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Este blog é apenas uma voz que clama no deserto deste mundo dolorosamente atribulado; há outros e em muitos países. Sua mensagem é simples, porém sutil. É uma espécie de flecha literária lançada ao acaso, mas é guiada por mãos superiores às nossas. À você cabe saber separar o joio do trigo...

26 de março de 2012

Educação e a responsabilidade social - Eduardo Marinho



Eduardo Marinho: Olha eu não tenho nada programado não; a idéia é essa ai. Estou esperando as perguntas, você vão ter que fazer essa palestra. Não tem dúvida não? Alguma pergunta? Ficou várias coisas pela metade ali. Na hora que eu falei "raiva", ela tinha me perguntado assim: "O que que você sente quando você olha para a nossa política?" Ela fez uma boa pergunta. Tem várias coisas ali que ficou só um pedaço.

Eu não acho que eu tenha feito algo que tenha merecimento, não; eu fiz por uma necessidade interna. Na verdade, eu não sabia o que é que eu estava procurando, o que aconteceu é que eu olhava pra vida e todas as opções que eu via na minha frente pareciam furadas. As pessoas diziam que era isso que tinha e eu falava: "Não é possível! Tem que ter alguma outra coisa!... Não é possível que a gente nasce para constituir matrimônio... A gente não leva!... A gente está de passagem!"

Uma pergunta que eu faço para colocar as pessoas para pensarem é "Qual o contrário de morte?" Eu sei que é uma pergunta forte, meio baixo astral...  É uma pergunta natural que talvez a gente entre. A resposta mais comum, é vida. A morte é um momento, a vida é um espaço de tempo. A morte é a porta de saída, a porta de entrada é o nascimento. Então a gente tem a entrada, a passagem e a saída... A gente está de passagem...

Quando meu pai me perguntou, nos últimos papos que eu tive com ele... Ele estava lá, nervoso...

— Pô! Afinal de contas o que é que você quer da vida? 

— Tudo que eu puder levar!

Ele parou; me olhou:

— Você está com problema!...Você precisa de ajuda! 

E eu fiz a Via Cruzis... Eu fui num psicólogo até o cara falar que "Não! Ele não pode estar equilibrado, não!"... Depois eu fui num psiquiatra e ai o psiquiatra falou: "Não, ele não está doido não!"... Ai me levaram num padre, porque eu só podia estar endemoniado. Então o padre pediu para ficar sozinho comigo e daqui há pouco ele falou que estava tudo certo, que aquilo era um heroísmo, que a minha vida ia ser muito difícil, mas muito bonita e tal... E quando eu sai dali, ninguém acreditou.... 

— "É mentira sua!"

E ai, cortaram as relações comigo e eu fiquei sem contato com os meus pais, tive filhos, eles cresceram e  não conheceram minha família. Isso, pode ser tido como uma lástima mas, na verdade, me ofereceu a oportunidade de experiências incríveis, porque eu não tinha para quem pedir socorro. Então, quando o "bicho pegava", eu tinha que resolver... Como a gente fala no Rio, quem tinha que desenrolar era eu mesmo. Eu já fui preso chegando na cidade!  Nem, sabia por que eu estava sendo preso. E eu tinha que conversar com o delegado....

Bom, tá gastando! Ninguém tem pergunta a respeito? Uma? Pô! Tanta gente!...

Acadêmico: Acho que só pra gente começar a conversar, então: como é que foi essa tua vivência da educação, no processo de educação que a gente viu  no vídeo, principalmente tua posição, e como tu enxerga isso, Eduardo, com relação realmente a função social, graduação, enfim, e a função social desse ensino que tivemos? 

Eduardo: Bom! Eu, não terminei a Faculdade, mas estudei em colégios muito bons: colégio militar, colégio marista... Então, eu tinha uma bagagem de conhecimento muito boas, só que eu nunca vi isso como superioridade, mas como responsabilidade: eu sei mais do que a maioria, então eu tenho uma responsabilidade com essa maioria; vou levar esse conhecimento onde eu for! Eu vou dizer para todo mundo! Porque, na verdade, quando eu sai do exército, que é o melhor ensino médio do Brasil e fui fazer o cursinho pré-vestibular, eu convivi com pessoas que estudavam no ensino público e eu achava que eles estavam de sacanagem quando eles não sabiam nada! E um deles, uma vez, me trouxe uma prova do ensino público, do terceiro ano... Eu achei que era mentira!... "Não, não é possível! Uma prova com essa superficialidade, não é possível! Você está brincando! Não é assim!"... Ai eu comecei a perceber que o ensino público é uma sabotagem!... As pessoas falam que o ensino é ruim porque os políticos são incompetentes; eles não são incompetentes não! Eles são muito competentes. O problema é que o compromisso deles não é com o povo, não é com o povo: é com os financiadores de campanha. Os financiadores de campanha são pessoas privilegiadas, que necessitam, para manter seus privilégios, que o povo seja ignorante. Então, sabota-se o ensino público.

Eu estava olhando o período do Getúlio Vargas, quando ele fez aquela lei que obrigava toda criança de sete a quatorze anos a frequentar escola. Até então, a criança pobre não ia pra escola; era analfabeta. Talvez uma escolinha de fundo de igreja, que ensinasse a escrever alguma coisa, fazer uma conta, pra servir num balcão, mas nunca pra preparar realmente. E a escola pública ela se destinava a uma classe mais elevada, tanto que tinha concurso. Quando a rapaziada mais pobre começou a entra, porque não foi assim, a lei foi feita aqui e no ano seguinte está todo mundo dentro da escola... Foi aos pouquinhos! Os filhos da classe mais pobre começaram a entrar numa escola pública que tinha qualidade. E uma coisa que eu reparei convivendo lá nas periferias é que quando o menino chega da escola com uma novidade e começa a falar, a família para... A família pobre cerca o menino e fica ouvindo. Então, imagino que nessa época, a quantidade de filhos que vinham pra casa e começavam a explicar como a sociedade funcionava, o que que tinha aprendido na escola, foi muito grande. Eu acho que por isso, nessa época, o sindicalismo foi tão efervescente porque os pobres começaram a entender como funciona: 

— "Pera aí! Nós estamos sendo sacaneados! O Poder Público tem obrigação de cumprir com a Constituição e dar Educação de Qualidade!"... 

E começou a exigir, e começou a dar fruto, e começou a efervescência. E ai a nata dos empresários começou a ver aquilo com preocupação:

— Como é que sabota isso? Como é que para com isso? Esse povo está muito, está muito agitado!

Tanto que o João Goulart, que foi o último presidente democrático, ele deu 100% de aumento no salário mínimo, ele decretou a reforma agrária, desapropriando em torno das rodovias e das ferrovias federais e fez uma série de mudanças que atendiam as reivindicações das classes mais pobres. Não é atoa que derrubaram! Tinham que derrubar! E assim que os militares chegaram ao poder, a lei que cuida da carreira dos professores, não estou lembrando o nome, parou! O aumento salarial do professor, parou, a inflação comeu! Começou a pipocar um monte de escola particular, a rapaziada mais abastada começou a tirar seus filhos da escola pra não se misturarem, começou a botar na escola particular, a escola particular começou a pagar melhor. Os professores públicos passaram a ganhar pouco, começaram a passar para as escolas particulares e o que ficou na escola pública foi o resto. De 64 pra cá, gerações se passaram e o processo de sabotagem foi só aumentando. Hoje, o ensino público é uma ruína. A quantidade de professores que tem problema nervoso é enorme e as pessoas não se preocupam. O Governo agora está fazendo uma repressão encima dos professores, dizendo que a culpa do ensino ser ruim é dos professores. Eles estão sempre colocando a responsabilidade no lugar errado. Na verdade  , eu atribuo isso a uma estratégia:


Você quer controlar um povo? Sabota a educação e controla as comunicações!  Com a mídia privada você cria a desinformação completa! Você forma valores! A pessoa que é pobre se sente inferior; a pessoa que é abastada se sente superior. Isso é colocado no subconsciente... Você vê um cara que é endinheirado, se ele é bom de coração, ele trata com a educação, com benevolência, mas você sente que ele sente superioridade. É inconsciente. Assim como o cara que é mais pobre se sente inferior, inconscientemente. Ele disputa entre os pobres. No Rio eu vejo muito isso: o pobre aguenta ouvir de um rico, coisas que ele não aguenta ouvir de outro pobre; ele reage. Mas, se ele está diante do patrão dele, não reage; ele tem medo e se sente inferiorizado. É como se o cara tivesse mais direitos do que ele. Isso é colocado no inconsciente. Eu atribuo isso a uma estratégia mesmo de dominação. Por isso que a educação não é ruim porque os políticos são incompetentes; é ruim porque interessa ser ruim. Está bom pra você?

Acadêmica: Eduardo, eu sou uma acadêmica de psicologia, meu nome é Andrea. Num vídeo do seu blog, tem um professor que ele cita Fernando Pessoa, e ele diz a seguinte frase: "O indivíduo é o cadáver adiado". Eu queria saber o que você pensa sobre o indivíduo, sobre a questão de liberdade e de individualização.

Eduardo: Não tinha mais fácil, não?

Platéia: Te falei que vinha bomba!

Eduardo: Eu acho que o indivíduo e o coletivo, eles se assemelham. O que você vê no indivíduo, você vê na coletividade. É o micro dentro do macro. Você já reparou como o sistema solar parece um átomo? Eu acho que as coisas são encaixadas. As mesmas idiossincrasias que você vê no indivíduo, você vê na sociedade: esquizofrenia é o que mais tem! Não é? Bom: especifica aí! Cadê o microfone dela?

Acadêmica: É que é assim! Faz uma critica com relação ao sistema que a gente vive, o sistema social... Eu queria saber o que que tu pensa sobre a liberdade de expressão, sobre a liberdade do indivíduo, como se constrói isso, sobre a individualização, essa questão toda. O que tu pensa sobre isso?

