘profano’, e se tornou ‘iniciado’,
o que não quer dizer que seja um homem plenamente ‘realizado’. Iniciado é
aquele que fez um início, isto é, que abandonou os seus ziguezagues oscilantes
e incertos e pôs o pé no princípio de uma linha reta que o levará rumo ao seu
destino final.
Muitos são os profanos.
Poucos os iniciados.
Pouquíssimos os realizados.
Por que é tão difícil passar do ‘inteligir’ para o ‘crer’
e do ‘crer’ para o ‘saber’?
Porque o ‘inteligir’, ou entender mental, é terreno
batido, conhecido e firme – ao passo que o ‘crer’ é terreno misterioso, incerto
– e o ‘saber’ é um mundo totalmente ignoto para a maior parte dos homens, mesmo
os crentes. Ora, a lei da conservação exige que pisemos terreno conhecido e
garantido; do contrário, corremos perigo de deixarmos de existir. Não sacrificar
o certo pelo incerto – é imperativo categórico da biologia em todos os setores
da vida.
Se não houvesse, nas profundezas da natureza humana, algo
que nos garantisse a existência para além das fronteiras do inteligir, não cruzaria
o homem essa perigosa fronteira mental.
O profano não é ainda concebido.
O crente é concebido, porém não nascido; apenas
nascituro.
O sapiente é nascido, um pleninato.
A fé, o crer, é uma ponte misteriosa entre um mundo
conhecido e um mundo desconhecido; é uma visão longínqua da Suprema e Única
Realidade; é a voz da nossa origem, o eco do Infinito dentro do nosso finito.
Sendo o homem essencialmente divino – embora a consciência
da sua divindade se ache, por ora, em estado potencial de latência – pode a voz
do Supremo acordar nele o eco ou a reminiscência
da sua origem divina. Quando o homem escuta em si essa voz de Deus, que é a voz
do seu verdadeiro Eu, então ele crê, tem fé. E esse crer é o primeiro passo
para o saber.
Que falta ao crer para culminar em saber?
Falta o mais apertado de todos os caminhos, falta a mais
estreita de todas as portas – falta que o homem passe pelo “fundo da agulha”,
despojando-se de tudo que ele ‘tem’ e ficando só com aquilo que ele ‘é’.
Esse desnudo SER, livre de todas as impurezas do TER, é
que é o passo mortífero que leva à vida eterna.
Todo homem que passa por essa morte mística entra na vida
eterna.
Todo homem que se recusa a passar por essa morte mística,
cai vítima da morte eterna...
Huberto Rohden, “O Sermão da Montanha” (do capítulo “Estreita
é a porta e apertado o caminho que conduzem à vida eterna”)