Aviso aos navegantes

Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

23 de fevereiro de 2012

Algumas falas do filme Waking Life

- Alto lá, marujo! Está preparado para pegar o caminho mais longo? Precisa de uma carona? 
- Estava esperando um táxi, mas...
- Está bem. Não perca o barco.
- Obrigado.
- Não há de quê. Içar âncoras! O que acha do meu barco?
- Ele vale pela vista. 
- V-I-S-T-A. Para se ver com os olhos.Meu meio de transporte deve refletir a minha personalidade. Voilà! Esta é a minha janela para o mundo. A cada minuto, um novo espetáculo. Posso não compreendê-lo ou concordar com ele mas eu o aceito e acompanho a maré. Siga com a corrente. O mar jamais rejeita um rio. A idéia é manter-se em um estado de partida, mesmo ao chegar. Economiza-se em apresentações e em despedidas. A viagem não requer explicações, apenas passageiros. É aí que entram vocês. É como se chegássemos ao planeta com uma caixa de lápis de cera. Pode-se ganhar a caixa de 8, ou a de 16... mas o segredo é o que você faz com eles e as cores que lhe foram dadas. Não se preocupe em colorir somente dentro das linhas. Pinte por fora das linhas e fora da página! Não queira me limitar! Nos movemos com o oceano. Não estamos ancorados! Onde vai querer descer?
- Quem, eu? Sou o primeiro? Não sei. Qualquer lugar está bom.
- Apenas me dê um endereço, alguma coisa, está bem?
- Faça o seguinte. Suba mais três ruas. Vire à direita. Mais 2 quarteirões. Deixe-o na próxima esquina.
- Onde é isso?
- Não sei, mas é algum lugar. E determinará o desenrolar do resto de sua vida. Hora de desembarcar!

(...)

Me recuso a ver o Existencialismo como apenas mais um modismo ou uma curiosidade histórica a oferecer no novo século. Acho que estamos perdendo as virtudes de vivermos apaixonadamente de assumirmos a responsabilidade por quem somos, de tentarmos realizar algo e nos sentirmos bem em relação à vida. O Existencialismo é, às vezes, visto como uma filosofia do desespero, mas eu penso que ele é o contrário. Sartre disse, certa vez, que nunca teve um dia de desespero em sua vida. O que esses pensadores nos ensinam, exuberância de sensações. Como se sua vida fosse a sua obra a ser criada. Eu li os pós-modernos com interesse, com admiração até. Mas sempre tenho uma péssima e incômoda sensação de que algo essencial está sendo deixado de fora. Quanto mais se fala sobre o ser humano como um construto social ou uma confluência de forças ou como fragmentado, ou marginalizado, abre-se todo um novo universo de desculpas. Quando Sartre fala de responsabilidade, não é abstrato. Não se trata do tipo de eu ou de alma de que falam os teólogos. É algo concreto. Somos nós, falando, tomando decisões e assumindo as conseqüências. Há seis bilhões de pessoas no mundo, é verdade. No entanto, suas ações fazem diferença. Servem de exemplo. A mensagem é: não devemos jamais nos eximir e nos vermos como vítimas de várias forças. Quem nós somos é sempre uma decisão nossa. 

(...)
A criação vem da imperfeição. Parece ter vindo de um anseio e de uma frustração. É daí, eu acho, que veio a linguagem. Quero dizer, veio do nosso desejo de transcender o nosso isolamento e de estabelecer ligações uns com os outros. Devia ser fácil quando era só uma questão de mera sobrevivência. "Água". Criamos um som para isso. "Tigre atrás de você!" Criamos um som para isso. Mas fica realmente interessante, eu acho quando usamos esse mesmo sistema de símbolos para comunicar tudo de abstrato e intangível que vivenciamos. O que é "frustração"? Ou o que é "raiva" ou "amor"? Quando eu digo "amor" o som sai da minha boca e atinge o ouvido de outra pessoa, viaja através de um canal labiríntico em seu cérebro, através das memórias de amor ou de falta de amor. O outro diz que compreende, mas como sei disso? As palavras são inertes. São apenas símbolos. Estão mortas. Sabe? E tanto da nossa experiência é intangível. E, ainda assim, quando nos comunicamos uns com os outros e sentimos ter feito uma ligação, e termos sido compreendidos, acho que temos uma sensação quase como uma comunhão espiritual. Essa sensação pode ser transitória, mas é para isso que vivemos.

