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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

2 de fevereiro de 2012

Auto-conhecimento ou Ego-conhecimento? - Parte 5

AUTO-INVESTIGAÇÃO
RAMANA MAHARSHI
TÉCNICA DE MAHA-YOGA-VICHARA
QUEM SOU EU?


Instruções de Bhagavan Sri Ramana Maharshi - Tradução da versão revisada do original em Tamil publicada por T.N. Venkataraman, Presidente Sri Ramanasraman em Tituvannamalai em 1957)

CAPÍTULO 8

Libertação


Este capítulo ensina que a Libertação só poderá ser obtida através da constante e prolongada meditação no Ser sob o aspecto de "Sivoham", que significa "Eu sou o Supremo Espírito", o "Eu Real". As características do Jeevanmukta e Videhamukta são descritas. 

1 - Como o ser individual, que não é outro senão a mente, perdeu o conhecimento de sua verdadeira identidade com o Ser Real, e enredou-se na armadilha da escravidão dos sentidos, a sua procura pelo Ser — a sua eterna natureza original — assemelha-se a um pastor procurando uma ovelha que durante todo o tempo ele carrega despercebidamente nos ombros. Todavia, o ego, ignorante do Ser, mesmo depois de percebe-LO, não consegue imediatamente a Libertação, ou seja, a Auto-Realização, devido às obstruções de tendências mentais acumuladas. Ele ainda amiúde confunde o corpo com o Ser, esquecendo-se da sua natureza real. 

As tendências de há muito cultivadas só serão erradicadas pela contínua e prolongada meditação "Eu não sou o corpo, os sentidos, a mente, etc., Eu sou o Ser". O ego, portanto, que é a mente e nada mais do que uma trouxa de tendências, e que confunde o corpo com o "EU", deve ser subjugado. Assim, depois de prolongada adoração devocional do Ser divino — o verdadeiro Ser de todos os deuses — deve ser atingido o Estado de Libertação suprema conhecido como Auto-Realização. Esta auto-investigação aniquila a mente, e é ela própria finalmente destruída, do mesmo modo como uma vara usada para atiçar o fogo das piras funerárias queima-se ela também por fim. Este é o estado de Libertação. Ser, Sabedoria, Conhecimento, Consciência, o Absoluto e Deus significam o mesmo. 

2 - Pode um homem tornar-se um alto dignatário somente por ter visto, de certa feita, um deles? Ele poderá eventualmente tornar-se um, se empenhar-se e equipar-se adequadamente para o encargo. Similarmente, pode o ego, como mente, que está sob o jugo da escravidão, tornar-se o divino Ser simplesmente por que se apercebeu vaga e ligeiramente de que é o Ser? Não é isto impossível sem a destruição da mente? Pode um mendigo tornar-se um rei meramente por visitá-lo e declarar-se rei? Da mesma forma, a não ser que o cativeiro da mente seja destruído pela prolongada e ininterrupta meditação "Eu sou o Ser, o Absoluto", é impossível atingir o Estado Transcendental da bem-Aventurança, que é idêntico à destruição da mente. O Ser é o Absoluto e o Absoluto é o Ser. O Ser é exclusivamente o Absoluto. Aquilo mesmo que quando coberto pela casca é o grão, quando descascado torna-se o arroz. De modo similar, enquanto que sob o cativeiro da ação somos o ser individual, tão logo o véu da ilusão do ego é removido brilhamos como o Absoluto. Assim, proclamam as Escrituras que aduzem: "A mente deve ser compelida a permanecer dentro do Coração até que o sentido do ego, que irrompe como a mente ignorante, seja destruído ali. Isto é Sabedoria e Meditação também. Tudo o mais é mero palavrório e pedantaria". E em harmonia com estas palavras finais, deve-se fixar a mente n'ELE, ser consciente d'ELE e realizá-LO com o máximo de empenho possível. 

3 - Exatamente como um ator brâmane, qualquer que seja o papel que esteja desempenhando, um homem não deve confundir-se com o seu corpo, mas sim ter uma firme convicção de que é o Ser, seja qual for a sua atividade. Isto será manifesto logo que a mente se absorva em seu próprio estado original. Tal absorção conduz à Suprema Bem-Aventurança, quando o Ser revela-se espontaneamente. Então não mais seremos afetados pela prazer e pela dor, os quais resultam do contato com os objetos externos. Tudo será percebido sem apego como em um sonho. Pensamentos tais como "É isto ou aquilo bom?", "deve isto ou aquilo ser feito ?" não devem ser permitidos surgir. Assim que um pensamento brote deve ser aniquilado pela raiz. Se permitidos, mesmo por um pequeno instante, eles deitarão o indivíduo de cabeça ao chão como traiçoeiro amigo. 

