Será possível olhar para qualquer elemento da espécie
humana sem, à primeira vista, classificá-lo de acordo com o gênero (homem ou
mulher)?
Quantas bocas não seriam alimentadas se conseguíssemos,
de uma vez por todas, adquirir a propriedade de um golpe de vista sem
resquícios classificatórios de gênero nenhum?
Quantos rebentos deixariam de ficar privados do leite
produzido pelo seio materno se arrebentássemos, um por um, com os pensamentos
que depõem contra o outro? Mesmo o seio cancerígeno escaparia da mastectomia
enquanto fosse livre da dicotomia.
A doença resulta de um disciplinado treinamento que dá
vida às criações da mente em detrimento às ‘creações’ do peito.
Quando treinamos a aptidão, própria da natureza humana,
em irradiar do peito poderosas emanações gentis e simpáticas, comprovamos o
quanto a mente nos mantém detidos, devido ao acintoso treinamento dedicado tão
somente a ela no decorrer de nossa formação escolar.
Se o treinamento fortalece, também enrijece; enquanto a
falta de treinamento, atrofia.
Mentes enrijecidas e corações atrofiados tem sido a ‘ordem
do dia’ durante séculos, séculos de desordem e de poucos relatos de períodos
pacíficos.
A quais treinamentos deveríamos submeter esta mente
enrijecida a fim de transformá-la, como muito bem disse o confrade Nelson, em fiel servidora de um simples coração... de um coração simples?
Nas minhas aulas de teatro, a diretora Berta Zemel (jamais
esquecida por quem a viu atuando como atriz ao menos uma vez) tinha o hábito de
dizer, referindo-se à aprendizagem fundamental para quem pretendia exercer a
arte como ofício:
— O
verdadeiro artista galopa - em pé - sobre dois cavalos. Um, representa a razão; o
outro, a intuição.
Claro que este ensinamento pode ser ampliado. O cavalo da
razão, sobre o qual um dos pés estaria firmado, seria a mente; enquanto sobre o
outro cavalo, o da intuição, onde o outro pé se firmaria, seria o coração. Se na condução destes dois cavalos faltasse vigor ou
equilíbrio, deixando um ultrapassar ao outro, o tombo seria inevitável.
Quem viu Berta Zemel atuando nos palcos pode afirmar que
ela exercia a excelência deste ensinamento com majestade. Foi através dos
ensinamentos dela, desta mulher magistral – que quando questionada quanto à sua
nacionalidade ou religião dizia-se uma cidadã do mundo – que eu tive a minha
primeira experiência visceral de viver um personagem, de me transportar
apaixonadamente para a vivência do universo que é o outro ser humano, de
transubstanciar em vida um punhado de falas escritas por um dramaturgo através
da voz, dos gestos e da presença.
Quando apreendemos Vida desta dimensão sacerdotal, ainda
que por um breve lapso de tempo, este minúsculo ‘grão de mostarda’ entronizado
no peito operará como lêvedo, fermentando toda massa dos componentes
constituintes de nossa natureza real.
Pouco importa se cedo ou tarde, o maná há de vir, há de
vir em abundância...
E tanto o homem como a mulher poderão ser celebrados
enquanto partes de uma mesma natureza humana.
LibaN RaaCh