(...)
Estuda-se o desenvolvimento humano pela evolução do organismo e sua interação ambiental. A evolução do organismo começa com a evolução através do hominídeo até a evolução do homem, o Neanderthal, o Cro-Magnon. Ora, o que temos aqui são três eixos. O biológico, o antropológico, o desenvolvimento das culturas e o cultural, que é a expressão humana. O que se viu foi a evolução de populações, não de indivíduos. Pense na escala temporal em questão. A vida tem dois bilhões de anos, o hominídeo, seis milhões. A humanidade, como a conhecemos hoje, tem 100 mil anos. Percebe como o paradigma evolutivo vai se estreitando? Quando se pensa na agricultura, na revolução científica e industrial são apenas 10 mil anos, 400 anos, 150 anos. Vê-se um estreitamento crescente da temporalidade evolutiva. À medida em que entramos na nova evolução ela se estreitará ao ponto em que a veremos no curso de uma vida. Há dois novos eixos evolutivos, vindos de dois tipos de informação. O digital e o analógico. O digital é a inteligência artificial. O analógico resulta da biologia molecular e da clonagem. Une-se os dois com a neurobiologia. Sob o antigo paradigma, um morreria, o outro dominaria. Sob o novo paradigma, eles existem como um grupamento cooperativo e não-competitivo, independente do meio externo. Assim, a evolução torna-se um processo individualmente centrado emanando do indivíduo, não um processo passivo onde o indivíduo está sujeito ao coletivo. Produz-se, então, um neo-humano com uma nova individualidade, uma nova consciência. Esse é apenas o começo do ciclo. À medida que ele se desenvolve, a fonte é esta nova inteligência. Enquanto as inteligências e as habilidades se sobrepõem a velocidade muda até atingir-se
um crescendo. Imagine, uma realização instantânea do potencial humano e neo-humano. Isso pode ser a amplificação do indivíduo, a multiplicação de existências individuais paralelas onde o indivíduo não mais estaria restrito pelo tempo e pelo espaço. E estas manifestações desta neo-humana evolução poderiam ser dramaticamente imprevisíveis. A antiga evolução é fria, é estéril. É eficiente. Suas manifestações são aquelas da adaptação social. Trata-se de parasitismo, dominação, moralidade, guerra, depredação. Essas coisas ficarão sujeitas à falta de ênfase e de evolução. O novo paradigma nos daria as marcas da verdade, da lealdade, da justiça e da liberdade. Estas seriam as manifestações desta evolução. Isso é o que nós esperamos. O homem autodestrutivo sente-se totalmente alienado e solitário. Ele é um excluído da comunidade. Ele diz para si mesmo: "Eu devo estar louco". O que ele não percebe é que a sociedade, assim como ele próprio tem um interesse em perdas consideráveis, em catástrofes. Guerras, fome, enchentes atendem a necessidades bem-definidas. O homem quer o caos. Na verdade, ele precisa disso. Depressão, conflitos, badernas, assassinatos. Toda essa miséria. Somos atraídos a esse estado quase orgiástico gerado pela destruição. Está em todos nós. Nos deliciamos com isso. A mídia forja um quadro triste, pintando-as como tragédias humanas. Mas a função da mídia não é a de eliminar os males do mundo. Ela nos induz a aceitar esses males e a nos acostumarmos a viver com eles. O sistema quer que sejamos observadores passivos.

(...)

Você tem um fósforo? Eles não nos deram qualquer outra opção, à exceção do ato participativo ocasional e puramente simbólico do "voto". Você prefere o fantoche da direita ou o fantoche da esquerda? É chegado o momento de eu projetar minhas inadequações e insatisfações nos esquemas sociopolítico e científico. Deixar que minha própria falta de voz seja ouvida. 

(...)