Eduardo: Olha, liberdade de expressão a gente praticamente não tem, não é? A não ser no particular. Porque se você vai às redes de comunicação, você não tem liberdade nenhuma. Você tem liberdade de mentir. É o que a mídia reivindica: liberdade pra mentir. Você vai querer regular, vai querer botar algum organismo tomando conta, movimento social tomando conta da mídia, eles reagem na mesma hora: "Liberdade de expressão!" Só que eles mentem!... Uma coisa que me deixa pasmo é que essas TVs já foram flagradas, mentindo seriamente. Ao longo de décadas a gente vem vendo denúncias em cima de denúncias... Lembram das diretas já em São Paulo, que eles disseram que era uma comemoração de aniversário?... De lá pra cá tem um monte de mentiras e as pessoas continuam acreditando! E eles não sofrem a menor repressão! O que, para mim, é um sintoma de que eles estão instalados no poder, na sociedade. Na verdade, a cena política, para mim, é um teatro de marionetes. Tanto que eu já não fecho mais com aqueles movimentos que saem xingando político. Não brigo com boneco. Vamos denunciar quem está por cima dele, porque quem segura as cordinhas, fica no escuro! Quem segura as cordinhas, comanda os holofotes! Os holofotes são a mídia e a mídia mira nos bonecos. E as pessoas pensam que o político é responsável... Não! Isso é planejado pelo chefe dele, que é o cara que bota dinheiro na campanha! Se ele pisar fora da risca ele não tem mais dinheiro pra campanha! Então, a gente precisa parar de acreditar que o poder é político. Não é! O poder é econômico! Está atrás do mercado. O mercado é um nome genérico que esconde meia dúzia de famílias, que é quem domina o mercado. Tem alguns milhões de figurões que eles controlam, agora, quem domina mesmo, meia dúzia, no máximo dez famílias, estão dominando. E dominam aqui pra dentro porque pra fora eles se modernizam. Existem maiores ainda... O Grupo de Bilderberg... Alguém já pesquisou o Grupo de Bilderberg?... Está no Google!... É uma turminha da pesada! Que se reúne uma vez por ano e fecham a cidade, eles se reúnem e discutem as políticas públicas pros estados que eles vão impor aos estados, sob pena de reprimir o governo. Pra ai está a mídia! Pra ai está o dinheiro! Pra ai está o financiamento de campanha. O controle da sociedade é exercido pelo escuro, mas ele não é impossível de ser visto! Você só precisa desacreditar nas verdades que foram contadas, imutáveis... A gente é cercado de mentira por todos os lados!... O mundo não é o mercado. A humanidade é uma coletividade solidária, assumindo isso ou não. Todo mundo sofre os efeitos do comportamento coletivo. A vida não é uma competição, a vida é muito melhor quando você coopera. Competir é angustiante... Eu acho que nunca se tomou tanto anti-depressivo, porque as pessoas acreditam nisso, correm atrás e a partir de uma certa idade, perde o sentido! Dá uma angústia! Porque não é isso que se quer da vida!... Felicidade é consumir, é ter coisas, é ter luxos... É mentira! Felicidade é gostar e ser gostado! Felicidade é se relacionar bem com a coletividade! Felicidade é se sentir útil pra coletividade!... Mas eles plantam essas idéias!

A publicidade ela entra em todos os lugares... Você abre, acordou de manhã, lavou a cara, abriu o armarinho, tem um monte de marca na sua cara!... Você saiu do portão tem propaganda... Passa um táxi, um ônibus: publicidade! Ligou televisão: publicidade! Dentro do filme, dentro da novela, subliminares, o tempo todo a gente está sendo induzido! Se a gente está distraído, a gente adere à todos esses valores e são todos falsos! 

Uma coisa que me apavorou quando eu tinha dezenove anos — eu estava até falando com a Patrícia —,  quando eu tinha dezenove anos eu conheci uns velhinhos que eu percebi claramente nos olhos deles, a angústia de ter tido uma existência em vão! É um sentimento assim: "Poxa! Me enganaram e agora, não dá mais tempo!"... Eu fiquei apavorado!... "Ah! Eu não vou por ai! Não vou mesmo! Não sei por onde vou, mas por ai, não vou! Eu morro antes de chegar nessa idade, mas eu não vou chegar nessa idade desse jeito!"... Eu já tinha percebido que me enganavam quando eu estava no exército, que aquilo lá não defende porra nenhuma! Aquilo lá ataca o povo! Está pronto pra isso!  Depois eu fiquei sabendo que foi dinheiro do exterior que financiou a escola de oficiais do exército brasileiro, em Rezende, um cidadezinha que tinha 20.000 habitantes, antes disso era em Realengo, um bairro popularíssimo... Então, os caras se formavam indo às festas ali no bairro, se sentiam parte da população... Não é atoa, que até antes da segunda guerra mundial, todos os movimentos revolucionários tinham militares no meio. Depois da segunda guerra mundial, o Brasil subalternizado, o exército brasileiro subalternizado ao exército estadunidense, ai houve essa separação: a escola de oficiais vai pro meio do mato, fica isolado. Quando eu estive no exército, uma das primeiras coisas que eu ouvi é que militar não é parte da massa; o militar é superior à massa. O último grau do militar que é o soldado, ele é superior ao paisano. Na lista, que eles deram de hierarquia, por último, vem o paisano. Ele nem militar é, como é que vai ser subalterno? Mas isso é plantado no inconsciente do militar, ele acredita nisso, ele se sente assim! Entendeu? Tudo isso faz parte de uma estratégia de dominação da coletividade, que resulta em esvaziar a vida da gente. A gente vive a angústia da moda, porque acredita em valores falsos! Se a gente parar para refletir — outra atividade que é reprimida, a reflexão —... "Não reflita! Deixe que a gente reflete pra você!"... Eles colocam as reflexões, as explicações, as verdades, e se você pensa, o próprio meio social vai te reprimir... "Você não pode pensar assim não!"... Eu ouvi isso quantas vezes. "Menino, não se pergunta tanto assim não! Isso não se pensa! Ninguém sabe como é que é!"... Quer dizer: o questionamento real, ele é reprimido. Se você questionar como comprar um carro, como é que eu vou ganhar dinheiro, pra isso você é estimulado! Ai você vai esvaziar a sua vida. A partir de uma certa idade, você vai começar a ter uma angustia incrível, porque você vai começar a ter a sensação de que te engaram (isso se você tiver alguma capacidade reflexiva). Tem gente que passa boçal ai pela vida inteira e acha que é isso mesmo! Mas está rotulado se se tocar! Mas em geral, as pessoas tem que se reprimir: "Não: eu tenho que me adequar!"... As pessoas acreditam que tem um problema... Quantas vezes eu pensei que eu tinha alguma coisa errada?... "Eu tenho que ter alguma coisa errada! Só eu que penso assim! Só eu que me angustio! Só eu que não quero o que todo mundo quer!"... Foi a pergunta que eu ouvi do meu pai:

— Você pensa que é melhor do que os outros pra não se satisfazer com o que tudo mundo se satisfaz?

Quer dizer: você passa a ser discriminado. E, no entanto, você está tentando se aproximar da realidade, porque essa que é pesada pra gente, é toda falsa! Ela rompe as pregas no primeiro balanço. O problema é que ninguém ousa balançar; ou são poucos. Mas ela rompe, geral, é só prestar atenção que você vai ver que é tudo indução... os valores, os objetivos de vida, os desejos... Eu trabalho muito em favela, sabe, e eu vejo que o cara, o cara tem um filho na escola, ele sabe que a escola é uma porcaria, que o filho vai ter terminar o ensino médio e mal vai conseguir ler um texto, mas ele não reivindica esse direito constitucional que ele tem... Ele está sonhando com aquela marca no corpo dele pra ser visto socialmente, ele quer um celular de marca, um tênis de marca, uma roupa de marca, ele foi induzido a querer coisas de quem já tem seus direitos garantidos. Ele não luta pelos direitos, ele acha que isso mesmo... "Não, é sempre assim! É incompetência dos políticos!"... Ele acredita nesse monte de mentiras... Está bom pra você?

Acadêmico: Eduardo, retomando a a situação da palestra, "Educação e a responsabilidade social", tu fala com teu vídeo, fala continuamente, sobre a parte de competição. A gente está dentro de uma universidade, que a gente se diz comunitária, e a gente acaba que a formação, aqui dentro, a gente busca muito, são professores e acadêmicos com uma competitividade tão grande, um com o outro... É professor dizendo, dentro de sala de aula, que não adianta tu ajudar o do lado que ele vai ser o teu concorrente mais tarde, então, eu queria que tu desse uma conversada sobre isso assim, principalmente sobre essa parte de cooperativismo e da responsabilização  do ensino superior, dos acadêmicos que saem daqui, a quantidade de pessoas que tem lá fora e que não tem a oportunidade de ter um conhecimento que tem aqui dentro, a responsabilidade das pessoas que estão aqui e que tem esse conhecimento, de levar lá pra fora, de disseminar isso, disseminar esse conhecimento.

Eduardo: Olha, eu estive no Paraná, num evento chamado "A geografia dos excluídos e os excluídos da geografia", eu fiquei surpreso de encontrar lá, uma rapaziada... Eu vinha decepcionado com a Universidade há muito tempo... Houve um processo de dispolitização da estudantária... Eu peguei o finalzinho da ditadura, era muito divertido. Mas, de lá pra cá, as cabeças foram caindo, foram caindo e as pessoas foram ficando cada vez mais egoístas. Eu acho que esse é um processo induzido também. Todo mundo sendo inimigo, as pessoas não se unem. Isso interessa pra quem está lá em cima. Seja bom, seja melhor que os outros e eu te premio. Não é verdade? Aqui todo mundo já estudou às custas do povo, não é? Do povo! O sistema tributário no Brasil, ele está em cima do consumo, então, a carga maior é em cima da população. Aqui todo mundo está estudando às custas do povo. Agora, quem é que tem a intenção de levar esse conhecimento que busca aqui — e que é negado ao povo —, pra servir ao povo? Não existe essa mentalidade a não ser nas exceções e essas exceções sofrem: são discriminadas, são marginalizadas, muitas vezes, são até perseguidas. Mas, é o tal negócio: uma coisa é o que você julga ser o seu direito, uma coisa é o que é o direito legal, outra coisa é o que é o direito moral. Eu acho que, moralmente, todo mundo da universidade tem dívida com a maioria, porque a maioria, já nasce sabotada. Se você é filho de analfabeto sua escola vai ser uma porcaria. Se você é filho de pobre a sua escola vai ser uma porcaria. Você não vai a lugar nenhum com essa escola. Provavelmente você vai abandonar no meio do caminho. Se não me engano, o índice este ano está em 70% de abandono; a rapaziada que entra, 70% não sai, no ensino médio... Não termina... A escola expulsa as pessoas... A evasão escolar, dá a impressão que as pessoas abandonam a escola. Não! A escola abandona as pessoas! Na verdade, o ensino público não merece nem o nome de ensino... É uma sabotagem, descarada. Quem tem acesso a privilégios negados à maioria tem obrigação com essa maioria, ainda mais que é essa maioria que paga e paga com sangue, com suor, com sofrimento. É arrancado deles, eles não pagam sabendo que estão pagando; eles pagam porque eles tem que comer: quando eles compram a comida, quando eles pagam o sapato, eles  estão com esse imposto lá, está sendo arrecadado. Então, eu acho que qualquer universitário tem uma dívida moral. Eu não tenho a manha de chegar num universitário e dizer: "Olha, você tem uma dívida moral" e botar o dedo na cara dele. Ele tem a consciência dele. Na minha consciência, na minha opinião, qualquer pessoa na universidade tem uma dívida moral com a maioria e devia tratar essa maioria com muito carinho, porque eles são sacaneados, eles são vítimas de uma sociedade que é estruturada em cima da miséria. A miséria não existe porque é inevitável; ela existe porque ela é necessária para essa estrutura que existe ai. Na verdade, eu penso que o estado devia ser estruturado pra priorizar situações de facilidade. Quem tinha que ser mais importante, não é o dono do negócio, não é a isenção fiscal pra empresa... O que tem que ser priorizado é idoso, é miserável, é doente, e, sobretudo, criança. As crianças tinham que ter um ensino muito bom e, no entanto, não tem. O que eu vejo é um estado criminoso que não cumpre nem a sua constituição, porque a obrigação do estado é garantir educação de qualidade, alimentação de qualidade, moradia, dignidade e cidadania. Alguém pode dizer que ele garante alguma dessas coisas? Não garante nada e ainda piora tudo! Por que? Porque quem está controlando o estado são grandes empresas que pra pagar salário baixo, precisa ter muito desemprego pra que os funcionários aceitem um salário baixo, em situações escorchantes de trabalho, com medo de cair na miséria. Então, a miséria é necessária pra chantagear as pessoas. Está bom? Olha o microfone lá atrás!

