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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

31 de março de 2012

Abençoada Crise Iniciática


(...) Há mais de dezessete anos, vivi silenciosamente, por cerca de dois meses, um intenso inverno emocional, a dor indescritível da depressão. A tentativa desesperadora de superar esse intenso inverno emocional me estimulou a me interiorizar.

O humor deprimido, a ansiedade, a perda de energia biopsíquica, a insônia, a perda do sentido existencial, os pensamentos de conteúdo nega­tivo, os pensamentos antecipatórios, associados a outros sintomas torna­ram-se o cenário da minha depressão. Não vou entrar em detalhes sobre este período existencial nem sobre as causas da minha depressão, pois não é esse o objetivo deste livro. Porém, quero dizer que minha crise depressiva se tornou uma das mais belas e importantes ferramentas para me interiorizar e me estimular a procurar as origens dos meus pensamentos de conteúdo negativo e as origens da transformação da minha energia emocional depressiva.

Em síntese, a dor da depressão, que considero o último estágio da dor humana, me conduziu a ser um pensador da Psicologia e da Filosofia. Ela me levou não apenas a repensar minha trajetória existencial e expandir a minha maneira de ver a vida e reagir ao mundo, mas também me estimu­lou a iniciar uma pesquisa sobre o funcionamento da mente, a natureza dos pensamentos e os processos de construção da inteligência. O processo de interiorização foi uma tentativa desesperadora de tentar me explicar e de superar minha miséria emocional.

Para muitos, a dor é um fator de destruição; para outros, ela destila sabedoria, é um fator de crescimento. Ninguém que deseja conquistar ma­turidade em sua inteligência, adquirir sabedoria intelectual e tornar-se um pensador e um poeta da existência pode se furtar de usar suas dores, per­das e frustrações que, às vezes, são imprevisíveis e inevitáveis, como alicer­ces de crescimento humano.

Procurei, apesar de todas as minhas limitações, investigar, analisar e criticar empiricamente os fundamentos dos postulados biológicos da de­pressão, a psicodinâmica da construção dos pensamentos de conteúdo ne­gativo, os processos da transformação da energia emocional depressiva etc. Esse caminho, no começo, foi um salto no escuro da minha mente, um mergulho no caos intelectual, que desmoronou os conceitos e paradigmas de vida. Esse mergulho interior me ajudou a reorganizar o caos emocional, a dor da minha alma. Contudo, no início, me envolvi mais num caldeirão de dúvidas do que de soluções. Porém, foi um bom começo.

O caos emocional da depressão, se bem trabalhado, não é um fim em si mesmo, mas um precioso estágio em que se expandem os horizontes da vida. Eu nunca havia percebido que, embora produzisse muitas idéias, co­nhecia muito pouco o mundo das idéias, a construção dos pensamentos e o processo de transformação da energia emocional.

Muitos psiquiatras não têm idéia da dramaticidade da dor da depressão e das dificuldades de gerenciamento dos pensamentos negativos que a pro­movem. Entretanto, o eu pode administrá-los e, conseqüentemente, resolvê-la. Costumo dizer que se o eu der as costas para a depressão e para os mecanismos subjacentes que a envolvem, ela se torna um monstro insupe­rável, mas se a enfrentarmos com crítica e inteligência, ela se torna uma doença fácil de ser superada. No capítulo sobre o gerenciamento do eu este assunto ficará claro.

Meu inverno emocional gerou uma bela primavera de vida, pois esti­mulou-me a sair da superfície intelectual, da condição de ser um passante existencial, de alguém que passa pela vida e não cria raízes dentro de si mesmo, para alguém que conseguiu se encantar com o espetáculo da cons­trução de pensamentos.

Não há gigantes no território da emoção. Todos passamos por períodos dolorosos. Ninguém consegue controlar todas as variáveis dentro e fora de si. Por isso, a vida humana é sinuosa, turbulenta e bela. A sabedoria de um homem não está em não errar, chorar, se angustiar e se fragilizar, mas em usar seu sofrimento como alicerce de sua maturidade.

Augusto Cury - Inteligência Multifocal
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