Não me sai da cabeça algo que você me disse.
- Algo que eu disse?
- É. Sobre a sensação de que você observa a sua vida da perspectiva de uma velha à beira da morte. Lembra? Ainda me sinto assim, às vezes. Como se visse minha vida atrás de mim. Como se minha vida desperta fossem lembranças. Exatamente. Ouvi dizer que Tim Leary, quando estava morrendo, disse que olhava para seu corpo que estava morto, mas seu cérebro estava vivo. Aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral depois que tudo se apaga. Um segundo nos sonhos é infinitamente mais longo do que na vida desperta.
- Entende?
- Claro.
- Tipo, eu acordo às 10:12h. Então, eu volto a dormir e tenho sonhos longos, complexos, que parecem durar horas. Aí eu acordo e são 10:13h. Exato. Então aqueles 6 a 12 minutos de atividade cerebral podem ser a sua vida inteira. Você é aquela velha, olhando para trás e vendo tudo. Se eu sou, o que você seria nisso? O que eu sou agora. Quero dizer, talvez eu só exista na sua mente. Eu sou apenas tão real quanto qualquer outra coisa. Andei pensando sobre algo que você disse. Sobre reencarnação, e de onde todas as novas almas vêm ao longo do tempo. Todo mundo sempre diz ser a reencarnação de Cleópatra ou de Alexandre, o Grande. Não passam de bestas quadradas, como todo mundo. Quer dizer, é impossível. A população mundial duplicou nos últimos 40 anos. Então, se você acredita nessa história egóica de ter uma alma eterna há 50% de chance da sua alma ter mais de 40 anos. Para que ela tenha mais de 150 anos, é uma chance em seis. 
- Está dizendo que reencarnação não existe? Ou somos todos almas jovens? Metade de nós é de humanos de primeira viagem? O que você está...?
- Quero dizer...
- Aonde você quer chegar?
- Eu acredito que a reencarnação é uma expressão poética do que é a memória coletiva. Eu li um artigo de um bioquímico, não faz muito tempo. Ele dizia que, quando um membro de uma espécie nasce ele tem um bilhão de anos de memória para usar. É assim que herdamos nossos instintos. Eu gosto disso. É como se houvesse uma ordem telepática da qual nós fazemos parte conscientes ou não. Isso explicaria os saltos aparentemente espontâneos, universais e inovadores na ciência e na arte. Como os mesmos resultados surgindo em toda parte, independentemente. Um cara num computador descobre algo e, simultaneamente várias outras pessoas descobrem a mesma coisa. Houve um estudo em que isolaram um grupo por um tempo e monitoraram suas habilidades em fazer palavras cruzadas em relação à população em geral. Então, deram-lhes um jogo da véspera, que as pessoas já tinham respondido. A sua pontuação subiu dramaticamente. Tipo 20%. É como se, uma vez que as respostas estão no ar, pudessem ser pescadas. É como se estivéssemos partilhando nossas experiências telepaticamente. 
(...)

Na visão de mundo atual, a Ciência tomou o lugar de Deus mas alguns problemas filosóficos ainda nos perturbam. Livre-arbítrio, por exemplo. Esse problema está na praça desde Aristóteles, em 350 a.C. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino questionavam "como sermos livres se Deus já sabe tudo o que iremos fazer?" Hoje, sabemos que o mundo é regido por leis físicas fundamentais. Essas leis regem o comportamento de cada objeto do mundo. Como essas leis são confiáveis, elas viabilizam avanços tecnológicos. Nós somos sistemas físicos. Arranjos complexos de carbono e de água. Nosso comportamento não é exceção a essas leis. Logo, se é Deus programando isto de antemão e sabendo de tudo ou se são leis físicas nos governando, não há muito espaço para a liberdade. Pode-se querer ignorar o mistério do livre-arbítrio. Dizer: "É uma anedota histórica, uma inconsistência. É uma pergunta sem resposta. Esqueça isso." Mas a pergunta permanece. Quanto a individualidade, quem você é se baseia nas livres escolhas que faz. Ou pelas quais se responsabiliza. Só se é responsabilizado, ou admirado, ou respeitado pelas coisas que se faz pela própria escolha. A pergunta retorna sem cessar e não temos uma solução. Decisões podem parecer charadas. Imagine só. Há atividade elétrica no cérebro. Os neurônios disparam enviando um sinal através dos nervos até os músculos. Estes se contraem mas cada parte desse processo é governada por leis físicas, químicas, elétricas etc. Parece que o Big Bang causou as condições iniciais e todo o resto da História humana é a reação de partículas subatômicas às leis básicas da física. Nós achamos que somos especiais, que temos alguma dignidade. Isso agora está ameaçado. Está sendo desafiado por este quadro. Você pode dizer: "E quanto à mecânica quântica? Conheço o bastante para saber que é uma teoria probabilística. É frouxa, não é determinista. Permite entender o livre-arbítrio." Mas, se olharmos detalhadamente, isso não ajudará porque há as partículas quânticas e o seu comportamento é aleatório. Elas são meio transgressoras. Seu comportamento é absurdo e imprevisível. Não podemos estudá-lo com base no que ocorreu antes. Ele tem um enquadre probabilístico. Será a liberdade apenas uma questão de probabilidade? Aleatoriedade em um sistema caótico? Eu prefiro ser uma engrenagem em uma máquina física e determinista que uma transgressão aleatória. Não podemos ignorar o problema. Temos que incluir pessoas nesta perspectiva. Não apenas corpos, mas pessoas. Há a questão da liberdade espaço para escolha, responsabilidade e para entender a individualidade. 
(continua)
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