Acadêmico: Boa noite! Meu nome é Maurício e eu sou um acadêmico do curso de Direito e, voltado para o Direito, eu queria fazer a seguinte pergunta pra ti: Que que tu pensa sobre o poder judiciário brasileiro e os juízes em si?

Eduardo: Gilmar Mendes... Responde tua pergunta? É outra área dominada. Esse cara foi colocado lá. Ele defende interesses... Alguém lembra do lance do Protógenes, quando prendeu aquele banqueiro lá, Daniel Dantas? O cara já sabia da mutreta, então, ele juntou uma quantidade imensa de provas — ele é de Niterói, lá onde eu moro e eu cheguei a ver uma palestra dele, depois — ele juntou um montão de provas, procurou o juiz, apresentou a metade. Ai o juiz olhou, conferiu, falou: "Não! Mandato de prisão!"... Ai ele saiu, tomou um café, voltou, procurou o mesmo juiz e apresentou a outra metade e o cara deu um segundo mandato de prisão. Ai ele foi buscar o cara, prendeu, trouxe pra delegacia, em duas horas, era de noitezinha, o Gilmar Mendes saiu da casa dele e foi no Supremo, deu um Habeas Corpus — tinha dois mil Habeas Corpus esperando — ele deu na hora um Habeas Corpus, chegou na delegacia, soltaram o cara. Ai o cara foi pra casa, o Protógenes estava na porta da casa dele com o outro mandato; pegou ele e levou de volta pra delegacia. A impressão repercutiu. Chamaram o Gilmar Mendes de novo, ele voltou lá e deu outro Habeas Corpus. Isso é uma palhaçada! O sistema judiciário é um sistema que não tem moral. Tem muita gente sofrendo lá dentro, gente boa, que entra com boa intensão, de buscar justiça e esses são os mais discriminados. Se você vai no fórum você vê isso. Eu detesto ir em Fórum, a defensoria pública é uma desgraça. Você tem que perder um dia inteiro lá, pro advogado dizer pra você que não vale a pena não você entrar com uma ação, que não vai dar em nada. São pessoas que recebem condições de trabalho num último patamar ali, mas não gostam de estar ali. O direito é uma área nevrálgica e é colocado de lado, enquanto isso ele é controlado, sabotado pelos caras que... Eu tenho a impressão que os caras já estão investindo na Academia: procuram os mais irracionais e falam: "A gente vai propor aqui pra vocês... O Gilmar Mendes eu acredito que foi assim, tanto que ele foi lá pro Supremo. Olha esse Advogado Geral da União... O engavetador geral da república, quanta coisa séria chegou nele e ele engavetou? Quer dizer, é mais uma área pra ser controlada, faz parte da estratégia. Do mesmo controle sobre a educação, sobre a comunicação, é sobre a área jurídica, sobre a área política, eles controlam as áreas estratégicas e a gente parece que não percebe, as pessoas não percebem. Eu chamo de narcotização midiática: as pessoas buscam entretenimento. Entretenimento é uma palavra que me irrita porque é coisa de quem não tem o que fazer, então tem que se entreter. Tem muita coisa pra fazer. Eu tenho uma sociedade que me incomoda sobremaneira, preciso me contrapor à isso. Eu não quero me divertir. Eu me divirto trabalhando. Eu coloquei minha vida à serviço de trabalhar por mudanças. Se vai ter mudança ou não vai ter, não me interessa. Eu trabalhando por mudanças, eu estou sentindo a minha vida. Se eu trabalhar pra mim mesmo, pra enriquecer, eu vou me sentir um idiota: isso eu não vou levar pra lugar nenhum. A minha satisfação pessoal é muito maior do que participar de privilégios. Ao contrário: me incomoda eu ver desperdício, porque nos momentos mais nevrálgicos da minha vida, eu fui obrigado a ir na casa de gente muito pobre, sabe, e eu vi muitas solidariedade, eu vi muita beleza. Eu sempre sentia dentro de mim uma injustiça muito grande: por que é que essa gente não tem nem o que comer? Como é que eles não tem acesso ao conhecimento? Não é difícil! Me dói! Então, quando eu vejo privilégios, ostentações e desperdícios, eu acho isso de uma grosseria, de uma desumanidade... Só desejar isso, pra mim já é vergonhoso, não me interessa! Meu sonho de consumo é nunca mais me preocupar com contas, só isso! Porque ai eu posso me dedicar mesmo ao trabalho. Você vê: eu tenho um blog com 1700 seguidores e tal, eu queria poder dar assistência à esse blog. As pessoas divulgam, mas eu não posso, eu tenho que estar fazendo desenho e tenho que estar botando na rua. Então, fica mais no contato pessoal, um à um, do que no coletivo com o blog, que eu acho que teria muito mais alcance, mas eu não posso, porque do blog não vem o pagamento das minhas contas. Vem da venda de desenhos que estão ali fora. Entendeu? Então, o que eu desejo de material, é só ter a minha base tranquila, mais pra mim é vergonhoso. Ter demais, uma casa com piscina, não quero! Eu não condeno ninguém. Eu não olho com raiva pra quem está ostentando. Só não quero pra mim. Porque, em cada idéia que eu tenho, eu tenho junto a possibilidade de estar errado. Eu não tenho as minhas idéias como verdades. Então, eu não tenho direito de impor isso à ninguém. Se o cara acha que o objetivo da vida é enriquecer, vai! Eu não vou dizer que ele está errado. Ele está certo, ele está seguindo a consciência dele, ele está certo. Outra coisa que eu vi: as pessoas às vezes apontando a respeito dos meus pais que cortaram relações comigo, não foi só os meus pais... Meus pais, minhas irmãs, meus padrinhos, meus tios, meus primos, todo mundo. E, as pessoas me conheciam e eu vi que pela expressão elas tinham raiva... "Mas como é que eles podem fazer isso com você?"... Não, eles estão seguindo a consciência deles, eles acham que tem de fazer isso. Então, eles estão certos. Mesmo que no final se prove que isso foi um erro, eles estão certos porque eles estão seguindo a consciência. Se você comete um erro seguindo a sua consciência, você está certo.  O que precisa é ter humildade pra na hora que você perceber que aquilo está errado, você reconhecer que estava errado e mudar o rumo. É fácil! Eu vejo que as pessoas tem muita dificuldade, mas existe um sentimento plantado que é o sentimento de orgulho... Você tem que ter orgulho! Isso faz as pessoas ficarem frágeis... O cara diz: "Você é um babaca!" E eu? Eu fico com raiva? Não! Ele acha que eu sou um babaca, é um direito dele, cara! Se ele ficar insistindo muito, eu já vou suspeitar que ele não me acha babaca nada, ela quer só que eu fique com raiva dele. Já perguntei várias vezes, você quer ficar conversando com um babaca? Por que você não vai procurar uma pessoa mais interessante? Entendeu? Quando a gente tem humildade, a gente está imune contra a humilhação. Já quando a gente tem orgulho, qualquer coisa humilha a gente, qualquer insulto ofende. Uma coisa que eu digo pros meus filhos, desde pequenininhos: "o orgulho é um sentimento de superioridade que inferioriza sua capacidade, enquanto que se você for humilde, você aprende o tempo todo e nada te humilha".  Uma pessoa que diz que você é uma bagaça é só uma pessoa que diz que você é um bagaça. Porque você vai ligar pro que ela está falando? Não dói! Está bom?

Acadêmico: Oi, meu nome é Patrick, sou da primeira classe de psicologia e tenho duas perguntas pra ti. Na verdade, mas pra ouvir tua opinião. A primeira é que aqui no Brasil, em 2014 o Brasil vai ser o censo do pais mais forte, a economia mais forte do mundo. Mas cada dia, eu acho que aqui no Brasil, a desigualdade social ainda cresce mais. Vai ser a maior economia do mundo mas vai ter ainda uma desigualdade social imensa. Tem pessoas que tem muito e tem pessoas que não tem nada. Pra ti, qual é a chave pra mudar isso? Tua acha que algum dia o Brasil vai lograr, ou mudar isso de pessoas que não tem nada e de pessoas que tem muito? Ou isso sempre vai existir e nunca vai poder tirar isso? E a segunda é: tu acha que a vida vai voltar, vai tirar esse conceito que você falou que a cada dia as pessoas querem comprar mais, ter um carro mais caro, querem ter assim, dinheiro, querem isso que é a felicidade para elas. Tu acha que algum dia vai haver uma mudança que as pessoas só vivam para viver, não para as coisas, mas para olhar o céu, desde pequenas assim, não essa coisa de ficar pensando no dinheiro o tempo todo. Qual é a tua opinião com as duas perguntas que eu fiz?