Pode a mente, fixa em seu estado original, possuir sentido do ego ou ter problema a resolver? Esses pensamentos não são em si próprios escravidão? Consequentemente, quando esses pensamentos surgirem, como efeito de tendencias passadas, a mente deve não só ser sofreada e revertida ao seu Estado real, mas, também, ser compelida a permanecer imperturbável e indiferente aos acontecimentos exteriores. Não é devido ao esquecimento do Ser que tais pensamentos surgem e causam mais e mais misérias? Posto que o pensamento discriminativo "Eu não sou o agente, as ações são meras reações do corpo, dos sentidos e da mente", seja uma ajuda para trazer a mente de volta ao seu estado original, todavia, a despeito disso, este também é um pensamento, embora necessário às mentes viciadas em excessivas reflexões. Por outro lado, pode a mente inabalável fixa no Ser divino, e que permanece inafetada, mesmo quando empenhada em atividades, entregar-se a pensamentos como "Eu sou o corpo, Eu estou empenhado em um trabalho", ou ainda ao pensamento discriminador "Eu não sou o agente destas atividades que são meras reações do corpo, dos sentidos e da mente?"" Gradualmente, deve-se por todos, os meios possíveis ser sempre consciente do Ser. Tudo é logrado se se tem sucesso nisto. Não se deve deixar a mente desviar-se para qualquer outro objeto. Devemos mergulhar no Ser sem o sentido de estarmos desempenhando qualquer papel, mesmo quando em trabalho trazido pelo destino, à semelhança de um louco. Não tem muitos devotos conseguido tanto com uma atitude indiferente às circunstâncias que os rodeiam, e com uma devoção deste jaez? 

4 - Como a qualidade da pureza é a natureza real da mente, a característica do espaço da mente é a claridade transparente como a do céu. Avivada pelos atributos intrínsecos à atividade a mente torna-se inquieta  , e influenciada pelas trevas manifesta-se como mundo físico. A mente tornada irrequieta por um lado, e aparecendo como matéria sólida por outro, não discerne a Realidade. Assim como os delicados fios de seda não podem ser tecidos usando-se uma lançadeira de ferro pesada, ou as delicadas nunces de uma obra de arte serem apreciadas à luz de um candeeiro agitado pelo vento, a Realização da Verdade é impossível com a mente que se tornou empedernida pelas trevas e agitada pela atividade. A Verdade é extremamente sutil e serena, e a mente só será escoimada de suas impurezas pelo desempenho dos deveres com desprendimento em várias encarnações e conseguindo-se um Mestre de valor, aprendendo-se com ele e praticando-se incessantemente a meditação no Supremo. A transformação da mente no mundo da matéria inerte, causada pelos atributos das trevas, e a sua turbulência, oriunda da qualidade da atividade, cessarão. A mente, então, adquirirá a sua sutileza e compostura. A Bem-Aventurança do Ser só pode manifestar-se em uma mente tornada sutil e firme, através de assídua meditação. Aquele que experimentar essa Bem-Aventurança é libertado mesmo enquanto vivo em um corpo material. 

5 - Ao despirmos a mente dos atributos das trevas e da atividade através da meditação constante, a Bem-Aventurança do Ser manifestar-se-á claramente dentro da mente sutil. Os iogues adquirem onisciência por meio dessa expansão da mente. Somente aquele que logrou atingir tal sutileza da mente, e conseguiu a Realização do Ser, é liberado em vida. Esse mesmo estado é descrito na Rama Gita¹ como Brahman, além dos atributos, o único Espírito Universal indiferenciado. Aquele que atingiu o Estado Eterno imperturbável, além mesmo desse estado e que transcende à mente e às palavras, é chamado Videhamukta, isto é, quando a mente sutil descrita acima é destruída, a experiência de Bem-Aventurança também cessa. O ego é afogado e dissolvido no Oceano insondável da Bem-Aventurança e nada mais percebe em separado. Não há nada além disso. É a finalidade última. 

6 - Na medida em que se permanece no Ser, a experiência "Eu Sou o Supremo Espírito" intensifica-se e torna-se natural. A turbulência da mente e o pensamento mundano, no devido tempo, extinguem-se. Como a experiência não é possível sem a mente, a Realização se dá com a mente sutil. Uma vez que Videhamukti implica na completa dissolução da mente sutil, este Estado está além da experiência. É o estado transcendental. "Eu não sou o corpo. Eu sou o puro Espírito", é a experiência indubitável do Jeevanmukta, o que é liberto enquanto ainda vivo. Entretanto, se a mente não for totalmente destruída, há a possibilidade de ele se tornar aparentemente infeliz em sua associação acidental com os objetos mundanos decretada pelo seu destino². Pode até parecer ao expectador não haver ele realizado a imperturbável Bem-Aventurança eterna, porque sua mente é tida como agitada. Todavia, a Bem-Aventurança da Libertação na vida só é possível à mente que foi tornada sutil e serena graças à longa e continuada meditação. 
__________
¹ - Livro sacro indiano transmitido da antiguidade
² - Prarabdha, no original. Significa os frutos acumulados das ações de existência anterior e que estão sendo colhidos no atual. 
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