Às vezes, uma visita inesperada traz mais aborrecimentos
do que momentos agradáveis porque somos pegos desprevenidos. Mesmo assim,
abrimos a porta de nossa casa, convidamos a se sentar e oferecemos o que temos
disponível: um cafezinho com bolachas.
Na mercearia perto de casa, enquanto eu comprava uns
recheios de sanduíche, uma senhorinha idosa e que mora sozinha, pediu dois
pacotinhos de patê e comentou:
—
Uma velha amiga foi me visitar ontem. Eu
só tinha um saquinho deste patê. Fiz e servi. Ela comeu quase tudo.
—
Bom... e agora a senhora está comprando
dois... ela vai visitá-la novamente? Emendei em tom amistoso.
Ela me respondeu, brava e severamente:
— Tomara
que não!
A gratificação em acolher um visitante na própria casa
estaria se extinguindo? Estará extinta a faculdade de compartilhar a companhia
de uma visita inesperada, em conversa despretensiosa, entremeada de bem-querer
indizível?
Fomos muito mal acostumados em oferecer, apenas, para
quem supomos obter algo em troca, enquanto negamos a oferta para quem tem dela precisão.
Construímos nossas personalidades através desta troca de moedas falsas.
Fomos mal habituados em tecer conjecturas sobre os
aspectos de caráter malicioso que podemos inferir de um gesto ao invés de
favorecermos a compreensão em considerações mais amorosas. Fica impossível
entremear com o mínimo de benquerença qualquer relação quando estamos tomados
por conjecturas sobre, tão somente, aspectos práticos e egóicos.
Enquanto prevalecer o pragmatismo em nós, ser-nos-á negada
a apreensão do significado inusitado da frase:
“Àquele que tem será acrescentado e terá em abundância,
mas àquele que não tem, mesmo o pouco que tem lhe será tomado”.
Pragmáticos, tenderemos a nos incapacitar a cada dia que
envelhecemos... tenderemos a envelhecer incapacitados... incapacitados em
comungar de uma conversa simplória, regada a cafezinho com bolachas.
LibaN RaaCh