Eduardo: Olha, eu tomo muito cuidado com essas palavras "sempre" e nunca" porque elas duram mais tempo do que a gente vive, vão pra eternidade. Ao mesmo tempo eu vejo, à minha volta, que tudo muda o tempo todo; nada fica como está. A sociedade não foi assim sempre e não vai ser assim sempre. Eu espero que mude pra melhor. Eu acho que do jeito que está, piorando tanto, os preços dos alimentos subindo... Eu tenho vizinhos que estão botando água no leite das crianças, que estão comendo carne uma vez por semana, isso caminha na direção relevantes. Em São Paulo está tendo levantes à toda hora, não sai na mídia, mas está tendo levantes à toda hora. Eu acho que vai ter convulsão. E também eu penso que o trabalho principal, na direção da mudança é a conscientização. Eu gostaria muito que esses revolucionários que tem por ai, ao invés de querer conduzir as massas, se dessem ao trabalho de conscientiza-las. Pra isso eles vão precisa daquilo que eu falei: humildade... Descer do pedestal acadêmico e aprender a língua da população. Porque eles chegam lá dizendo em paradigma e ninguém entende o que eles estão falando. Que que custa falar moderno? Outro dia lá na favela foi um pessoal de um partido desse ai, e eu estava com um camarada meu. Ai quando o cara mandou assim,: "Que a luta de classes"... Que luta de classes, cara? Num tem luta quando um lado só apanha e o outro só bate. Vamos tomar uma cachaça? E deixou o cara falando sozinho, cara! Não fico ouvindo. Ai o cara se indigna  com o sentimento dele e fala: "O povo não se interessa!" e ele não percebe que ele não fala a língua daquele povo. Ele fala "academês". Não dá pra você falar "academês" com o povão. Quem faz revolução é a população, não é a academia. E pra você mobilizar a população, no mínimo, você tem que falar a língua dela. Se o cara desce do pedestal acadêmico e vai vivenciando, junto da periferia, junto da favela com olhar de aprendiz, não é ir lá pra ensinar não, é ir lá pra aprender.  Porque se aqui tem muito saber, lá tem muita sabedoria. Se um acadêmico entra lá, com o olhar de aprendiz, porque eu quando entrei lá, entrei curiosíssimo. Eu sabia que existiam códigos que eu não entendia, sabia que tinha valores que eu não entendia, então ficava o tempo todo observando e eu via que ali tinha muita sabedoria e eu fui aprendendo a falar a língua deles. Por isso que eu tenho facilidade de falar de um modo que todo mundo entende. Ao mesmo tempo que aqui na academia as pessoas estão vendo e gostando, lá no comitê cultural revolucionário de Acaí, também estão me ouvindo porque eles entendem o que estou falando. É simples. Agora, neguinho parece que tem preguiça, não que conscientizar, quer conduzir as massas. E ainda ficam com raiva quando eu digo: "Olha, vai entregar pizzas se você quer conduzir massas". O povo não precisa de liderança, o povo precisa de consciência e tem muita gente fazendo esse trabalho, acadêmicos e não acadêmicos. Eu sei porque eu trabalho em favela muitas vezes e sei que tem muito movimento cultural rolando. Tem muito trabalho de base acontecendo. Ele não aparece e é bom que não apareça, porque se aparecer, o sistema vai lá pra acabar com aquilo. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, dentro das periferias. Muita cultura, muita disposição e muito amor próprio se desenvolvendo e eu acho que isso é fundamental. Porque o sentimento de inferioridade ele inibe qualquer tipo de ação. Quando o cara começa a se sentir forte e percebe a braba que ele vive, e que ele resiste, que vive assim mesmo e dá risada assim mesmo, ai a coisa fica um pouco diferente. Eu acho que é questão de tempo.

Acadêmico: Boa noite! Boa noite à todos os presentes. Sou o Fábio da sétima faze do curso de Direito aqui e gostaria de fazer uma pergunta sobre educação. Atualmente há um projeto de lei do Senador Cristovão Buarque, em trâmite no Senado, para que todos os filhos de políticos cursem escolas públicas. Caso esse projeto seja aprovado, poderia forçar melhora na educação atual ou ainda ficaria à mercê dos financiadores de campanha.

Eduardo: Eu acho que haveria melhoras pontuais. Iam melhorar as escolas onde os filhos dos políticos iam estudar. E ali ia ser difícil de entrar. Eu conheço algumas poucas escolas públicas que são boas e é uma guerra pra conseguir uma vaga; as pessoas desistem. Não tem espaço pra todo mundo. Se o político for obrigado a colocar seus descendentes na escola pública, aliás, a maioria dos políticos já é velho demais pra ter filho na idade escolar, não é? Mas, mesmo que se faça isso, eu acho que vai ter melhoras pontuais, nas escolas dos filhos dos políticos. Eles não vão se misturar com a massa.

Acadêmica: Eu percebi e fiz algumas anotações aqui, sobre o trajeto da tua vida, vi pelo vídeo, que muito cedo surgiu ali um conflito da tua existência, durante a família, porque as pessoas vão mostrando como tu deve fazer, como tu deve pensar, como tu deve escolher, como tu deve agir, tem muito "como tu deve fazer", muita coisa. E não te dão tempo pra tu pensar. Então, eu vejo assim, que muitos jovens, necessitariam dessa coragem que tu tiveste, da tua escolha, porque, falando na praticidade custo x benefício, como tem sido durante todo este teu trajeto de muito cedo, entrar numa universidade pra ver se ti satisfazia as curiosidades ali, o mundo como tu já viu, ver de novo, não é? Como é pesado pra muitos jovens que não conseguem tomar essa atitude e entram no suicídio, toma a atitude de romper com a sua vida. Então eu vejo assim: colocam a sociedade, coloca hoje a droga como uma consequência de um mal maior e eu percebo que aqui faltou essa coragem, essa estrutura psicológica, de repente, essa essência de vida, não sei como colocar tantas palavras legais ao longo, já estou com 52 anos e vi primos meus apanharem porque eles eram professores de história, foi preso político, em prol de uma sociedade diferente, não é? Não só da pobreza, porque a pobreza é pior, porque como ele falava, que era a escravidão de não poder pensar e colocar em prática. Tu pensastes e colocastes em prática. Eu queria perguntar pra ti: está valendo a pena, hoje? Continuas na tua luta? E se tem algum assim, alguma força, algum suporte pra tu continuar?

Eduardo: Olha, em primeiro lugar, eu contesto essa história de que eu tive muita coragem. Eu acho inclusive que coragem é uma coisa que não existe, o que existe é medo... Você vai com medo e tudo. E as pessoas de fora vão falar: "Nossa, você foi muito corajoso!"... Eu é que sei o medo que eu estava sentindo. Olha, na verdade, quando a pessoa acaba se submetendo, a pressão é grande mesmo; ela caminha na direção da frustração. De alguma maneira eu intui isso, não era claro. Eu era dócil com a minha família, como eu falei ali; eu fiz de tudo pra me enquadrar... Eu fiz concurso pra carreira militar, eu fiz concurso pro Banco do Brasil... Só que com o tempo eu ficava maluco ali dentro, com uma angústia horrível. Na universidade, eu não queria terminar, eu não queria ficar, eu queria sair pro mundo procurando uma razão para a existência, porque a razão que eu estava ali buscando, pra mim, era falsa. Então eu queria buscar, mas eu tinha medo de ferir a minha família, só que a angústia foi crescendo, eu comecei a ter sonhos em que eu ia morrer e eu acordava decepcionado. Eu lembro que eu estava correndo por cima de um monte de telhado, não estava correndo de nada, nem atrás de nada, eu estava só correndo. E, de repente, os telhados acabaram e eu vi um abismo, eu olhei pra baixo e vi os riozinhos lá embaixo, as plantaçõezinhas, olhei pra trás, vi uma cidade tipo medieval, no topo de um penhasco... Não dá pra segurar mais, não é? Vou cair! Olhei pra baixo e falei: "Bom! Dessa altura, não tem perigo de eu ficar aleijado, vou bater e morrer... Então, que bom! Até que enfim ou ver alguma novidade, porque essa vida é uma porcaria mesmo!"... E fui descendo, pensando assim... "Estou morrendo, então vou ver como é que é do outro lado"... Na hora que eu ia bater no chão, eu abri os olhos e vi meu quarto... Desculpe a expressão, eu falei: "Puta que o paril! Que que eu estou fazendo vivo? Já sei tudo que eu vou fazer hoje e não quero fazer nada disso! Já sei todas as pessoas que eu vou encontrar, não quero encontrar ninguém! E levantei. E nesse dia eu fui refletindo que eu tinha que tomar atitude, ainda que ferisse os meus pais, porque até ai, eu vinha me segurando. Foi a partir desse sonho que eu comecei a observar mais agudamente e procurar uma brecha pra sair... Quando eu fui assistir um julgamento e fui preso por desacato ao juiz e eu já sai lá de dentro direto pra faculdade, fui na secretaria, falei: "me dá os meus documentos que eu quero ir embora!"... "Há você quer transferência?"... "Não quero transferência eu quero me desligar da universidade que eu não quero mais terminar isso aqui"... Eu só queria pegar os meus documentos pra entregar pro meu pai e falar: "Olha, minha divida contigo está paga! Você sempre me cobrou que eu entrasse numa universidade federal; eu entrei! Eu não vou terminar é porque eu não quero, não porque eu não posso. Eu quero uma outra coisa e eu nem sei bem o que é que é. Mas, para resumir, é um sentido pra vida, porque a vida que eu estou levando, não faz sentido". Eu passei quatro horas conversando com meu pai, sentado assim. E eu usava os argumentos mais lúcidos que eu pudia e ele não compreendia, ele reagia e eu via que a conversa ia pro lado da briga e eu parava, freava, corria atras, voltava, com toda calma, tentando explicar, na hora que eu consegui me explicar pra ele e ele ouviu tudo, ele parou, abaixou a cabeça e, quando ele olhou pra mim, falou assim:

— Você está dizendo que a minha vida não valeu nada!

Ai eu me toquei!... "É mesmo! Eu estou dizendo isso pra ele!... Eu não posso dizer isso!"... E a partir dai eu comecei a contornar: "Não! Eu estou dizendo pra você o que diz a minha consciência, que pode estar errada. Você pensa diferente, você tem uma outra consciência, você segue a sua consciência que você está certo!" Tentando desenrolar, mas não dava. Ele rompeu:

— Se você sair por essa porta não é da família.

Quando eu sai, eu fui pra um outro apartamento de um amigão dele, pra falar com o cara, tudo que eu falei com ele, pra ver se o que eu estava falando não estava compreensível. Como ele não era meu pai, como ele não tinha nenhuma relação afetiva comigo, ele me ouviu, quando eu cheguei no final eu falei:

— Você acha que está claro o que eu estou dizendo pra você?

Ele falou:

— Claro como água!

— Mas o meu pai não entendeu?

— Nem vai entender! Não tem condição de um pai e uma mãe entender essa sua postura. Não espere compreensão.

Ai eu aceitei. Peguei minha mochila, fui pra estrada e já sabia que não tinha volta. Eu conheço os meus pais. Dizendo:

— Se você sai, você não nos procura, você não existe mais, você morreu pra nós!

Era verdade! Só que foi a partir dai que eu pude experimentar a vida, me sentindo totalmente solto pelo mundo. Olha eu achei que não ia passar dos trinta anos, cara! Que eu não chegava nos trinta! Eu me vi em situações de risco incríveis! Eu cheguei à loucura de a arma ser apontada para mim e eu dizer:

— Atira!

Imagina! Eu olho hoje e eu não acredito que eu fazia isso! Eu tinha certeza de que eu não passava dos trinta. Passou dos trinta...

— Bom!  Dos quarenta eu não passo!

