Eu sinto que o viver com medo, de qualquer espécie que ele seja, é - se posso empregar o termo - coisa má. Viver com medo é coisa má, porque gera ódio, desfigura o pensar e perverte toda a vossa vida. Portanto, é absolutamente necessário que o homem religioso seja completamente livre do medo, tanto exterior como interiormente. Não me refiro à reação espontânea do corpo físico, para proteger-se, que é natural. É normal, ao verdes uma serpente, dardes um salto - isto é, simplesmente, um instinto físico autoprotetório, e seria anormal não ter tal reação. Mas o desejo, de se estar em segurança, interiormente, psicologicamente, em qualquer nível do próprio ser, gera medo. Podemos ver em toda a parte os efeitos do medo e compreender, assim, quanto é importante que a mente não seja, em tempo algum, um "terreno de cultura do medo".
Se estivestes escutando atentamente o que aqui se disse nesta manhã, tereis visto que o medo nunca se acha no presente, porém sempre no futuro; ele é provocado pelo pensamento, pelo pensar no que poderá acontecer amanhã ou daqui a um minuto. Assim, o medo, o pensamento e o tempo são companheiros; e, para se compreender e transcender o medo, é necessário a compreensão do pensamento e do tempo. Todo pensar comparativo deve cessar; toda ideia de esforço - que envolve competição, ambição, adoração do êxito, luta por tornar-se alguém - deve acabar. E, uma vez compreendido todo esse processo, não há conflito nenhum, há? Por conseguinte, a mente já não se acha num estado de deterioração, já que é capaz de enfrentar o medo e não é "terreno de cultura do medo"; Ora, esse estado livre do medo é absolutamente necessário, para que se possa compreender o que é criação.
Krishnamurti - A mente sem medo