Quando passou os quarenta eu falei:

— Nossa! Acho que eu vou ficar bem velho!... Agora eu tenho que passar pro mundo as experiências que eu tive! Eu tenho que passar pro mundo a visão que eu fui formando!

Pra mim, é isso que eu estou fazendo, através do meu trabalho! Aliás, com dezenove anos ainda, logo no comecinho, eu falei:

— Eu vou dedicar a minha vida — porque eu tinha esse condicionamento — Que direção que eu vou dar à minha vida?

Cobra-se isso, não é? Essa é a direção que eu vou dar à minha vida: eu vou dedicar a minha vida à causar reflexão! À provocar pensamentos... À questionar valores... À denunciar mentiras que a sociedade nos conta... Eu não tinha muita idéia do que eu ia fazer, mas essas coisas foram acontecendo sem cálculo. Ao mesmo tempo que eu questionava, que eu tentava aprender, eu estava ensinando, estava vendo pessoas refletirem. Com o tempo — agora estou com cinquenta anos —, com o tempo eu fui juntando uma bagagem bem considerável e as pessoas mais novas, que estão angustiadas — tem muita gente angustiada ai, que não vê saída, só vê beco e escuta e respira. Você vê no olhar da pessoa  que ela sentiu um alívio de ouvir aquilo: "É isso que eu penso!" — o que me leva a crer que eu só falo o que é óbvio. Pra quem pensa, eu falo o que é óbvio. E a pessoa vai reconhecendo, pra ela parece uma novidade porque ela não ouviu ainda. Mas eu acho óbvio, basta observar a sociedade, ver como ela funciona. Alguém aqui assistiu "Conversas com Milton Santos"? A Globalização vista pelo lado de cá? Esse filme é imperdível. Uma coisa que esse "negão" fala é que, hoje, como as tecnologias que nós temos, qualquer pessoa com base de curiosidade pode entender como é que a sociedade funciona. Até pra ter fome, hoje, é uma vergonha, porque nós aceitamos a miséria, a fome e o sofrimento da maioria como uma coisa natural, inevitável. E essa é uma das grandes mentiras que existem. É uma estratégia de  concentração de poder. A miséria interessa, é provocada; a ignorância interessa, ela é provocada. A competitividade interessa e é provocada. Enquanto as pessoas forem competitivas, não tem união. Enquanto não tiver união, a sociedade vai ser daqui pra pior. O domínio vai permanecer do jeito que está. Está bom?

Acadêmica: Oi, boa noite! Eu sou Indaia, da sexta faze de Direito e saindo um pouco dessa linha mais existência, eu queria fazer uma pergunta mais política. Eu gostaria que o senhor conversasse um pouco com a gente sobre a questão da politica de droga, de repressão às drogas. Porque, hoje, é praticamente um consenso entre as pessoas em geral, de que isso é um mal e tem que ser combatido e tem que ser penalizado, tem que invadir favela mesmo, a gente escuta muito isso... Só que assim, quando a gente fala e olha um pouquinho pra história de como isso começou, dá a impressão de que começou como uma repressão àquelas comunidades da América Latina que estavam se engajando no comunismo na época da década e 60, 70 e que isso viria como uma estratégia de criminalização da pobreza, de criminalização de movimentos sociais, que embora tenha uma questão de saúde pública, ela não é tão grande quanto parece e a violência ela é causada muito mais pela criminalização do que pela droga em si, já que a humanidade usa psicotrópicos desde que o mundo é mundo, não é? E nunca teve essa violência por causa disso. Eu queria que o senhor conversasse um pouquinho com a gente sobre isso. Obrigado!

Eduardo:  Olha, só para tirar uma ondinha: se você quer conversar com o Senhor, você vai pra igreja! Olha, as plantas alucinógenas são usadas a quarenta mil anos; não havia tráfico. Até 18960, não tinha lei contra o tráfego. Não existia droga, não existia lei contra o tráfico. A primeira lei foi de 1860 e eu tenho a impressão que foi pressão de algum latifundiário, ou algum grupo de latifundiário que viram os filhos indo fumar maconha lá com os escravos... "Vamos proibir essa porra!"... E não funcionou, a polícia não levou a sério. Então não ouve tráfico porque era livre. Só pra te dar um exemplo: A Lei Seca. Está lembrado? Lá nos Estados Unidos, em 1930? Os caras proibiram a bebida. Na Itália estava tendo uma guerra entre as linhas de máfia, lá, quando eles souberam que os Estados Unidos proibiram a bebida, uma parte migrou pros Estados Unidos... Oba! Veio a bebida! Se você tem um mercado consumidor e a bebida é proibida, é óbvio que vai cair na mão da bandidagem. Porque o cara que consome ele quer continuar consumindo. Ele sai do trabalho e vai tomar sua cerveja. Uma hora: é proibido tomar cerveja. Ai eu chego aqui: "Não eu sei ando é  que tem cerveja, depois a gente vai lá na miúda!" E o cara vai! Porque pra ele, é um costume. O cara usar a droga é um direito dele, ele só passa a ser errado se ele começa a prejudicar os outros. Eu tenho a impressão que a proibição é um interesse financeiro, porque por trás do tráfico, existem grandes empresários. Eu vi uma entrevista do McNamara, aquele Secretário de Segurança dos Estados Unidos na época da guerra do Vietnã, dizendo que o tráfico de drogas dava um lucro de 17.000%. Qual é o empresário que não vai crescer o olho nisso? Os traficantes que eu conheço, de morro, são os varejistas; eles recebem tudo lá. Dá para imaginar esses caras fazendo negociação pra vir uma carga de armas vencidas de Israel? pagando pelo sistema financeiro internacional? O cara não sabe nem escrever o nome dele! A mídia, é um efeito midiático... A mídia diz que o tráfico está no morro... Não está não! E agora, sobretudo, está havendo uma restruturação do Rio de Janeiro, do crime organizado. Uma das facções fechou com as melícias, melícia, a polícia não combate. Então, o que eles estão fazendo? Eles estão tomando as favelas dos eixos, as principais, e estão alugando pro terceiro comando puro. Fechou com eles, pra eles traficarem. Os caras controlam o fornecimento de água, o fornecimento de gás, as vans, o transporte, as moto-táxis,  o gatoNet, eles controlam tudo, e o tráfico eles deixam ao encargo de uma facção que vai pagar aluguel por mês pra traficar. É tudo negócio! As leis anti-drogas são absurdas, porque se você vê a quantidade gente que morre por causa do tráfico  e a quantidade de gente que morre de overdose, é ridículo! É uma questão de saúde pública: nem todo mundo que usa, precisa de ajuda. Eu conheci um contador de 67 anos, ele cheirava pó. E ficava lá nos muros. Ele cheirava uma vez por dia, era sistemático. E não parecia; eu fiquei espantado. Ele me ofereceu, eu não gosto, nunca gostei. Ele me puxou assim: "E ai? Vai ai?"... Não! Eu fiquei espantado! Aquele cabelo branco e o cara trabalhando... Esse cara não pode ser penalizado e ir pra cadeia, ela estava produzindo, ele não é nocivo, aquilo ali pra ele é uma diversão, ele mantém a saúde, ele compensa com a alimentação. As pessoas que precisam de ajuda é essas que tem que ser assistidas pela saúde pública, que tinha que ter um departamento pra esse lado. Mas isso não interessa! Porque reprimir as drogas e colocar o foco em cima das favelas é uma estratégia que criminaliza a pobreza. Aliás, é a estratégia mais velha do mundo criminalizar as vítimas. Os gregos diziam que estavam fazendo bem para os seus escravos, que estavam trazendo eles pra civilização. Aqui no Brasil, o Clero dizia que o escravo que se submetesse facilmente tinha um lugarzinho garantido no céu, os outros, não tinham nem alma. Entendeu? Então, é muito comum, você vitimar uma parcela da população e você apontar o dedo pra ela: "Porque eles são culpados!"... O tráfico não está no morro; o controle do tráfico é de empresários que tem empresas pra lavar o dinheiro... Grandes empresários! Que conversam com os políticos, jantam com os políticos, que botam dinheiro na campanha, que são amigos do chefe de polícia. Uma vez eu atravessando do Rio pra Niterói, de barca, na madrugada, e tinha um navio parado num lugar que geralmente não tinha. Devia estar cheio o porto e ele estava ali parado. E eu estava lá, sentado olhando pela janela, de repente eu olhei pra lateral do navio e, lá no fundo, tinha um marinheiro, inclinado na murada e embaixo, na água, tinha uma canoa com dois caras. Pendurada numa corda, tinha um pacote, metade do tamanho dessa mesa. Aquilo era fuzil. Estava descendo do navio. É muito fácil você encomendar, o marinheiro ele tem a liberdade de trazer um montão de peso na bagagem dele. Era um cargueiro. Ai o cara, o que é que ele faz? Ele desce ali, bota na canoa, sai remando, tem uma Kombi esperando por ele no fundão — não sei se alguém conhece o Rio tem a ilha do fundão que é tudo escuro e termina num ponto de tráfico, atrás da universidade federal — tem uma Kombi esperando no fundão; eles colocam as armas na Kombi, essa Kombi vai seguir um circuito que o chefe de polícia já preparou pra não ter patrulha ali naquela área, pra não ter problema, e carregam as armas pra dentro da favela. Na favela não se fabrica arma; na favela não se planta maconha, na favela não se refina cocaína. É tudo levado pra lá. E traficante de favela, dificilmente sai da favela. Tem uns que nascem, vivem e morrem ali. Quando muda, é por algum motivo de briga de quadrilha e que mudou pra outra favela, o mais rápido possível. Ele não circula; são poucos os que circulam. É ilusão pensar que Fernandinho Beira-Mar é chefão do tráfico. Bom, chefão deve ser mas patrão não é não: tem gente acima dele — e que não aparece na mídia... Porque, além de ter contato com os políticos, tem contato com a justiça, com o sistema de segurança e com a mídia. Eles não saem! Eles saem na coluna social como um grande empresário muito bem sucedido. Mas esse caminhão tem um monte de gente que leva dinheiro do tráfico... Não é traficante de morro que leva! Traficante de bermuda e sandália havaiana? Ele ganha mal e mal pra fazer graça pra família dele e pra ter uma TV de plasma, pra botar uma piscina pequenininha em cima da laje, mas a riqueza dele é mais de ostentação do que real. Quem está se enchendo de dinheiro com esse morticínio, está fora: não pega nem em arma! está nos clubes, está na coluna social, está na elite! A política de combate as drogas é uma falcatrua sem tamanho!... É genocídio! Genocídio! Vários colegas do meu filho, morreram no tráfico porque eles não tinham condição de arrumar um emprego e a mãe estava doente, tinha um irmão mais novo, tinha necessidades prementes e o tráfico paga bem. E o pagar bem é R$300,00 por semana, R$500,00 por semana... Soldadinho! Então, quer dizer: é uma mixaria perto da renda do tráfico. O foco é totalmente desviado. Que nem essa "Operação no Alemão", lá, eu já estou sabendo que a melícia já avisou lá; tirou o Comando Vermelho? O Comando Vermelho não fechou com as melícias, quem fechou foi o terceiro comando público. Já tirou o Comando Vermelho? Já chegou o aviso aos motobóis. Eu trabalho lá; lá tem uma casa de cultura interessantíssima, aliás, se alguém tiver curiosidade, eles tem uma TV na internet: "Mate com angú"; Eles tem documentários incríveis, eles são muito bons. Eles tiraram o Comando Vermelho, naquela operação explosiva, pode ver que eles prenderam muito pouco, saíram mais de 600 caras dali, saíram e se espalharam pelo Estado do Rio. E já avisaram os motobóis: "Olha, a partir da semana que vem, vai ter pedágio!" Já avisaram as Vans também que vão ter que pagar. O que é isso? Melícia! A Melícia usa elementos do Estado; os patrões já perceberam que trabalhar com a Melícia é muito mais vantagem, porque o cara já foi treinado, porque o cara já tem a arma, ele já sabe usar a arma, enquanto que o traficante do morro, ele tem que treinar o cara, ele tem que ensinar como é que usa, ele tem que preparar o cara, quer dizer: é mais dispendioso. Então, está mudando pra Melícia. Isso é tudo falcatrua. Combate, olha só: pega o exemplo dos Estados Unidos... Há 25 anos atrás, há 20 anos atrás, não sei, eles entraram com pó da Colômbia. O pó da Colômbia era pra acabar com o plantio de cola e com a produção de cocaína. De lá pra cá, a Colômbia aumentou três vezes a produção... Eles estão lá!  Cheios de base militar, estuprando as meninas, os patrões deles só podem ser julgados nos Estados Unidos, por estadunidenses, tem problemas seríssimos com a população lá, não resolvem o problema, eles não estão lá pra combater droga nenhuma. Até porque, os Estados Unidos com 5% da população do mundo, consome mais de 50% das drogas. Eles não estão combatendo as drogas, eles estão usando pretexto. Que nem agora, eles vão dizer que o Kadafi está massacrando a população, ai eles vão lá e massacram a população do outro lado. É uma guerra humanitária? Só na mídia mesmo! Só acreditando na mídia! A gente está cercado de mentiras... A guerra às drogas não é guerra às drogas; ela tem várias funções, inclusive, criminalizar as vítimas da sociedade. Está bom?

Acadêmico: Meu nome é Lucas, sou do curso de Direito. Eu não sei se você viu o documentário "Zeitgeist"?  "Zeitgeist"?

Eduardo: Eu vi três.

Acadêmico: Então, ele faz divagações justamente sobre a religião, sobre a política econômica e eu queria que tu falasse então, justamente o teu contato com religião e com a as artes também, eu acho que isso é pouco visto, como a arte é burra, ao meu ponto de vista, como ela também funciona como um ópio.

Eduardo: A arte?

Acadêmico: Isso! Eu a vejo assim! A forma como que a arte tem sido usada, atualmente, funciona também como um ópio, assim como a religião, em que tese eu tenho os meus princípios cristãos, eu acho que a maneira que a religião muitas vezes é, a ideologia de religiões, da religião, ela é abandonada em face da massificação, da globalização desse caráter político que é adotado à ela, que é aderido à ela. Então, eu queria que tu divagasse um pouco a respeito disso, da tua visão do Brasil a respeito da religião e das artes até mesmo.

Eduardo: Eu acho que a religião, como instituição — vamos falar da instituição, não é, material — ela também é sabotada. Eu conheci clérigos, santos, no meio do sertão. Os caras são sinceros, eles são lutadores, mas eles saem do meio urbano e são transferidos pra longe. Os que comandam o clero, são super conservadores. Eu acho que a religião trata de uma realidade impalpável e que é realidade e por isso ela se torna convincente. Ela explica o que não tem explicação. Desde que você olha pro universo e vê o tamanho disso tudo, quer dizer, nem vê o tamanho, a gente vê o mínimo, a gente percebe que não pode conhecer nem a criação... Que pretensão é essa de definir o Criador? O ser humano não tem capacidade de definir isso! Mas ele é um animal pretensioso, então ele define assim mesmo. Por isso que tem que impor a criança a ferro e fogo, com ameaças. Sabe, eu acho incrível, colar essa pregação de fazer o bem por interesse, por prêmio e evitar o mal por medo do castigo. Eu acho que não é por ai! Acho que a modificação tem que ser interna e sincera. Se você faz o bem pelo interesse do prêmio você não está cometendo o bem, você está sendo egoísta. Não é? Você não está evoluindo. Mas, de qualquer maneira, eu sinto que a gente se relaciona com o invisível o tempo todo. De onde vem as inspirações? Tem peças que eu faço que eu sinto que eu não estou sozinho. Agora, eu não tenho a ousadia de dizer quem é que está ali comigo. Quem que está ali comigo? Não sei! É alguma coisa. Por que é que eu preciso definir? Eu posso ficar na dúvida, não tenho menor problema com a dúvida, não preciso ter certeza nenhuma não. Eu posso ter só uma impressão. Eu tenho a impressão que é uma equipe que trabalha comigo; tem uma equipe de tal nobreza que não reivindica mérito nenhum, não quer reconhecimento nenhum, não está ali pra ser elogiado, está ali pra fazer o serviço, a satisfação é essa. Entendeu? A religião encontra no vácuo nessa área, porque as pessoas sem entender, já tendo o embrião da razão funcionando, ela precisa de uma explicação, quando ela encontra vácuo: "Ah! É isso!" Mas é tão falho, que se cria um monte de religiões e elas se digladiam entre si, em franca competição. Se você pega os evangélicos de Jesus, há alguns que é uma coisa, é assim que são os evangélicos de Jesus, cara!... Uma ostentação que tem é uma vergonha, não é? Então, na prática, eles não põem, cara! Eles não põem! Ou você segue sozinho e pratica sozinho, e se desliga da segurança de uma instituição, ou você segue a instituição e fecha seus olhos, abraça uma alienação e não toma conhecimento: "Não quero saber! Não quero saber!"... Quanta gente é assim?... "Não quero pensar nisso!"  Cata um. Você tem a liberdade de não pensar, mas a angústia vai ficar ali dentro e você não sabe o que a angústia pode provocar.

Agora, com relação a arte, a arte é somente uma forma de você dialogar, se comunicar, com o abstrato do ser, com sentimento, com a intuição, com o código que chamamos de alma, não é? Ela não liberta! Eu vejo pessoas chegarem: "Ah! A arte liberta"... Não! A arte aprisiona também. Isso depende do caráter do artista, da intenção. Eu vejo publicidades altamente artísticas e nocivas na sociedade, que levam a pessoa mesmo, que plantam valores na cabeça dela. Sabe, a arte é como tudo, cara: pode ser bem ou mal usada. 

Acadêmico: Justamente com relação a essa conscientização, que tu falasse, não a condição da massa, mas a conscientização através da arte. Isso poderia ser utilizado com mais força...

Eduardo: É o que eu tento! A minha arte é toda nesse sentido: de conscientizar, de fazer pensar, de causar reflexão. Sabe, é uma surpresa que eu tive comigo mesmo. Com dezenove anos, sem condição nenhuma, eu falei uma coisa que eu acho ótima até hoje. também eu mudei muitas idéias e mudo a qualquer momento, eu não tenho apego nenhum com uma idéia minha, sabe? Não tenho nenhum compromisso com as minhas idéias. Eu posso mudá-las a qualquer momento. O cara falou: "Ah! Você ontem falou outra coisa!"... Porque eu mudei de idéia, hora! Percebi meu erro e deixei pra trás. Não tenho vergonha de errar. Todo mundo erra! Não é? Esconder meu erro que é uma "topeirice", mas é movido pelo orgulho, pela vergonha de ter errado, entendeu? Não tem ninguém que não erre! Ninguém tem o direito de botar o dedo na sua cara e apontar o seu erro porque esse cara também tem erro. Por isso mesmo que eu não me dou ao trabalho de condenar os erros em outras pessoas. Eu tenho os meus erros pra cuidar, eu não estou aqui pra condenar ninguém não. Eu acredito na lei do retorno: você planta, você colhe! Entendeu?  Então, a vida vai te ensinar, você tem o seu processo, eu tenho o meu. Eu tenho que estar preocupado com os meus erros. Eu faço melhor se eu apontar os seus acertos, porque eu vou te causar um sentimento bom. Você vai ter atenção naqueles acertos que você cometeu e não é uma repressão ao seu erro, que vai levantar um mundo de raiva entre eu e você, você vai se sentir abusado e vai reagir, sem absorver nada. Eu posso dizer o meu pensamento, mas não botar o dedo. Essa é uma função, "uma" função da arte e é a que eu escolhi. Não porque eu seja altruísta, mas por uma necessidade interna, pra minha própria satisfação dentro da coletividade. Não é pra ser melhor! Eu não vou solucionar, cara! Eu vou solucionar a minha vida, trabalhando esse trabalho, enquanto eu estiver por aqui. Se eu largar esse é porque eu arrumei outro melhor ainda. Porque a minha necessidade é tocar consciências inquietas, que são exceções que ainda não despertaram, mas que estão por despertar, só precisam de um "toquezinho". E eu não pretendo ser o cara que dá o "toquezinho", não! Mas se eu der um cutucãozinho já funciona! Por exemplo, eu estava numa favela e falei com um grupo que estava numa roda de conversa,m eu falei:

— Cara, lança um olhar sobre a cidade, vamos pensar nessa inferioridade que se sente aqui diante da riqueza da Barra da Tijuca... Lança um olhar sobre a cidade e procura um metro que não foi posto por mão de pobre, um metro que seja... Todo asfalto, os postes, as paredes, os encanamentos, os fios... Tudo foi feito por pobre. A sociedade se baseia inteiramente nos pobres e, no entanto, despreza os pobres.

Quando eu falei isso, cara, eu vi um monte de olho arregalando assim...

— Nossa! Isso dá prazer! É auto estima! É mesmo! Eu nunca tinha pensado nisso!

A frase que eu mais gosto de ouvir é essa!... "Eu nunca tinha pensado nisso!... Nunca tinha visto por esse lado"... Bingo! Estou cumprindo minha função. Está bom pra tu?

Acadêmica: Boa noite! Eu sou a Geana! Acadêmica de psicologia, quarta faze. Eu queria perguntar novamente sobre educação, porque foi bastante falado que a escola pública não é a melhor, conduzindo os alunos a não pensar direito.

Eduardo: Espera ai, não ouvi. A escola pública o que?

Acadêmica: É a escola pública, tipo não ensina a gente corretamente, não faz a gente pensar direito.

Eduardo: Ao contrário, inibe.

Acadêmica: É! A minha dúvida é: a escola pública federal, a faculdade federal é mantida pelo governo, ou seja, nosso dinheiro. E quem está lá, é geralmente quem tem mais dinheiro. Nós que somos os mais desprovidos estamos em escolas particulares. Como a gente faz pra mudar isso se não tem a mídia à nosso favor, não tem governo à nosso favor, não tem ninguém à nosso favor? Eles tem toda condição de  se preparar pro tal teste que é super difícil, toda a ostenticidade de uma grande federal, sendo que a federal ou a escola pública, ou não é a grande preparação?

Eduardo: Não, não é preparação nenhuma, não é? A escola pública...

Acadêmica: Então, porque elas são uma referência: "Oh! Federal!", enquanto nós que estamos aqui, na particular, ou comunitária, que seja, não tem a grande, o currículo assim: "Nossa! Federal!" e "Ah! Uma particular! Uma particular, uma comunitária!"?

Eduardo: é porque a particular foi feita pra pobre que tem que ralar o dia inteiro e estudar de noite. Pra quem não tem grana.

Acadêmica: Sim, nosso caso!

Eduardo: e pra quem não tem competência também. A qualidade do ensino nas particulares costuma ser pior mesmo, não é? Porque se destina a formação de uma classe média subalterna. É que nem as cotas dos negros: é uma coisa pra sair bem na foto. E fui...

Acadêmica: É uma coisa completamente errada! Eu acho que ele tem a mesma capacidade do que eu, que o pardo, que o índio, eu aprendi que a cota é completamente errada.

Eduardo: Eu sou a favor da cota social.

Acadêmica: Com certeza! Por isso é errado essa coisa da federal ser a melhor, enquanto quem está lá é quem tem dinheiro pra pagar e a gente que não tem, está aqui, ralando, como você disse, corre pra pagar uma faculdade particular, sendo que eles teriam muito mais condições que a gente.

Eduardo: É! Esse é mais um sintoma do desequilíbrio da sociedade, isso é uma consequência — e causa ao mesmo tempo — mas é uma consequência. Quando em 2008, eu fui pesquisar esse papo de cotas de negros, e ai eu percebi que, pelas estatísticas, 291.000 pessoas negras tinham entrado no ensino superior. Ai eu fui pro SEP, que é o sindicato dos profissionais de educação do Rio e pedi quantos tinham saído do ensino médio? Eram três milhões e quinhentos mil. Eu falei: Ué? Tem três milhões e duzentos e dez mil sobrando. O que é que esses caras vão fazer? Eles não estão resolvendo o problema, eles estão criando uma classe média negra, pra dizer que o país é plurirracial. E mesmo assim, pelos resultados que eu estou vendo, o profissional nengro ganha menos do que o profissional branco, em qualquer área. Por isso que eu digo que estão formando uma classe média subalterna; não estão ameaçando ao poder vigente. Estão arrumando mais uma fachada — é só fachada! Agora, como como mudar isso? Eu não sei! A mudança que eu tenho acesso é em mim mesmo e tenho o privilégio de participar de mudanças de algumas outras pessoas, como mais um grão ali. Mas ai, tem de ser individualmente; coletivamente, em grupos, você forma também, nas comunidades se formam grupos... Existem pre-vestibulares comunitários, mas isso é uma briga séria. Isso é uma dificuldade imensa. Nós estamos indo tudo contra... Tudo é armado pra manter como está. A sociedade, os que dominam a sociedade, eles se armam para não permitir mudanças e eles estão com tudo na mão: As tecnologias, a grana, o poder público, as forças de segurança... O que me tirou do exército foi ter apontado uma arma pra multidão... mas eu sai sozinho! Todo mundo ficou! O cara entra pra polícia, ele passa a ter uma lavagem cerebral que diz pra ele que você não faz parte da população, você é superior à ela. E os soldados e cabos, eu reparo que eles são muito mais violentos com os pobres, porque é uma forma de eles provarem que não fazem parte daquela classe. E eles fazem! Então, todo esse esquema é armado pra não permitir mudança. Se você quer mudança, não espere que seja fácil, cara! Não é fácil! Se você mudar dentro de você, você já está mudando o mundo, cara! Se você desejar coisas diferentes do que se deseja por ai, você já está mudando o mundo, porque você vai servir de referência pra outras pessoas. E a gente não está sozinho... Tem muita exceção à regra!... Uma vez eu estava na Amazônia e um garimpeiro, bem velho, desdentado, ele comparou a humanidade com o garimpo...


— A humanidade é que nem um garimpo... Você olha sempre, tem um monte de cascalho de pé, lama... No meio, tem umas pedrinhas preciosas, umas pepitas de ouro.


Falei: cacete, cara! Que precisão! O cara é analfabeto!... Aí eu fui desenvolvendo, isso fui muitos anos atrás, e eu fui percebendo que existem pedras preciosas nos lugares mais inesperados, com uma diferença: a preciosidade humana contamina! Essa é a função! Esse é o trabalho! Contaminar! Por mais blindada que esteja a sociedade, com seu clubinho encasquelado, sempre tem vazamentos! E nesses vazamentos que a gente trabalha. Existe uma mídia alternativa. No ano passado, não sei se alguém acompanhou a conferência nacional de comunicações, muito pouca gente, eu fiquei até envergonhado... No meu blog tem 1700 seguidores, no blog deles, cara, conferência nacional de comunicação, tinha 23. Isso é ridículo, não é? Eu tentei divulgar o máximo que eu pude, mas os caras são muito chatos também... Eles falam uma língua hermética que não atrai. Mas eles conseguiram um avanço, porque os representantes da mídia estavam lá, os representantes da Band, da Globo, estavam tudo lá, botando areia, botando tijolo, cimentando o caminho, pedindo um monte de avanços. Mas conseguiu-se uma coisa: formou-se a associação da mídia alternativa. É um grande vazamento. O que falta é as pessoas tomarem conhecimento e começarem a se informar por ali. Mas na minha casa eu dei um jeito: não pega a mídia aberta, a mídia privada. Aliás, o nome é ótimo: mídia privada — é exatamente o que ela é. Na minha casa não pega TV aberta, pega o canal 2, TV Brasil se eu não me engano. Que tem umas coisas muito boas. Está passando um documentário africano e um latino-americano toda semana. Não é um documentário sobre a África, é feito por africanos, nem é sobre a Latino-América, é feito por latino americano. Está tendo uma programação muito boa e alternativa. Quer dizer, muito boa, eu estou exagerando, é que não é tão ruim. Você não vê os subliminares passando... Você assiste uma mídia privada toda hora tem subliminar... A novela tem produto, tem indução... Eu já cheguei ao ridículo... Eu só vejo televisão quando eu estou no bar... Eu cheguei a ver uma atriz famosa, ela começou a vender coisas, e ela é uma arraial, ela estava induzindo as pessoas à consumirem... Uma propaganda, clara, explícita!... Está vendo? Descarou! Descarou! Estão usando o entretenimento pra embutir, nem escondem mais. Está na cara. Eu acho que esses concentradores, depois que eles derrubaram o comunismo, eles perderam a vergonha na cara, discararam, não tem mais medo de nada... Não tem mais lei trabalhista... Enquanto houve espectro do comunismo, houve a possibilidade dos operários se juntarem e contestarem, e terem uma referência de igualdade, de igualitarismo, enquanto houve isso, houve um estado de bem-estar social, houve os direitos trabalhistas, ninguém podia ser demitido sem justa causa, agora acabou! Não tem mais ameaça! É como se houvesse uma guerra e eles tivessem ganhado. A meu ver, o que está havendo é uma nova fermentação pra alguma coisa além do que foi, porque o que aconteceu de tentativa de igualitarismo foi muito concentrada, foi  poder concentrado. Hoje, o que está havendo é um desenvolvimento de bases, as pessoas estão começando a se juntarem independentemente das instituições políticas e isso, é muito difícil de controlar. Aonde tem esses políticos seguidores da Europa... Eu acho engraçado isso — deixa eu fazer um parêntesis aqui — Eu acho engraçado! A Europa veio do genocídio, a invasão, a Europa invadiu o mundo inteiro, os cinco continentes, fez genocídio em tudo quanto é canto, trouxe doença, desgraça, dividiu a África de uma maneira estúpida, matou um monte de povos que tinha lá, e depois eles querem trazer a revolução? Da Europa também? Não parece subalternidade cultural, não? A gente não tem criatividade? Nenhum desses caras que são seguidos podiam imaginar o que ia ser isso aqui...  O Brasil é um país que agrega todas as raças, todas as místicas, todas as comidas, gente do mundo inteiro. O Passaporte brasileiro é o mais caro no mercado negro porque qualquer etnia passa por brasileiro. Alguém pode dizer: "Ah! Lá nos Estados Unidos também tem!"... Tem lá, lá eles se segregam, aqui não! Aqui eles se abraçam! Eu estava vendo uma pelada, na Bahia, e tinha um moleque com uma coisa assim, pobre, e uma sobrancelha grossissima, eu estou lá assistindo e eu comentei com outro moleque:


— Aquele cara ali é diferentão!...


— Ah! O pai dele é turco!


Não era, era libanês, mas la, tudo que é árabe é tudo turco!  Mas o que eu reparei é que ele não falou, "ele é turco!"... "O pai dele é turco!"... "Ele é nosso!". Ele foi abraçado, ele faz parte de nós... Eu tenho uma filha minha que foi no império, lá nos Estados Unidos; ai casou com um cara lá e o cara é de descendência tcheca, ela tem uma bandeira da República Tcheca na parede, ele frequenta um grupo de descendentes tchecos, ele comemora as datas da República Tcheca, ele se sente da República Tcheca. E assim, nos Estados Unidos eles não se misturam, eles se separam. O que acontece no Brasil é uma coisa única no mundo. Será que a gente não tem condições de ter criatividade pra usar esses sábios europeus, mas sem segui-los? Será que a gente não tem condições de criar nada melhor? os caras só tem linha de confronto... Você não precisa confrontar! Não é preciso confrontar é preciso parar de consentir! Só isso! Não precisa derrubar o poder, não! O poder depende da subalternidade, depende do nosso consentimento e a gente, sem perceber, consente que as coisas sejam como são. A gente escolhe objetivos de vida de acordo com o que é imposto... A gente se comporta de forma que é programada... É preciso enxergar isso ai. Por isso que eu acho que o trabalho revolucionário começa dentro de si mesmo, e não fora! Quando isso funcionar dentro de si mesmo, ai sua palavra vai ganhar força pro lado de fora. Eu fico triste quando eu vejo um comunista usando um tênis da Nike... Será que ele não sabe o que é que é marca? Não sabe qual é o papel da marca no planeta? Não sabe que ai tem trabalho escravo? Eu não consigo botar um troço desse no pé sem fazer pelo menos uma interferência... Me deram um tênis ai, eu não sei se era Adidas ou Olimpikus, eu ganhei, eu precisava, estava precisando, me deram de presente... Ai, a primeira coisa que eu fiz, foi ir no Google... Botei lá: Adidas — trabalho escravo!... Eu não posso por esse troço no pé sem interferir. Ai eu peguei uma caneta que escreve em tecido e entre as faixinhas, que são três, eu coloquei: trabalho escravo e sai com ele pela rua! Eu não consigo simplesmente, mas o cara põe e nem percebe! Ou seja, ele não está trabalhando dentro dele mesmo, ele não está atento! 


Acadêmica: (fala inaudível)

Eduardo: Eu não disse que eu não gosto dos comunistas. Conheci o Marxismo e achei o Marxismo ótimo e os Marxistas péssimos! Porque os caras sabem das coisas, eles tem uma grande responsabilidade, mas eles se encastelam de tal maneira que ninguém entende o que eles falam. Você não vê o cara entrar numa favela, você não vê o cara na periferia, ele quer ir lá liderar, conduzir as massas... Não há como mobilizar as massas... Não vai, não vai! Melhor fazer pão do que querer mobilizar as massas! Não vai, porque ele não aprende a falar a língua do povo. O que acontece é que eu vejo muito Marxista com olhar igualzinho o de crente: o cara é fanático, ele tem a verdade. Não dá cara! Não dá! Mantenha a dúvida, assim você cresce! Ganhe certeza e você estaciona! Água parada apodrece! A mídia privada já fez um trabalho de desqualificação da terminologia revolucionária. Hoje eu vejo meninos de vinte poucos anos, repetindo coisas que eram ditas há cincoenta anos atrás e que já caíram no ridículo da mídia. Teve personagem de novela dizendo isso: "O povo unido jamais será vencido!... Lutas de classes!"... E todos esses termos acadêmicos. Agora, eu não entendo! A esquerda vê isso e continua falando a mesma coisa. Quando eles começam a fazer o discurso, as pessoas dispersam, ninguém para, eles ficam falando entre si. Eles são revolucionários de auditório; eles são muito bons dentro do auditório, mas na rua, onde acontece a realidade, eles não conseguem juntar ninguém! Eu ando de ônibus, eu estou conversando com o motorista, com o trocador, questionando, o cara está cobrando a passagem que sacanagem, a tua vida está em risco, concordo, provoco polêmica, sabe? Ai eu vejo... (ináudivel)... Olha o revolucionário, olha ali! Não fala com ninguém! Bando de burros, vai falar por que? A mentalidade ai é essa: ele se sente superior! Porque eu acho é que esses caras deveriam se sentir mais servidores, deviam se esforçar pra aprender a falar a língua da população. Eu já vi o cara falando assim:

— O povo daqui não se esforça, entendeu? Tem que se esforçar!

Pô! Não está considerando a condição do povo? Não sabe que o povo não pode fazer esse tipo de esforço? Está se esforçando pra sobreviver! Ele não teve acesso as palavras... Ele teve uma escola ridícula que não ensinou nada pra ele, a não ser que estudar é horrível! Ele não se esforça, nesse sentido não! Ele se esforça pra sobreviver! Agora, fala a língua dele pra você ver a reação... Na hora, cara! É frutífero! Ai eu estou falando uma coisa, eu estou repetindo e estou vendo as reações... A maioria, raivosa...

Meu irmão, você é revolucionário? Você se sente revolucionário?... Aluga uma casa na favela e vai morar lá! Vai vivenciar com essa moçada!... Você gosta mesmo da população? Ou você quer ser uma liderança? Quer estar em destaque? Quer ser mandão? É o que parece!... Quer ser mesmo? Então, vai lá viver junto com eles! Vai com o olhar de aprendiz! Aprende os valores que eles tem! Aprende a falar a língua deles e ai você vai falar e eles vão te entender. Desce do pedestal acadêmico... O acadêmico tem que se sentir servidor e não superior! Eu sou contra esse negócio de chamar de "Curso Superior"; deveria se chamar "Curso de Responsabilidade Social"... Você fez academia, você tem uma responsabilidade maior do que os demais, você deve, você não tem superioridade! No entanto, a mentalidade plantada é ao contrário: você sai daqui se sentindo superior. É ridículo! Está bom?

(...)

Acadêmico: Eduardo, é um prazer em te conhecer! Eu vi que tu falou que não espere mudanças dos outros, procure ser a mudança, não é? Dai eu queria saber o seguinte: eu vi nos teus desenhos que tu pintou o Gandhi, e ai essa frase do Gandhi... E o que tu acha de fazer a revolução com amor, ou fazer a revolução com armas como Che Guevara fez?

Eduardo: Olha, eu acho que armas, o sistema vigente está muito bem servido. Eu acho muito difícil fazer uma revolução com armas com esse nível tecnológico de informações, de localizações satélites, armas precisas pra caramba... O sistema está muito bem armado!... Mas é aquilo que eu falei: eu sou meio Gandhiano nesse ponto. Eu acho que se você virar de costas pro sistema, o sistema cai. Ele só existe porque tem servidores, ele depende completamente da subalternidade. É preciso trabalhar trazendo à tona a subalternidade que as pessoas se colocam sem terem consciência disso. Eu não acredito em revolução armada! Inclusive, as armas, mataram as melhores cabeças aqui do Brasil. Sabe, os caras que foram pra luta armada, você não derruba! Você não derruba o poder! É muito difícil! Ainda mais se apoiando em massa. Só com o povo estando em massa e com esse nível de consciência é inviável. Você deve lembrar da época da ditadura, que tinha um bando de grupos, cada um achando que ele é que ia fazer a revolução e eram cincoenta cabeças cada um, vinte... Nós vamos fazer a revolução!... É ilusão, é infantil! Não vai! Eu acho que o trabalho tem que ser "conscientizando", na base e a gente não pode esperar que isso se resolva em uma geração... Isso é um trabalho pra mais de uma geração! O problema, é que as pessoas tem aquela atitude do cachorro adestrado: ela faz a graça mas quer o biscoito, se não tiver o biscoito não faz a graça!

(...) É verdade, é verdade! Mas o mundo, o que é que é o mundo? O mundo não é regido pelos grandes capitalistas? Eles estão lá! Quando eles perdem o poder visível, eles recuam, mas não vão embora! Eles ficam esperando... A cooptação na pratica é muito bem sucedida... As pessoas mudam e eles ficam ali... Eles tem os seus emissários e eles conseguem corromper as coisas... O Gandhi fez uma revolução que foi muito espiritual, mas o povo não tinha consciência, então, fica fácil reverter. Ele se esforçou por outras escolas, ele se forçou por conscientizar, mas é um país que tem quatro ou cinco vezes a população do Brasil... Muito difícil! Mas ele iniciou um trabalho e eu tenho certeza de que o trabalho dele está dando frutos até hoje e vai continuar dando. Ele é uma referência! agora, o planeta não chegou ainda no... Quando... É aquela coisa: a semente fica ali na terra; as condições não são propícias? Ela não nasce! Na hora que as condições se tornam propícias, ela brota, como se nada houvesse ali... Brota! Ainda não chegamos nesse nível! Mas é como eu falei há pouco tempo atrás: eu estou vendo esse trabalho ser feito em muitos lugares!... Eu chego em favelas que eu acho que não tem nada e tem um centro cultural ali, e tem gente que se reúne e debate... Está acontecendo em vários lugares! E não está aparecendo!

Acadêmico: A gente não vê isso no sul do Brasil não! No sul do Brasil, em algumas cidades brasileiras, chamadas revolucionárias, assim, em Santa Catarina você não vê... Acho que está meio parado!

Eduardo: Então, a estratégia dos dominantes está dando certo, por aqui? Ah!... Mas duvido que não tenha exceções a regra! Mas ai é o tal negócio: a gente faz a estratégia; vamos fazer isso? A gente se junta aqui e faz uma parada, chama a atenção, ai se junta lá, faz uma outra parada, faz uma interferência, coloca uma pintura em algum lugar, chama... Porque existem as pessoas que são exceções a regra, existe as pessoas que são angustiadas com o sistema, que não se tornaram exceções ainda mas que são potencialmente exceções a regra, só precisam do gatilho e, as vezes, essas atividades rápidas e pontuais, elas trazem pessoas angustiadas pra perto. É uma questão de estratégia. Valeu?

Acadêmico: Boa noite! Anteriormente falando, foi falado aqui na palestra sobre as drogas. Eu queria perguntar um pouquinho sobre esse tema, porque tem um aspecto do que você falou que eu não entendi direito. Tu tinha dito que por trás do tráfico de drogas tem empresas e empresários. Dai eu não entendi direito, por exemplo, então, quer dizer, é conhecido que AS FARC traficam drogas e isso quer dizer então que, ou tem empresário por trás da AS FARC e se tem, elas estão caindo para o movimento revolucionário, ou então não tem! Você acredita que tem empresas por trás da AS FARC?

Eduardo: Olha, pode ser que tenha, agora, quem diz que AS FARC vive de drogas é a mídia, não é? E a mídia é uma coisa desmoralizada pra caramba. Eu acredito que nesse período de vinte e poucos anos que os Estados Unidos está lá dentro, houve um incremento do plantio de coca, inclusive para mandar para os Estados Unidos e a AS FARC entrou nesse jogo... Viu que dava dinheiro e começou a fazer também. Mas, o objetivo não era o tráfico de drogas, o objetivo era armamentos. Os armamentos deles são russo, não é? Vieram da União Soviética, agora eu já não sei mais. Mas eles trabalharam com isso pra sustentar uma luta, a AS FARC tem uma proposta de sociedade, se eles não tivessem o apoio da população das montanhas, eles já teriam sido exterminados. Imagina cara: o Raul Reis, o porta voz da AS FARC, aquele que mataram no Equador, não sei se você está lembrado, ele estava embaixo de um monte de árvores altíssimas, dormindo numa barraca, e ele foi localizado por satélite e jogaram um míssil travesseiro nele, depois teve aquela coisa ridícula de acharem o laptop dele intacto, não é? Laptop é uma coisa que se cai no chão estraga, com um monte de informações mentirosas. Mas se os caras tem condição de acharem o cara embaixo das árvores e acertar um míssil travesseiro nele porque ele está fazendo conversações com os franceses e vai entregar e acabar com os pretextos de aviação armada lá, como é que não acaba com as plantações de coca? A coca não pode ser plantada na sombra, ela tem que estar exposta ao sol. Se eles tem tecnologia para achar o cara dentro de uma barraca, debaixo de um monte de árvores eles não podem acabar com o plantio de coca?


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